Tempo é vida
Já imaginou ter de esperar quase cinco anos por uma consulta de dermatologia? Três por uma consulta de oftalmologia? Dois anos e meio por uma consulta de ortopedia? Ou ano e meio por uma consulta de neurocirurgia e pneumologia? Não precisa de imaginar. Estes são tempos de espera reais para consultas de especialidade nos hospitais de Aveiro, Chaves, Lamego, Faro e São João, respetivamente.
Se em matéria de tempos de espera para consultas de especialidade estes números são aterradores, se olharmos para os números dos tempos de espera para cirurgia ficamos ainda mais alarmados: aumentaram com este governo e ultrapassam os três meses. Já quanto à lista de espera para cirurgia, entre 2015 e 2017, aumentou em mais de 34 mil o número de doentes a aguardar por cirurgia.
E se é de saudar o esforço de garantir que todos os portugueses tenham médico de família, é igualmente preocupante o facto de muitos destes médicos ficarem com listas de utentes cada vez maiores, a rondar os dois mil doentes, com uma média de 21 consultas por dia. Com os serviços de urgência em colapso e os doentes a esperarem horas para ter acesso a cuidados de saúde. Junta-se a estas situações o facto de a decisão de redução de 40 para 35 horas ter sido tomada sem acautelar devidamente os impactos desta medida para os serviços e para os utentes. Uma medida simpática tomada de forma irresponsável sem medição das suas consequências, levando já ao encerramento de salas e de unidades em resultado disso mesmo.
Não deixa de ser paradigmático que o governo do PS, apoiado por PCP e BE, que tantas vezes fala da necessidade de defender o Serviço Nacional de Saúde, seja o mesmo que tanto se tem esforçado para o seu desmantelamento e degradação das condições de acesso dos doentes. Há uma grande dissonância entre aquilo que é o discurso do governo e a sua atuação no que diz respeito ao setor da Saúde. Mas não só.
Há ainda assim algumas tentativas de negar a realidade, apesar de esta ser sempre mais forte do que a ficção. A propósito da indignação que resultou da divulgação de imagens de crianças com cancro nos corredores do Hospital de São João, o ministro das Finanças veio responder que questões com esta relevância não deveriam ser debatidas com base em "fotografias com legendas erradas". Naturalmente que os pais destas crianças vieram reagir e, utilizando a metáfora da fotografia, quem não ficou bem no retrato foi mesmo Mário Centeno. Não apenas pelo que era retratado naquelas fotografias. Mas pela tentativa indecente de tentar negar a realidade.
Do ponto de vista daquilo que é o discurso político, as contradições são inúmeras e coloca-se diariamente em causa a qualidade e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Com a perversidade de sabermos que a degradação dos serviços públicos prejudica sobretudo aqueles que não têm outra opção que não seja a de recorrer a estes mesmos serviços. Ficando confinados à (falta de) qualidade de algumas destas unidades de saúde, apesar do meritório e incansável trabalho levado a cabo pelos profissionais de saúde.
Estes são números que ilustram o caos em que mergulhou o Serviço Nacional de Saúde, entre o tempo que os doentes têm de esperar para consultas, para cirurgias, para aceder a medicamentos, parecendo o governo ignorar ou desprezar a ideia elementar de que tempo é vida.
Presidente da JSD