Testes genéticos permitirão antecipar propensão para cancros

Dirk Arnold, o especialista alemão que lidera o Instituto CUF de Oncologia, diz que privados e públicos se devem unir contra o cancro. Os tratamentos entraram na era da Imuno-Oncologia
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A luta contra o cancro tem feito uma evolução notável, porém a doença continua a fazer demasiadas vítimas. Que falta para sermos mais eficazes?

Sendo uma doença crónica, que se prevê crescente nos próximos anos, é preciso educar a população sobre o cancro, potenciar a consciencialização social para sinais de alarme, fatores de risco, percursos de doente e cuidadores. São necessárias mais estratégias do serviço público e privado para diagnóstico precoce, mais recursos humanos, científicos, técnicos e logísticos, equipas multidisciplinares para lidar com a complexidade da doença e terapêuticas associadas.

O investimento público e o privado são essenciais neste processo?

O tratamento do cancro é uma causa que deve ser de todos e todos somos poucos para o combater. Todas as entidades de saúde, públicas e privadas, devem investir na melhoria dos serviços, no reforço da qualidade clínica, em serviços complementares que continuem a apoiar o doente, mesmo depois do cancro. O investimento na investigação é fundamental, assim como a prevenção.

O Instituto CUF de Oncologia (ICO), que dirige, tem investido fortemente na investigação e tratamento.

O cancro é uma doença muito complexa que necessita de investigação. É por isso que, a par de tendências atuais e guidelines internacionais, o ICO tem feito um grande investimento na investigação. Acreditamos que este é o caminho certo. Temos investido sobretudo em ensaios clínicos em áreas prioritárias como cancros do pulmão, mama, próstata, cabeça e pescoço. O objetivo é melhorar os resultados do tratamento destas doenças e procurar forma de as prevenir. É essencial que as pessoas tenham conhecimento destes ensaios clínicos e procurem saber, junto dos seus médicos, se podem e devem participar neles.

As parcerias com universidades, sobretudo na investigação, podem crescer?

Os médicos devem estar lado a lado com os cientistas, não trabalhar isoladamente. Temos vários projetos de investigação a decorrer no ICO: uns da responsabilidade das nossas equipas clínicas, outros em parceria com instituições de investigação, nomeadamente com o CEDOC - Chronic Diseases Research Center, da Nova Medical School, o Centro Clínico Académico de Braga e a Universidade do Minho. Estas parcerias permitem criar conhecimento ao nível do diagnóstico e tratamento, gerador de alternativas diagnósticas e terapêuticas, como novos mecanismos da ação de fármacos. Mas também permitem a formação de profissionais diferenciados.

Mais parcerias, nomeadamente em coordenação com o IPO, seriam vantajosas, até no que respeita a exames técnicos modernos não tradicionais?

As parcerias na investigação na área do cancro são vitais. As instituições que atuam no âmbito da doença oncológica, seja no tratamento seja na investigação ou a nível académico, devem trabalhar em conjunto para partilhar conhecimento e potenciar sinergias dos recursos existentes. O ICO está disponível para cooperar com o Serviço Nacional de Saúde. A nossa aposta na tecnologia e investigação trará todas as vantagens a doentes e entidades que nos procurem. Também ao nível da formação superior e da investigação, os investigadores do ICO, que desenvolvem projetos em universidades, trabalham em equipa com médicos da CUF ou do SNS.

Que novos tratamentos estão em experimentação, em Portugal e lá fora?

Há cerca de 15 anos, fizemos novas descobertas sobre a biologia molecular dos tumores e isso permitiu-nos desenvolver terapias mais específicas, terapias dirigidas. Há dois anos percebemos que a célula tumoral não está sozinha nem atua isolada. A célula tumoral interage com todo o organismo, com todo o ambiente e até o sistema imunitário. E o conhecimento desta realidade abriu portas à era da Imuno-Oncologia. O conhecimento dos últimos anos mostra que os conceitos de multidisciplinaridade, multimodalidade, em associação com terapias dirigidas e a imunoterapia são os aspetos que realmente representam a inovação dos últimos anos na abordagem e conhecimento sobre o cancro. E são os aspetos que permitem melhorar o prognóstico dos doentes com cancro. Os ensaios clínicos mais promissores lá fora e em Portugal têm que ver com terapêuticas dirigidas - não de quimioterapia convencional, mas com fármacos da área da Imuno-Oncologia.

A aposta na prevenção é prioritária.

O diagnóstico precoce pode salvar os doentes. Os programas de prevenção e rastreio são muito importantes. O ideal seria detetarmos o risco de desenvolvimento da doença antes de ela estar presente. No entanto, a aplicação destes programas tem de ser analisada de forma sistemática. Há excelentes programas de rastreio em vários países, incluindo aqui, nomeadamente para o cancro do colo do útero, da mama e do cólon, da próstata e do pulmão. Todavia, não existem para outros tipos de tumores. Nos próximos anos, quando entrarmos na era do diagnóstico molecular, vamos conseguir antecipar o diagnóstico do cancro em muitos doentes. Contamos ter testes que nos permitam identificar células no sangue que sugerem maior propensão ou a presença de doença pré-maligna. A realização de testes genéticos permitirá identificar marcadores da doença antes de estar instalada.

Há cancros mais agressivos ou simplesmente mais difíceis de detetar?

Há as duas coisas. Nos tumores mais agressivos é mais difícil criarem-se, à partida, programas de diagnóstico precoce, mas no caso de tumores biologicamente não agressivos, que se apresentam já em estádios avançados, o objetivo é cada vez mais investir no diagnóstico precoce para evitar o insucesso no tratamento.

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