O banco público de gâmetas existe desde 2011, mas há poucas doações e a lista de espera é de dois anos para os espermatozoides e de três anos para os óvulos. Até 2017, os tratamentos apenas se faziam no Centro de Procriação Medicamente Assistida (PMA) do Centro Hospitalar do Porto. Foram alargados a todo o continente, mas a maioria dos pedidos ficam sem resposta. Resultado: nasceram 145 crianças em oito anos, uma média de 18 por ano. Além disso, há seis pessoas grávidas neste momento. Para se ter termo de comparação, refira-se que só em 2017, no privado, nasceram três vezes e meia mais crianças..Mas mesmo quem não necessita de doações e usa os seus próprios gâmetas tem queixas do serviço público: o processo é lento, o limite de idade é aos 40 anos e só são permitidos três tratamentos. Limitações que não há no privado, mas onde é preciso pagar mais de seis mil euros por cada tratamento..Há, ou havia, neste panorama, duas exceções no país. Uma é o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, o único do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que podia comprar gâmetas em Espanha, onde as doações são anónimas. Deixou de o poder fazer em abril, com a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que obriga à quebra do anonimato dos dadores. E os Açores, onde há um protocolo com a clínica privada Meka Center, em Ponta Delgada, que compra os gâmetas no estrangeiro. Os residentes da Madeira são encaminhados para o continente, venham do público ou do privado..Cláudia Tavares, 37 anos, professora, vive em São Miguel e iniciou a PMA no SNS. Ano e meio depois, passou para a clínica de fertilidade. Podia recorrer a esperma comprado e além disso tinha "direito" a cinco tratamentos. O revés veio com a decisão do TC.."A consulta foi em janeiro de 2018, tivemos de esperar pelo esperma que veio de Espanha, a decisão do Tribunal Constitucional foi a 24 de abril e íamos fazer o tratamento a 26. Ficámos uns meses à espera para ver o que acontecia, até que decidimos congelar o primeiro esperma e comprar um novo à Dinamarca, onde as doações são identificadas. Com a minha idade, dois ou três meses fazem a diferença", explica Cláudia..Não puderam utilizar o primeiro material genético, com o segundo não houve fecundação do óvulo, o que deixa o casal na terceira tentativa. "A nossa revolta maior é termos de esperar tanto tempo pela clarificação da situação." Valeu-lhes o "apoio da Associação Portuguesa de Fertilidade". Cláudia explica que os tratamentos não são totalmente gratuitos, o Estado comparticipa. Pagaram 500 euros pelo esperma de Espanha, mais 600 pelo que veio da Dinamarca, mais 120 por ano para manterem o primeiro esperma congelado. Gastaram até agora três mil euros. "Temos as contas muito controladinhas, poupamos todos os meses, porque é um processo lento.".Dois anos e mais em lista de espera.O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida indica que nasceram 300 bebés com recurso a doações de gâmetas em 2015, número que aumentou significativamente a partir de 2017, quando a lei alargou estas técnicas a todas as mulheres independentemente do estado civil e orientação sexual. Segundo Sérgio Soares, diretor da clínica privada IVI, nasceram 500 crianças nesse ano só em resultado de espermatozoides e óvulos doados..Houve recuos com a decisão do TC e não há uma norma transitória para os tratamentos que decorriam a essa data. O Parlamento aprovou a 6 de dezembro projetos de lei de Bloco, PSD, PS, PCP e PAN, que introduzem um período de transição, que baixaram à comissão da especialidade. Isabel Galriça Neto, deputada do CDS, coordenadora do grupo de trabalho, disse ao DN que vão ouvir várias entidades e estão a marcar as reuniões..Até 2017, os tratamentos com recurso ao banco público de gâmetas (BPG) foram todos feitos no Centro de Procriação Medicamente Assistida do Centro Hospitalar do Porto (CHP). É também para a Invicta que são canalizadas as recolhas dos centros de Coimbra e de Lisboa. De há dois anos para cá, os nove centros de PMA públicos pedem ao banco os gâmetas para realizarem os tratamentos, só que não têm tido resposta..Há poucos doadores e houve uma diminuição dos candidatos masculinos com a decisão do TC a nível geral, o que não se refletiu tanto nos doadores de sexo feminino, que sempre foram poucos. Coimbra é uma exceção, diz Ana Paula Sousa, embriologista do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra. Colheram quatro ovócitos e dez espermatozoides em 2018, todos aceitaram revelar a identidade, o mesmo aconteceu com os dois homens que fizeram doações neste ano..A lista de espera do BPG é de 437 pedidos de gâmetas masculinos (espermatozoides) e 295 pedidos de gâmetas femininos (ovócitos), o que nos homens representa esperar ano e meio a dois anos e, nas mulheres, três.."Enquanto a Assembleia da República não produzir legislação que esclareça algumas áreas, não podemos avançar. Falta definir o anonimato dos dadores e o que fazer com os embriões criopreservados, o que tem implicações, quer no público quer no privado", diz Carlos Calhaz Jorge, diretor do Centro de Procriação Medicamente Assistida do Hospital de Santa Maria. Ainda não fizeram tratamentos com doação de gâmetas. "Não houve resposta do banco aos pedidos que fizemos, em 2017.".Já o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia recebeu uma resposta positiva em 2018, mas o ciclo não resultou em gravidez, E, neste ano, receberam novos gâmetas, indica Sueli Pinelo, médica do centro que descobriu que Rute Silva tinha desenvolvido endometriose, que provoca a infertilidade nas mulheres..Rute Silva, 37 anos, empregada fabril, vive em Marco de Canaveses. É mãe de dois rapazes, um de 19 anos e outro de 14, fruto do primeiro casamento. Vive com o atual companheiro há nove anos e há seis decidiram ser pais. Não conseguia engravidar e, há três anos, Rute descobriu a doença. Teve de ser operada a uma trompa. "A qualidade dos óvulos e do esperma é boa só que não consigo engravidar pelo meio natural, temos de fazer uma fertilização in vitro (FIV). Estou há três anos inscrita, entretanto fui operada, com a greve dos médicos em outubro e a decisão do TC, os tratamentos foram adiados. Só agora vou iniciar a preparação para a FIV.".Vai colocar só um embrião e doar os restantes que resultarem da fecundação dos óvulos. " Acredito que vou engravidar na primeira tentativa devido aos meus antecedentes e quero ajudar outros casais com problemas de infertilidade. Só quem anda neste meio percebe a quantidade de pessoas que não conseguem engravidar naturalmente." No SNS, apenas critica os tempos de espera. "Há pessoas que esperam mais de um ano pela primeira consulta, quanto ao resto, não tenho queixas. Sempre fui bem acompanhada, mas sei por outras pessoas que o Hospital de Gaia funciona muito bem, melhor do que muitos outros.".Um irmão para Guilherme, que faleceu.Tânia Tomás, 35 anos, e Luís Jorge, 43, esgotaram os três tratamentos no SNS e tiveram de recorrer ao privado, onde pensam gastar oito mil euros. "Não conhecia o mundo da infertilidade, pensava que só acontecia aos outros, mas é um problema mais grave do que pensava", diz Luís..Inscreveram-se na Associação Portuguesa de Fertilidade para ter descontos no privado. Tiveram a primeira consulta na clínica IVI, mas Tânia vai ter de perder peso para iniciar os tratamentos, algo que diz que nunca lhe referiram taxativamente no público. "Prometi ao meu filho que lhe daria um irmão, o Guilherme morreu com seis dias.".Guilherme nasceu em 2014, ao fim de 25 semanas e cinco dias de gravidez, com 635 gramas. Luís viu um bebé "lindo", ela nem por isso. "Foi amor à primeira vista", lembra o pai. "Tinha mau feitio, como a mãe", recorda a Tânia. Morreu de septicemia, uma infeção bacteriana do sangue que os prematuros correm risco elevado de contrair..Tânia Tomás é técnica administrativa. Luís Jorge, assistente de produção na indústria metalúrgica. Vivem na Marinha Grande, casaram-se faz dez anos em outubro. A urgência de serem pais surgiu há sete anos, quando diagnosticaram à mãe de Tânia uma doença que iria deixá-la cega..A gravidez não aconteceu e consultaram um ginecologista que não viu anomalias que impedissem a gravidez. Saíram com a recomendação de voltarem um ano depois se Tânia não engravidasse. Não engravidou, e foram acompanhados no Hospital de Santo André, em Leiria, onde fizeram estimulação ovárica com coito programado durante dois anos: acabaram por ter de recorrer a uma FIV..Passaram para a Maternidade Bissaya Barreto, onde perceberam que havia uma obstrução na trompa direita. Acontece que Tânia engravidou. Descobriu no Dia dos Namorados de 2014. Começou a perder sangue e foi para casa medicada, era uma gravidez de risco. Às 21 semanas começou com contrações e o bebé acabou por nascer às 25 semanas. Não sobreviveu. "Prometi ao meu filho no dia do funeral lutar com todas as minhas forças para lhe dar um irmão, é isso que me mantém viva.".Preparou-se para novos tratamentos, que foram adiados dois anos devido a um mioma. Fez uma FIV em fevereiro de 2016, uma segunda em setembro, também sem sucesso. Uma terceira em 2017, esgotando as três hipóteses no público.."No público, a sensação que tenho é: "Façam os três tratamentos e vão embora." Não houve um acompanhamento, e demora muito tempo cada fase do processo", critica Luís. Tânia acrescenta: "É tudo a despachar, há muitas pessoas em lista de espera. Vamos à primeira consulta, o processo vai para aprovação, o que leva três a quatro meses, só depois começam os exames e as análises, depois a estimulação. Esperei dois anos para fazer o tratamento do mioma. Andamos de médico para médico, não há um atendimento personalizado." Mas o tempo está sempre a contar.