Terrorismo islamita ameaça projeto europeu
As instituições europeias e os Estados membros expressaram "firme solidariedade com a Bélgica e estão dispostos a enfrentar esta ameaça com todos os meios necessários", lê-se num comunicado comum assinados pelos 28 chefes de Estado e de governo da União Europeia, divulgado ontem à tarde numa rara posição comum expressa fora do quadro das cimeiras.
Os dirigentes dos 28 e das instituições europeias classificaram o duplo atentado reivindicado pelo Estado Islâmico (EI), que fez cerca de 30 mortos em Bruxelas, como "um ataque contra uma sociedade aberta e democrática".
Sem pormenorizar medidas específicas, o comunicado reafirma a determinação em "enfrentar esta ameaça com todos os meios necessários" e defender "os valores e a tolerância europeus perante os ataques de intolerantes".
Além de expressarem a sua solidariedade para com as famílias das vítimas dos ataques, os 28 declaram-se ainda "firmes e unidos na luta contra o extremismo e o terrorismo violento e odioso".
A "mesma violência" na Europa e no Médio Oriente
A tomada de posição comum dos 28 não esconde uma certa fragilidade do projeto europeu, como resulta das palavras e das lágrimas da responsável da diplomacia europeia, Federica Mogherini. Falando em Amã, a italiana disse que ontem foi "um dia muito triste para a Europa, um momento em que a Europa e a sua capital vivem a mesma dor que esta região [o Médio Oriente] conheceu e conhece todos os dias". E começou a chorar ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros jordano, Nasser Judeh.
A responsável da diplomacia europeia ainda proferiu mais algumas palavras, antes de afirmar que terminava a conferência de imprensa conjunta com o ministro jordano. "Fico por aqui. Peço que compreenda. Hoje foi um dia muito difícil...", disse antes de sair da sala amparada por Nasser Judeh.
As declarações de Mogherini, além de reflexo da tristeza pela perda de vidas, revelam uma outra dimensão fundamental da realidade criada pela ameaça terrorista: é que esta não pode ser totalmente neutralizada. Todos os dirigentes europeus mostraram determinação em não se deixarem intimidar, garantindo que "nunca deixaremos esses terroristas saírem vitoriosos", como disse o primeiro-ministro britânico David Cameron, dirigente de um país que foi alvo de atentados no passado e que tem visto muitos cidadãos detentores de passaportes nacionais partirem para integrar as fileiras do EI.
Mas a verdade é que os atentados de Bruxelas, como os de Paris em janeiro e novembro de 2015, mostram que os grupos islamitas na Bélgica, e no resto na Europa, têm condições materiais e redes de apoio suficientes para realizarem ataques mortíferos, independentemente das medidas de segurança e das decisões políticas tomadas até agora. E "se 2015 foi difícil, creio que 2016 será terrível", afirmava ontem à AFP, sob anonimato, um responsável francês da luta antiterrorista.
Outros responsáveis das forças de segurança notaram que a própria cooperação entre polícias funciona mais numa base de Estado a Estado do que numa dimensão multilateral e de cooperação entre os serviços de informações dos países membros da UE.
Por outro lado, como foi ontem lembrado, apesar da existência do cargo de responsável da diplomacia europeia, ocupado por Mogherini, a verdade é que a UE não consegue ter uma posição comum sobre muitas questões internacionais, assim como não possui uma política de defesa comum.
Dos atentados à ameaça da extrema-direita e populistas
Os atentados "visaram o coração da Europa", reconheceu o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier, e apesar de garantir que esta "permanece de pé, unida e solidária", está também a mudar de uma forma que poderá comprometer o processo de integração europeia. É de facto "toda a Europa que foi atacada", declarou o presidente François Hollande, dirigente de um dos países, direta e indiretamente, mais afetados pela ameaça islamita.
A realização de sucessivos atentados e a dimensão da comunidade muçulmana, ainda que em associação a outros fatores, levou à afirmação da extrema-direita xenófoba e populista da Frente Nacional.
A França não é caso único. Em muitos outros países europeus, movimentos populistas, xenófobos e eurocéticos têm crescido significativamente em anos recentes, da AfD na Alemanha ao UKIP no Reino Unido, onde os próprios conservadores no poder estão divididos entre a permanência ou a saída da UE.
Um fenómeno que a crise dos refugiados veio reforçar, ao mesmo tempo que, perante a pressão dos migrantes, diferentes países voltaram a instalar controlos fronteiriços, comprometendo uma das conquistas do projeto europeu - o espaço de liberdade de movimento e mobilidade consagrado nos acordos de Schengen.
Ainda ontem, os defensores da saída do Reino Unido da UE consideraram que "o facto de terroristas poderem atacar o coração da UE com aparente facilidade" revela que sabem como tirar partido "do acordo de Schengen e a política de portas abertas da UE", afirmou o porta-voz do UKIP, Mike Hookem. Os britânicos votam a 23 de junho num referendo sobre a presença na UE, estando David Cameron a favor da permanência.
"O que temíamos acabou por acontecer"
Para o chefe do governo belga, Charles Michel, "o que temíamos acabou por acontecer: o nosso país e os nossos compatriotas foram vítimas de dois atentados cegos, violentos e cobardes". Michel anunciou o reforço das medidas de segurança e dos controlos fronteiriços, pedindo "calma e solidariedade" aos belgas.
O governo e a classe política da Bélgica, a propósito dos atentados, foram ontem criticados pelo ministro francês das Finanças, Michel Sapin, que os considerou "ingénuos". Para Sapin, a "comunitarização" do bairro de Molenbeek, que se tornou plataforma de apoio a jihadistas, sucedeu devido "à ausência de vontade de certos responsáveis políticos".
Turquia compara atentado de Bruxelas a ação de curdos
Quer o presidente quer o primeiro-ministro da Turquia, respetivamente Recep Tayyip Erdogan e Ahmet Davutoglu, condenaram o sucedido na capital belga, não deixando o segundo de denunciar a ligação entre o EI que "surge em auxílio do PKK", os independentistas curdos. Por seu lado, Erdogan insistiu na ideia de "um combate contra todas as formas de terror" e que este "não pode ser um método de luta pela liberdade", uma clara referência às reivindicações dos curdos. A UE tem criticado a atuação de Ancara na questão curda.