Tatiana Macedo explora os limites da videoarte no festival Intersección na Corunha
Máscaras sanitárias, cadeiras vazias ao lado e distância visual em todos os momentos. O habitual nos festivais de cinema por estes dias, ainda que na Corunha, no Intersección- Contemporany Audiovisual Art Festival, terminado ontem, tenha havido a agravante do recolher obrigatório a partir das 23.00, medida que obrigou a uma reconfiguração dos horários e à anulação de algumas performances. Mas, a aposta em Tatiana Macedo para um foco sobre o trabalho da artista, acabou por ser uma bela oportunidade para colocar na mesa questões essenciais sobre as intersecções que nascem das artes visuais com o cinema.
Numa Corunha triste e despovoada, a sala da Fundação Luis Seoane encheu-se quase sempre para a terceira edição de um festival que interroga os limites da videoarte com o cinema e que este ano convidou algumas galerias portuguesas para um encontro com artistas galegos, tendo estado presente elementos da Appleton, Solar e Serralves.
Se é verdade que a arte cinemática tem contaminado algum do mais exploratório cinema de autor mundial, a artista lisboeta Tatiana Macedo mostrou num ecrã de cinema peças que têm sido vistas num contexto de galeria, expondo-se as suas possibilidades de leitura mais cinematográfica. Sobressaiu um gesto de pesquisa sobre o real e o quotidiano que é tratado por uma câmara que documenta fatores históricos e do passado sem perder uma certa lucidez de ficção. Em concreto, o objeto mais cinematográfico foi apresentado na última sessão e é uma guloseima de "split screen", Esgotaram-se os Nomes para as Tempestades (estreado na Culturgest, no Porto), com Nuno Lopes e a Cunha, do Porto, como protagonistas. De tudo o que se viu na Corunha de Tatiana Macedo, talvez tenha sido aquilo que a pode transportar mais próximo de uma ideia de cinema experimental.
A curadora do festival, Sara Donoso, escreveu: "o pensamento no trabalho de Tatiana origina-se antes e depois da imagem, no ato prévio de construção do projeto e no decurso da sua produção, para terminar a perfilar um espaço de perceção independente, um olho autónomo".
Ao DN, Tatiana Macedo confessou achar "curioso" que este foco seja feito primeiro fora do seu país, admitindo que gostava de experimentar uma aposta mais concreta no cinema, mesmo já tendo estado em competição no DocLisboa com o documentário experimental Seems So Long Ago, Nancy (2012) : "Não sou uma "storyteller, mas o problema com o cinema é o facto dos grandes festivais servirem basicamente os programadores dos outros festivais. Basta não se estar nesses festivais de lista A e dificilmente se consegue ser notado, já para não falar do preconceito de a duração dos filmes ser diferente do comum. Há muitos poucos festivais a arriscar numa linguagem entre a arte e o cinema!"
Na Masterclasse que deu sobre o seu trabalho, Tatiana Macedo deu pistas da sua cinefilia, aludindo a Antonioni e a Joris Ivens: "Sempre gostei também do cinema de Wong kar-wai, Leos Carax ou James Benning. O que mais gosto no cinema é que não precisas do aparato do museu ou da galeria. Para vermos cinema podemos estar em casa a ver uma grande obra..."
Para Gonzalo Veloso, diretor do festival, trazer convidados internacionais foi uma honra, em especial artistas e cineasta vindos da Croácia, país que foi alvo de uma retrospetiva: "Foi um luxo conseguir trazer convidados estrangeiros neste ano". Em relação a Portugal, acrescentou, "devo lembrar que temos uma relação já desde o começo e faz sentido sendo a Galiza vizinha de Portugal. O ano passado fizemos um foco com a cineasta Salomé Lamas e correu muito bem. Foi muito importante para nós trazermos até nós estes profissionais todos de Portugal. Manter este festival neste estado de emergência foi um ato político". Para o ano, com ou sem Covid, o Intersección, promete crescer e continuar a ser amigo de Portugal...