Tecidos para camuflagens e botas. Odessa tem um mercado que vende o que o exército precisa

Em 170 hectares vendia-se de tudo. Com a guerra há menos comerciantes e clientes. Estes têm pouco dinheiro.
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Este é o mercado no Sétimo Quilómetro, onde se fazem vendas por atacado e a retalho. Em frente ficam as torres de apartamentos do sétimo céu". Esta é a descrição que faz Aleksander, ao entrarmos na pequena cidade com 170 hectares e mais de 30 mil contentores marítimos, onde se encontra perfumes, cosmética, roupa, sapatos, brinquedos, comida dos quatro cantos do mundo, um banco e até uma farmácia.

Aleksander vende sapatos. Mas se o mercado nos lembra, a todo o momento, que Odessa é uma cidade portuária e multicultural, as vendas trazem as marcas da guerra: o que se vende mais é aquilo que o Exército precisa. "Tecidos para fazer camuflagens, powerbanks, pilhas, roupas táticas, botas militares e assim por diante", conta o homem que aqui trabalha há mais de 11 anos. Por causa da guerra, as vendas caíram. "Uma parte da população saiu e quem ficou também não tem dinheiro", diz resignado.

O Sétimo Quilómetro abriu no final dos anos 60 do século passado. "Era só para vender artigos em segunda mão", explica Olena, a assessora de imprensa do mercado. Quem entra tem de pagar bilhete. "No fundo é para só entrar quem precisa", continua.

Antes da guerra o mercado chegava a receber 150 mil clientes por dia, agora não chegam a ser 20 mil. As ruas, pintadas com diferentes cores que lhes dão nome, estão quase vazias e Aleksander reconhece que as vendas estão fracas por estes dias - afinal de contas vende sapatos e a moda passou para último lugar. Mas ainda assim já contribuiu para o esforço de guerra: " O meu produto não está exatamente a ser procurado para o Exército, mas o que era adequado já demos. Às vezes de graça, outras a preço de custo". Agora interessam as necessidades do Exército e provavelmente este mês não vai conseguir ganhar para pagar os quase mil euros de renda pelo contentor que ocupa. "Pelo menos podemos trabalhar, saímos, mesmo que não se venda nada. Não fazemos disto uma tragédia", sublinha.

Mas não foi só dinheiro e clientes que desapareceram das ruas do Sétimo Quilómetro. Muitos vendedores eram estrangeiros: "Os comerciantes da Índia, Afeganistão, Paquistão, Síria já se foram embora, ficaram só os vietnamitas e os chineses", conta Aleksander. Por enquanto mantém contacto com os colegas que partiram: "Todos terminam as mensagens com "Glória à Ucrânia" e eu espero que regressem".

"Sabe as pessoas do Afeganistão, da Síria ou do Irão, conhecem como ninguém a guerra. Partiram logo nos primeiros dias. Eles têm medo da Rússia. Para nós, desde 2014 que deixou de ser assustador", acrescenta.

Por enquanto, ainda não há prateleiras vazias, "às vezes falta diversidade, mas continuamos a ter de tudo", reconhece Olena. "A cadeia logística desmoronou-se. Não conseguimos fazer chegar nada de Lviv ou Kharkiv. Só algumas coisas de Uzhgorod", completa Aleksander.

Os mísseis russos já por mais de uma vez explodiram na zona onde está instalado o mercado, junto ao aeroporto e a várias instalações militares na saída nordeste de Odessa, mas o vendedor de sapatos garante que não tem medo. "Quando explode não é muito agradável, claro. Pensamos: "Bem, o importante é que não tenha morrido ninguém". No fundo vamo-nos habituando".

Aleksander conta que só não se habitua a ver Sétimo Quilómetro vazio. Por todo o mercado há várias lojas fechadas, algumas são de ucranianos que também deixaram o país. Se regressarem todos, talvez o mercado volte a ter os 55 000 trabalhadores. Até porque, assegura Aleksander: "As pessoas são a parte mais interessante do mercado."

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