"Temos 600 empresas de capital português atuando no Brasil e acreditamos que há espaço para mais" 

Ministro das Relações Exteriores desde abril, Carlos França é um diplomata de carreira que não hesita em relembrar aos críticos do Presidente Bolsonaro que este foi eleito pelo povo brasileiro. Veio a Portugal para reforçar as relações, defende a política ambiental brasileira e vê o combate à covid-19 como uma questão de cooperação, mas de soberania também.
Publicado a
Atualizado a

Portugal e o Brasil vão assinalar em 2022 os 200 anos da sua separação, da independência brasileira. Há uma situação curiosa que é o busto do grande diplomata de D. João V, Alexandre de Gusmão, estar tanto no Itamaraty como aqui, no Palácio das Necessidades. Há uma relação especial com Portugal que perdura e faz com que seja uma prioridade para a diplomacia brasileira?
Que Portugal é uma prioridade para a política externa brasileira é revelado, por exemplo, pelo facto de que o chanceler é empossado em abril e no final do mês de junho faz uma primeira viagem internacional e essa viagem é para Portugal. Hoje [sexta-feira] nós pudemos discutir com o ministro Santos Silva - eu já havia tido a honra de ter sido recebido pelo Presidente da República portuguesa - o futuro da relação. Sabendo que se trata de uma herança cultural, de um passado comum, a nossa relação, porém, não é baseada no passado. O passado ilumina o presente e o futuro. Nós discutimos o presente e discutimos o futuro.

E nesse futuro há algo concreto que tenha sido falado nesta visita?
O trabalho da diplomacia nem sempre é um trabalho cujo fruto colhemos no dia seguinte. Nem sempre é no curto prazo. Eu gosto de dar um exemplo muito claro da América do Sul e da integração energética do Brasil com a Bolívia, um contrato que dura até hoje, mas que começou em 1999. E demorou décadas para ser estabelecido. A usina de Itaipu, entre o Brasil e o Paraguai, que se paga agora em 2023 - dois países da América do Sul em desenvolvimento fazem a maior hidroelétrica de capacidade de geração do mundo até hoje, mesmo comparado com a chinesa Três Gargantas. Fazem aquilo com recursos próprios, empréstimos tomados, e 40 anos depois essa usina está paga. Então, às vezes a construção diplomática demora algum tempo, mas as realizações ficam. Com Portugal nós temos uma cooperação muito forte no campo cultural, no campo internacional multilateral, as nossas posições conjuntas junto das Nações Unidas, o apoio que Portugal nos tem brindado para a acessão do Brasil à OCDE e também para a ratificação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Eu sou otimista quanto às perspetivas do futuro da relação.

Acha então que há caminho para a relação bilateral se aprofundar, por exemplo, também do ponto de vista económico?
Sem dúvida. Nós temos hoje cerca de 600 empresas de capital português atuando no Brasil e acreditamos que há espaço para mais. Eu estive na Confederação das Indústrias Portuguesas, um encontro que foi tão bom que estava previsto durar uma hora e durou duas horas e meia, onde eu pude falar, mas pude sobretudo ouvir executivos de empresas portuguesas que têm interesse no Brasil. Como, por exemplo, a Galp, a EDP, a TAP, empresas do ramo bancário, do ramo tecnológico, startups, a Delta Cafés. Há uma gama imensa de interesses económicos que aproxima o Brasil de Portugal e esta cooperação, essa participação, pode ser implementada. E porquê? O Brasil já dá sinais de recuperação económica. Do primeiro dia de janeiro até ao último dia de maio, o Brasil gerou 1 milhão e 200 mil empregos diretos. Os bancos, como o Itaú e o Santander, que são conservadores por natureza nas operações financeiras, projetam um crescimento do PIB de pelo menos 5% para o Brasil este ano. Então há uma recuperação que está a caminho. E essa recuperação nos faz acreditar que as relações tradicionais do Brasil com Portugal podem, sem dúvida, aprofundar a participação na nossa economia. O Brasil hoje tem uma economia aberta. O Brasil fez o dever de casa, nós fizemos a reforma trabalhista no governo Temer. O Presidente Bolsonaro fez a reforma previdenciária. Estamos agora botando no Congresso Nacional uma reforma tributária e também administrativa. Passou-se uma lei, chamada a Lei do Gás, que permite realmente aí uma descentralização e uma diversificação do mercado de gás natural no Brasil, sem a presença do Estado. Empresas importantes estatais, como, por exemplo, a Petrobras, saíram do ramo de distribuição, inclusive das estações, dos postos de gasolina, abrindo a possibilidade que temos de ter investimento direto estrangeiro privado e aumentando a eficiência. O caminho do Brasil é esse. O caminho da abertura é o caminho da riqueza e da prosperidade.

O Brasil já chegou a estar no sexto lugar do ranking das economias mais desenvolvidas. Está otimista em relação ao Brasil recuperar a sua afirmação como grande potência?
O Brasil tem imensos desafios, mas é um país de imensas possibilidades. Estamos nos aproximando agora aqui de uma época de transição energética. Eu pude estar com o ministro do meio ambiente aqui de Portugal e fiquei muito impressionado com os resultados que Portugal colheu no fechamento de usinas a carvão, de modo que cumpre Portugal os seus compromissos de neutralidade climática com grande velocidade, muito antes até do que se havia previsto, dando uma lição a muitas nações. E o Brasil, por exemplo, é um sítio perfeito para a produção de hidrogénio verde, que é o hidrogénio feito a partir de fontes renováveis. E o Brasil tem um grande potencial eólico, tem grande potencial solar, tem grande potencial hidroelétrico, e com isso nós poderemos cooperar também para a melhoria do meio ambiente, e talvez com empresas portuguesas possamos até fazer associações que nos permitam exportar hidrogénio.

A economia verde pode ser opção para o Brasil?
A economia verde, a bioeconomia, tem o apoio do governo brasileiro, mas sobretudo na parte de transição energética, o chamado hidrogénio verde, que é o hidrogénio feito a partir de fontes renováveis, como as fontes eólica e solar. A Austrália hoje, por exemplo, produz hidrogénio, mas não é o hidrogénio verde, porque é feito a partir de carvão - não é uma fonte renovável. No Brasil nós temos condições de fazer, mas precisamos é de tecnologia. E a tecnologia pode vir a partir de parcerias com países europeus, como Portugal ou a Alemanha.

Uma das áreas em que provavelmente ouve críticas ao Brasil quando viaja é a questão da Amazónia. Como é que o Brasil se defende dessas críticas de que não está a proteger a Amazónia?
Eu acho que é uma crítica injusta. Desde 1992, o Brasil tem avançado muito. Tem estado na vanguarda do chamado desenvolvimento sustentável. Temos incentivado a bioeconomia. O Ministério do Meio Ambiente recentemente lançou dois programas, um deles chamado Floresta Mais, que é um programa que incentiva capitais privados no pagamento de serviços ambientais nas populações da Amazónia. O que preocupa o Presidente Jair Bolsonaro e o seu governo é que a defesa do meio ambiente proteja também aqueles que vivem nas regiões da Amazónia - são 20 a 23 milhões de brasileiros que precisam ser protegidos, que precisam encontrar, de uma forma sustentável, como poder ganhar o seu pão. O Ministério do Meio Ambiente também tem um programa bastante inovador, chamado Adote Um Parque, que permite que empresas privadas adotem uma unidade de conservação que o governo federal, pelas razões logísticas, tem dificuldade em proteger. E o dinheiro vai direto da empresa para a unidade de conservação. E essa é uma maneira, por exemplo, em que a participação do setor privado é bastante benfazeja. Em 22 de abril, o Presidente Bolsonaro fez um discurso muito positivo e assertivo em relação ao compromisso do Brasil com a defesa do meio ambiente. O Brasil antecipou, naquele discurso, de 2060 para 2050 o compromisso de neutralidade de carbono. É um avanço na antecipação da meta em 10 anos. Nos comprometemos também a reduzir o desmatamento ilegal. E eu gostaria de deixar claro aqui que, do meu ponto de vista, o problema do Brasil é o problema mais fácil, mais barato de ser resolvido. Porquê? Porque o Brasil responde por apenas 3% das emissões de carbono globais, ou seja, nós temos muito pouco a reduzir. E desses 3%, 1,5% apenas têm a ver com o desmatamento. Portanto, menos de 1,5% é o desmatamento ilegal, que nós temos de travar. Há um compromisso do governo Bolsonaro de encontrar maneiras de reforçar as ações de comando e controle e ações também que invistam na biodiversidade e na bioeconomia, de modo a permitir que possamos retirar da ilegalidade essas pessoas que hoje fazem queimadas. Não por má intenção, mas porque precisam sobreviver. Veja que o agronegócio brasileiro já é muito sustentável. O agronegócio brasileiro não está em áreas de floresta. Ele está em áreas, hoje, de pasto, que são área que não se prestam à agricultura. E com cada vez menos terra nós produzimos mais. Nós hoje podemos alimentar mil milhões de pessoas. E a agricultura brasileira é muito sustentável, cada vez mais baseada na tecnologia. Nossa expectativa é que a partir de 2022, quando vamos ter já o sistema 5G a funcionar no Brasil, a agricultura possa se tornar ainda mais sustentável.

Citou várias vezes o Presidente Bolsonaro. Agora mesmo há um pedido de processo de destituição e o Presidente continua nas primeiras páginas dos jornais visto de uma forma crítica. No entanto, essa imagem do Brasil, muitas vezes negativa, não se confirmou quando foi a eleição para o Conselho de Segurança da ONU. Isso significa que o Brasil, independentemente da sua classe política, tem um prestígio nas Nações Unidas que é inabalável?
Eu até me permitiria voltar ao assunto do clima antes de responder. Às vezes, há uma certa desconfiança. Nós chegámos a um ponto tal que parece que a palavra do Presidente, por si só, não basta. Então o Presidente surpreendeu alguns interlocutores do mundo quando na cúpula de líderes convocada pelo Presidente Biden a gente fez o discurso, a 22 de abril. Nós agora estamos tratando - nós, eu digo a chancelaria brasileira, o Ministério da Agricultura, a secretaria especial de assuntos estratégicos, e claro, o Ministério do Meio Ambiente - de traduzir o discurso do Presidente num plano de trabalho. Ou seja, traduzir as palavras em atos. De modo que nós possamos chegar à reunião da COP 26, em Glasgow, com essa questão no avanço equacionado. Por exemplo, o Presidente acabou de assinar um decreto esta semana que proíbe as queimadas no Brasil por 120 dias. Sejam as queimadas legais ou as queimadas ilegais. O Presidente autorizou, através de um decreto, o uso das Forças Armadas para as ações de comando e controle na Amazónia, através de um mecanismo que chamamos de garantia da lei e da ordem. Porém, nós sabemos que só isso não é suficiente. O que o governo brasileiro trabalha agora é uma espécie de cronograma, um plano de trabalho onde possamos colocar ações e tentar descobrir de onde traremos os recursos para essas ações. Será do orçamento público brasileiro? Nós temos um teto fiscal. Será da colaboração com empresas privadas, com programas como o Floresta Mais ou Adote Um Parque? Será através da regulamentação do artigo 6.º do Acordo de Paris, que esperamos aconteça agora na cúpula de Glasgow da COP 26, em novembro? Então essa equação precisa ser montada. E os resultados acontecerão. Porque eu disse que o problema brasileiro é o problema mais barato que nós temos. Porque, diferentemente de países como a China, a Índia e os próprios Estados Unidos, nós temos uma matriz energética hoje muito limpa. Nós temos etanol como combustível. De modo que hoje precisamos reduzir muito menos. A China é responsável por 28% das emissões globais de carbono. Os Estados Unidos por 26%. Há um debate hoje nos Estados Unidos e aí é certo o conflito com a indústria petrolífera, porque os carros atuais vão ter de dar lugar aos carros elétricos. Esse desafio nós não temos no Brasil.

A sua afirmação sistemática na defesa da energia limpa significa que, quando o Brasil quer defender a sua imagem internacional, sente que esta é uma prioridade? Ou seja, porque são muito criticados mas, ao mesmo tempo, também podem apresentar muitos bons resultados.
Não é só porque podemos apresentar muitos bons resultados. Eu acho que o Brasil tem uma agricultura sustentável, tecnológica, que é um exemplo para o mundo. A nossa matriz de energia, sobretudo elétrica, é bastante renovável, é sobretudo renovável. Nós temos necessidade ainda de um pequeno ajuste. Agora, esse pequeno ajuste precisa, evidentemente, de ações concretas, ações que o governo está tomando. E que precisarão de financiamento.

Tenho de insistir na questão do processo de destituição do Presidente, mas também na questão da má imagem que às vezes o Brasil pode ter e o contraste que foi a eleição para membro não permanente do Conselho de Segurança...
Creio que o Brasil tem um papel importante a desempenhar no sistema multilateral. No meu discurso de posse, eu disse que o sistema multilateral pode ser também o foro para a afirmação da soberania nacional. E sempre que a soberania nacional, o interesse brasileiro, enfim, precisar de ser defendido, penso que um país da dimensão do Brasil, com o estado de desenvolvimento do Brasil, tem no sistema multilateral um aliado. A eleição do Brasil no Conselho de Segurança foi realmente bastante significativa. Dos 190 países que votaram, nós tivemos 181 votos

O Brasil, se não me engano, disputa com o Japão o facto de ser o país mais vezes eleito para o Conselho de Segurança...
Eu creio que da América Latina, sim, é, talvez até em números absolutos, mas eu pude até renovar o agradecimento ao governo português pelo apoio e creio que, como também em 1992, o processo de liderança no campo ambiental com a Rio 92 e o lançamento do conceito de desenvolvimento sustentável, que envolve a proteção do meio ambiente, mas também a dimensão social e económica daquele que vive nas regiões da Amazónia, mostra a importância que o Brasil tem.

E sobre o processo de destituição ou impeachment?
Sobre o processo que hoje está em curso, não é novidade no Brasil. Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso há uma série de pedidos, o chamado impeachment, que são protocolados na Câmara dos Deputados. É tão frequente que, tendo em conta o que saiu desse último pedido, eu acho que não há nem razão jurídica nem razão política para que esse pedido prospere. Pelo pouco que sei do processo - porque sei pela imprensa -, trata-se de uma ligação de um pagamento, de vantagem de um pagamento que nunca houve, de uma compra que nunca foi feita. Tanto não tem razão que o presidente da Câmara de Deputados decidiu não dar curso a esse pedido. O que eu acho importante nesse momento é recordar que o governo de Jair Bolsonaro foi eleito por 57 milhões de eleitores, em duas rodadas de eleições, e foram bastante limpas. De modo que era preciso respeitar a democracia, eu acho que era preciso que se realmente respeitasse a vontade do eleitor. A vontade do povo. O governo foi eleito por um período de quatro anos. E num período já antes de quatro anos aí, que nós estamos com dois anos e pouco de governo, muita coisa foi feita. Que se espere esses quatro anos e teremos nova eleição, e é deixar o eleitor decidir.

Outra questão que o Brasil também tem feito, como o resto do mundo, é o combate à covid-19. O Brasil tem apostado aqui também na cooperação com vários países. Há dias recebi do seu ministério uma informação de que a Irlanda tinha contribuído com material médico...
Não só Irlanda. Portugal também.

O Brasil precisa de aliados para poder enfrentar esta pandemia?
Quando o Presidente Bolsonaro me confiou a chefia do Ministério das Relações Exteriores, eu pude estabelecer com ele um programa de trabalho e elegi três urgências: o combate à pandemia, o que eu chamei de diplomacia da saúde, a recuperação económica e uma urgência que é urgência também, ainda que num tempo diferente, que é a urgência ambiental e o desenvolvimento sustentável. No campo da diplomacia da saúde, nós recebemos aporte de Portugal, agora em abril e maio, que já estão em uso hoje, nos hospitais públicos do Brasil. Também a Irlanda fez uma importante doação, para nós aqui, de produtos também muito necessários, para o chamado kit de intubação, para os pacientes covid, agravados que estão nas unidades de cuidados intensivos e que precisam de internação e de intubação, respiração artificial. E também estamos envolvendo em três ramos na questão da vacinação. O Brasil ontem [quinta-feira] completou a marca de 100 milhões de pessoas vacinadas, sendo 75 milhões com a primeira dose, 25 milhões com a primeira e segunda doses, entre os quais estão incluídos 636 mil pessoas que tomaram vacinas de dose única, que é o caso da Jansen, que chegou recentemente. Qual é o problema do Brasil em relação à vacinação? O mesmo que Portugal. Não é a estrutura para vacinar, porque esta Portugal tem e o Brasil tem também. O nosso problema é a falta de imunizantes. Tanto que em maio nós vacinámos 14 milhões de pessoas. Em junho já pudemos vacinar 28 milhões de pessoas. Porque estamos confiantes? Porque o Brasil decidiu fazer uma opção pela autonomia soberana. No ano passado nós firmámos um acordo de cooperação técnica entre o Reino Unido, da Oxford da AstraZeneca, e no Brasil a Fundação Oswaldo Cruz, que é uma fundação pública, sediada no Rio de Janeiro, dependente diretamente do Ministério da Saúde, com recursos federais. O que é que nós estamos fazendo lá? Produção de vacina local, a partir do mês de setembro será feita, inclusive, de uma maneira totalmente independente de insumos externos. Ou seja, a célula-mãe, o insumo farmacêutico ativo chamado IFA e a vacina serão produzidos no Brasil. A uma razão de 500 mil doses por dia, a partir de setembro.

Isso não choca com a questão das patentes? Porque é uma tecnologia que o Brasil não tinha.
É uma tecnologia que nós adquirimos e que recebemos como transferência. O que permitirá isso? Permitirá que no fim do ano nós tenhamos produzido um milhão de doses de vacina por dia. São 20 milhões de doses de vacina. Produção local, digo independente de qualquer outro país. Isso se não trabalharmos no fim de semana. 20 milhões de doses. O que permitirá ao Brasil não apenas vacinar a sua população sempre com muito mais facilidade, apenas para a covid, mas também que, se houver uma nova variante ou algum vírus que circule naquela região do Brasil, rapidamente se pode adaptar aquela vacina para uso local. Isso dá um ganho de efetividade muito grande para imunização da população. E nós pensamos, inclusive, que será possível não apenas imunizar a população brasileira, mas também ceder vacinas para exportação ou por doação a países da América do Sul, como é desejo do Presidente Bolsonaro, inclusive a países da África lusófona. Essa é uma vertente muito importante. Porque nós descobrimos, e o mundo descobriu quando surgiu a pandemia, que você compra uma vacina dos Estados Unidos, você compra uma vacina da Oxford, da AstraZeneca, porém o insumo vem da Índia ou vem da China. E o que é que a pandemia nos ensina? Nós temos que diversificar a base produtiva das vacinas. É importante para o mundo, para que possamos lutar contra essa pandemia e outras que podem surgir, que haja fábrica de vacinas em Portugal, no Brasil, em África, na Ásia, em todos os continentes. De modo que nós possamos responder de uma maneira rápida a essa pandemia.

Falou há pouco da África lusófona. África é uma prioridade para o Brasil, a CPLP em si é uma prioridade?
Sem dúvida. A CPLP é um organismo que teve uma influência, uma participação do Brasil desde o início, muito entusiasmado. É um organismo internacional que tem uma amplitude gigantesca, vai desde Timor -Leste ao Brasil. E em que os países não fazem fronteira uns com os outros. Não é uma organização regional. É uma organização verdadeiramente mundial. Que permite que nós, que usamos a língua portuguesa, que é um orgulho que o Brasil tem, também compartilhemos valores que são comuns. E isso realmente é um ganho, que foi realmente muito verificado no apoio que nós recebemos dos países da CPLP na eleição, por exemplo, do diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, ou que Portugal recebeu através do nome de António Guterres na eleição para a Secretaria-Geral da ONU. É um fórum em que realmente o Brasil participa e quer participar cada vez mais. Digamos que a CPLP é uma dimensão muito importante da nossa política externa. E, claro, África, para nós, sempre foi uma prioridade.

No tempo do Presidente Lula, o Brasil investiu muito nos BRIC, sobretudo na relação com a China, até por uma questão económica. Com o Presidente Bolsonaro, sobretudo quando estava no poder em simultâneo Donald Trump, houve um momento em que parecia haver uma aproximação maior com os Estados Unidos. Como é que está hoje esta relação do Brasil com os Estados Unidos, um aliado tradicional, e a China, uma potência emergente?
O Brasil é um ator global das relações internacionais. A nossa posição, a ausência de conflitos, o trabalho benfazejo de Alexandre de Gusmão e do Barão do Rio Branco permitiram que o Brasil consolidasse as suas fronteiras sem conflitos e permitiu que ele pudesse, justamente por ter uma posição de neutralidade e independência, participar de muitos fóruns, participar, enfim, de negociações em todo o mundo, como um ator sempre fiável, sempre dedicado, sempre sério. Nós não temos por que fazer uma política externa de exclusões. Os BRIC são um fórum em que participamos com muita intensidade. O banco dos BRIC é o banco que hoje mais financia a atividade infraestrutural no Brasil. A China é um grande parceiro comercial do nosso país. Somos também muito gratos à cooperação que a China nos prestou durante o momento mais grave da pandemia. E, como disse, é hoje o nosso principal parceiro comercial. Podemos aprender muito com eles também com esta tecnologia. É um imenso intercâmbio ainda a ser explorado. Com os Estados Unidos, que é um parceiro tradicional do Brasil, temos também uma cooperação que vai de A a Z. Acabamos de implementar, por exemplo, recentemente, junto com o governo americano, um projeto que é o Artemis, que prevê até 2024 uma missão tripulada novamente à Lua e futuramente uma estação local e até missões a Marte, em que o Brasil é o único país da América Latina a fazer parte desse empreendimento. Inclusive com a cessão da base aérea de Alcântara, no Maranhão, no Brasil, para lançamento ali de satélites, a partir do sudoeste americano, o lançamento de foguetes americanos a partir daquela área. Temos uma cooperação em defesa que é bastante intensa também e temos uma cooperação e intercâmbio cultural de alunos estrangeiros, brasileiros que vão estudar e de americanos - menos - que vão para o Brasil. Mas há um número grande de brasileiros que estuda lá, que nos faz acreditar que a relação supera o momento dos governos. São relações que interessam aos dois países e são mutuamente benéficas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt