Destaca-se facilmente dos participantes na Conferência pela irreverência do traje e da postura. Mas engana-se quem nele vir a ligeireza dum diletante. Cyrill Gutsch, empreendedor criativo - como se apresenta este alemão residente em Nova Iorque -, revela ao DN que "ter vindo do mundo da moda e do Design (trabalhou para empresas como a Adidas, a Lufthansa ou a BMW) lhe permitiu falar uma linguagem que todos percebem". Está em Portugal como criador e CEO da Parley for the Oceans, a Fundação que há 10 anos se empenha no combate à praga letal que o consumo de plástico representa para os oceanos, e, nessa qualidade, assinou este domingo dois memorandos de entendimento, um com o Ministério do Ambiente e outro com a Marinha Portuguesa. Objetivo: Promover a cooperação institucional, técnica e científica com vista ao fortalecimento das instituições e políticas públicas e privadas em matéria de defesa dos recursos marinhos, ao combate às alterações climáticas, e de apoio à eco inovação através da criação de uma "Eco Agenda"..A Parley acaba de celebrar o décimo aniversário de atividade. É possível fazer um balanço? Sim, quanto tempo tem para falarmos? É que tem sido uma década muito intensa até porque muita coisa mudou nos movimentos ambientalistas. Hoje as pessoas estão conscientes de que este é o maior desafio que a espécie humana alguma vez enfrentou. E quando digo pessoas estou a referir-me, de facto, tanto ao cidadão comum como aos governos, investidores e agentes económicos. Durante demasiado tempo, o mundo dos negócios não assumiu as suas responsabilidades para com o meio ambiente e isso foi um erro muito grave. Hoje, a Natureza é o futuro da Economia, de todos os sectores da Economia. E o nosso também..É ambicioso nos seus objetivos. Pensa que são realistas na conjuntura atual com a ameaça de uma crise alimentar grave e a guerra? Todos os problemas são oportunidades para nos reinventarmos. O plástico, que durante décadas considerámos uma coisa ótima porque era um material barato e democrático, tornou-se um problema massivo, com um impacto devastador nos oceanos, de que depende, afinal, toda a vida na Terra. A poluição é um problema de todos os países, continentes e comunidades porque todos os ecossistemas estão ligados. Aqui não há bolhas..E como é que a Parley põe esses objetivos em prática? Mostrando que o desperdício do plástico pode ser transformado em objetos muito atraentes, de luxo mesmo - sneakers, óculos escuros, que são os produtos que temos desenvolvido em colaboração com as marcas - o que a nossa criatividade quiser..Porquê a assinatura deste protocolo com o Governo e com a Marinha portuguesas? Partilhamos a mesma visão destes problemas - a questão da poluição dos plásticos mas também outra com a mesma importância, que é o impacto da indústria da pesca e a aquacultura. Portugal pode estar na linha da frente de uma nova fronteira e nós, na Parley, encaramos o vosso país como um laboratório muito interessante para o nosso trabalho. É um desafio que fazemos a investidores, designers, cientistas e empresas..Veio do Design e da Moda. Em algum momento sentiu que os decisores - e até os cientistas - o podiam levar menos a sério por isso? Sou um designer mas também me apresento como um empreendedor criativo. Julgo que o facto de falar linguagem que toda a gente compreende pode ser um trunfo quando é tão importante passar a mensagem. Posso falar com políticos, cientistas, jornalistas, como se vê. Creio que também tenho a vantagem de não ser visto como um competidor, não ameaço o emprego ou o cargo de quem quer que seja,.Quantas pessoas estão envolvidas na vossa network? Na prática temos um staff muito pequeno mas contamos com a colaboração de centenas de milhares de colaboradores que, a partir de 28 países. fazem todo o tipo de tarefas: desde limpeza de praias a investigação num centro universitário especializado nestas questões. Todos temos de estar conscientes de que precisamos de muita coragem e de perceber que o fracasso também está no programa. Se queremos mudar algo tão grande como um padrão de comportamento e todo um modelo económico que se baseia no consumo e no desperdício, então temos de estar preparados para que isto não seja um passeio no parque ou uma cavalgada triunfal..A Parley tem desenvolvido projetos muito interessantes nas áreas do Design e da Moda com marcas como a Dior ou a Adidas. Como é conquistar para a "causa" um setor que talvez encarasse o desperdício como lixo muito pouco atraente? Tem corrido muito bem. O exemplo da Adidas é excelente: foi o nosso primeiro parceiro empresarial e já levamos, neste momento, sete anos de colaboração. Felizmente as pessoas que a dirigem são mentes inquietas que questionam tudo o que fazem. E compreenderam muito bem a nossa filosofia, que é muito simples: Salvar os oceanos é muito melhor negócio do que destruí-los..Que resultados espera desta conferência em Lisboa? Quer a resposta politicamente correta ou a honesta?.A honesta, claro. Eu diria que é facil criticar, dizer que as pessoas falam muito e fazem pouco. Mas se não estabelecermos alianças e laços de confiança nada vai mudar. Acredito que esta Conferência proporcione muitas dessas alianças, sabendo nós que mudança implica desconforto, esforço, coragem. É tão evidente que não podemos fazer outra coisa, muito mais do que há cinco anos, quando se realizou a 1.ª Conferência, em Nova Iorque..O que mudou entretanto? O sentido de urgência, penso eu. Em Nova Iorque, em 2017, ainda achávamos que a mudança teria de acontecer, sim, mas não de forma imediata. Hoje, até por causa da crise pandémica e da guerra, acredito que as pessoas estejam mais empáticas perante a gravidade destes problemas. Os humanos trabalham melhor quando se sentem ameaçados de extinção..dnot@dn.pt