"Tancos não pode servir para minar a autoridade do governo sobre as Forças Armadas"

<strong>Augusto Santos Silva</strong> tem ideias fortes e nervos de aço, quando entrevistado. Não sai do caminho que traçou. Político experiente, já foi deputado e ministro de vários governos, na Educação, na Cultura, nos Assuntos Parlamentares e na Defesa. Hoje é ministro dos Negócios Estrangeiros e é também o número dois de António Costa.
Publicado a
Atualizado a

É verosímil pensar que o Bloco de Esquerda ou o PCP, ou ambos, possam estar no próximo governo?
O primeiro-ministro já respondeu a essa pergunta, não tenho nada a acrescentar.

Mas é desejável?
Depende. No PS entendemos que esta fórmula provou bem, trouxe a estabilidade política e institucional, políticas progressistas, no plano económico, social e outros, permitiu um trabalho entre todos os órgãos de soberania - governo e Assembleia da República -, excelente, num clima como raras vezes se viu. Independentemente do resultado eleitoral, se estes três partidos constituírem de novo a maioria, achamos que faz todo o sentido repetir a fórmula.

Integrando o governo?
A reprodução desta fórmula é a maneira mais prática, simples, de prolongar a situação política e, portanto, continuar a beneficiar das suas vantagens.

Mas os amigos não se convidam para o governo?
Com os programas que foram apresentados em 2015 havia suficientes divergências que impediam um governo conjunto e suficientes convergências que permitiam constituir uma maioria parlamentar. Aguardemos os programas para saber se se mantêm.

Há ou não um afastamento, recentemente, do PS sobretudo em relação ao Bloco de Esquerda?
Não, não sou nada dessa opinião, aliás julgo que a forma como a proposta do Orçamento está ou não a ser negociada mostra que o clima é de respeito mútuo, de lealdade recíproca e de trabalho empenhado.

Quando o PS diz, por exemplo, que o IVA da eletricidade não vai descer, repetida reivindicação do Bloco...
Há um trabalho de convergência que é preciso fazer. Mas é evidente que o governo tem uma responsabilidade específica. A proposta de lei do Orçamento do Estado será a proposta do governo e não da maioria parlamentar. É o governo que a apresenta como plano orçamental para 2019 em Bruxelas; é o governo que conduz o diálogo com Bruxelas, que agora evidentemente é muito fácil, mas no início de 2016 foi muito difícil; e é o governo que tem de a defender na Assembleia. Não nos esquecemos de que esta fórmula política é a de um governo do PS que beneficia de apoio parlamentar maioritário em áreas essenciais. Mas ainda é um governo do Partido Socialista.

Antes das legislativas há as europeias, que podem ser um teste à geringonça. Concorda?
Não quero agora regressar aos meus tempos de analista, mas tipicamente as eleições europeias são o que nós chamamos eleições de segunda ordem... Por vezes, os resultados são bastante diferentes. Em 2019 haverá, na minha opinião, um facto que vai fazer que estas não sejam as tais eleições de segunda ordem. O tema europeu vai ser muito mais forte e a divisão que se faz na Europa em torno das visões da Europa e das políticas europeias vai ser muito mais marcante.

Qual será a prioridade da discussão?
Para o PS é muito simples: iremos dizer que a Europa é necessária, que a UE é a forma institucional e política mais avançada que construímos, que o modelo social europeu é a melhor combinação que alguma vez pusemos em prática entre democracia liberal, liberdades, crescimento económico e a coesão social. Dizendo tudo aquilo que o BE e o PCP jamais dirão...
Mas não haverá coligação para as eleições europeias.

Um teste, portanto...
Da mesma forma que as eleições legislativas. Também apresentaremos programas diferentes; temos identidades diferentes e cada partido procurará ter o melhor resultado possível. As europeias também podem servir para fomentar em Portugal a frente europeísta de que precisamos muito. O nosso inimigo está do lado dos populistas, nacionalistas, xenófobos, daqueles que querem destruir a Europa. Eu até acho que as eleições europeias de 2019 serão uma área para um ponto de encontro entre as grandes famílias europeias, muito diferentes entre si, mas que convergem na defesa da integração europeia.

O que pode um político fazer contra o populismo?
Combatê-lo. Com a palavra, que é a grande arma da atividade política, e a mobilização das pessoas, tendo sempre presente isto: as respostas populistas são respostas erradas a questões reais. Não devemos falar como os populistas nem devemos ter a agenda dos populistas, mas devemos falar com os populistas e, sobretudo, com os seus eleitores, compreendê-los e encontrar as nossas respostas para os problemas que sentem. As classes médias europeias ficaram muito desamparadas com a crise. São vítimas da globalização. Temos de encontrar respostas progressistas, democráticas. Não podemos descartá-los como inqualificáveis.

É contra as manifestações como a do #EleNão contra a eleição de Bolsonaro no Brasil?
Sou a favor do direito de manifestação, portanto, qualquer que seja a manifestação pacífica deve fazer-se.

Hoje há eleições no Brasil. Está preocupado?
Julgo que os brasileiros irão escolher - provavelmente em duas voltas - o seu presidente e o seu governo será o parceiro óbvio, próximo, de Portugal, qualquer que ele seja. Essa relação só tem como desenvolver-se (estou a usar um brasileirismo).

O que é que Portugal está a fazer, neste momento, para se proteger das consequências do brexit?
Estamos a trabalhar em várias frentes. A mais importante é a frente europeia, de negociação. Somos dos Estados membros que mais se batem pela conclusão de um acordo de saída, que a regule e permita que as coisas não terminem abruptamente em março do próximo ano, mas que vá até dezembro de 2020 com um período de transição, e também nos batemos por um acordo que regule a relação futura.

E acredita que esse acordo será possível?
Julgo que sim. Pelo menos 4/5 já estão fechados; em áreas tão importantes como os direitos dos cidadãos, os compromissos financeiros do Reino Unido. Há uma área crítica para a qual temos de encontrar ainda solução: a fronteira física entre a Irlanda e a Irlanda do Norte. Ao mesmo tempo que nos preparamos internamente para todos os cenários, porque todos os cenários estão neste momento em cima da mesa.

Houve um grupo interministerial, há também uma comissão, quais são os resultados?
Na preparação interna, a AICEP lidera, perceber bem quais são os impactos sobre que setores, produtos e regiões. Temos vindo a trabalhar com empresas, com associações empresariais, com clusters, com especial atenção para as áreas em que a relação económica com o Reino Unido é mais forte: turismo, exportações de certos produtos industriais, por exemplo... O brexit não é um jogo de soma positiva, pelo contrário, é um jogo em que todos perdemos. Na minha opinião, o Reino Unido vai perder muito mais, mas a Europa vai perder também e Portugal vai sofrer também efeitos negativos; o Reino Unido é o nosso quarto cliente, é o primeiro cliente de serviços e está entre os nossos dez maiores fornecedores.

Mas estamos bem posicionados do ponto de vista da relação bilateral...
Temos algumas vantagens. A primeira é a ligação histórica. As nossas exportações para o Reino Unido têm o efeito "marca". Temos também a presença da nossa comunidade, são trezentos ou quatrocentos mil portugueses e que, em si mesmos, representam logo um mercado. Aqueles que há muitos anos se habituaram a vir todos os verões para o Algarve, não é de um momento para o outro que deixam de vir. Esse efeito de proteção histórica existe. E também uma vantagem, aí é que entra a Estrutura de Missão Portugal In: somos uma alternativa óbvia para os que investiam no Reino Unido e têm de encontrar um equivalente.

A política europeia é aliciante para si ou não?
Muitíssimo, desde que me conheço, desde os meus 15 anos. A minha formação política começou aí...

Isso quer dizer que se imagina com uma carreira política europeia?
Tenho uma carreira política europeia porque sou português e Portugal faz parte da Europa. Em vez de andar à volta do assunto faça a pergunta direta: vai ser candidato ao Parlamento Europeu? A resposta é: o PS apresentará a sua lista em janeiro, quando fizermos a convenção. Neste momento sou ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal num governo que, julgo, estará em funções até outubro/novembro do próximo ano, e é esse o meu mandato.

Qual é o político mundial que mais admira?
Vivo talvez seja Barack Obama, acho que foi... Mas não queria dizer isso, queria dizer em funções para ver se eu respondia Macron.

Como classificaria o que se vive hoje na Venezuela?
Do ponto de vista político, muito preocupante, há uma Assembleia Nacional cujas competências não são reconhecidas pelo executivo. Do ponto de vista social, a situação é ainda mais preocupante, e é esse ponto de vista que mais me interessa porque há qualquer coisa como 400 mil portugueses ou lusodescendentes no país.

Quantos é que já abandonaram o país, sabe-se?
Sim, não temos números exatos por uma razão simples: os cidadãos portugueses têm o direito de regressar a Portugal quando entenderem. As autoridades regionais atualizaram há dias a sua estimativa para seis mil, na Madeira. Nós estimamos que no continente estejam entre mil e dois mil. Teremos provavelmente cerca de oito mil em Portugal. Depois temos, talvez, uns quatro mil ou cinco mil que saíram para países como o Brasil, a Colômbia, o Panamá, etc., com estes não há problemas de integração. Toda a nossa atenção está a ser focada, do ponto de vista das situações de emergência, naqueles que vivem na Venezuela, porque aí a situação é muito delicada.

Os apoios reclamados pelo governo regional da Madeira já estão no próximo Orçamento do Estado?
Uma parte está paga. Comparticipamos as despesas adicionais do governo regional em matéria de proteção social. Começámos por definir um teto de um milhão. Não estava no Orçamento para 2018 e estará em 2019. E a cooperação tem sido exemplar.

Acabou de chegar de Angola. O que é que mudou nas relações depois desta visita de reconciliação, como disse, entre gémeos siameses desavindos?
Que nunca podiam estar desavindos porque são siameses... O que mudou foi uma coisa muito simples: subiu um patamar, até ao patamar mais alto, o nível de relacionamento. Estivemos oito anos sem visitas deste nível e estamos a procurar recuperar o tempo perdido. Ao mesmo tempo aprovámos o programa estratégico de cooperação entre Portugal e Angola - Portugal estendeu em quinhentos milhões a linha de crédito para as suas empresas que operam em Angola, passou de mil para mil e quinhentos milhões - o próximo Orçamento do Estado repercutirá essa decisão. Portugal, num caso com França e noutro sozinho, gere os dois grandes projetos de cooperação europeia com Angola. Um para a formação profissional e ensino técnico, outro para a agricultura familiar. São perto de cem milhões de euros.

Tancos acabou por explodir nas mãos do governo...?
O ministro da Defesa já desmentiu categoricamente todas as alegações na passada sexta-feira.

Acha que esta ferida vai estancar-se, nomeadamente na confiança que se tem nas estruturas militares?
São duas coisas diferentes. Quanto à primeira questão, é preciso apurar os factos todos doa a quem doer. Quanto às consequências disto sobre a instituição militar, espero que elas não existam porque faz parte da história e da identidade do país. São as Forças Armadas que garantem a nossa soberania e a liberdade. Caracterizam-se pelo enorme profissionalismo, lealdade e contributos que têm prestado à democracia. Este incidente não pode servir de pretexto para minar a autoridade, seja do governo sobre as Forças Armadas seja dos chefes militares.

Quando haverá uma decisão sobre a atribuição de um eventual pavilhão português ao navio Aquarius?
É uma decisão que tem de ser tomada por todo o governo. A minha opinião, já a disse. Devemos concentrar-nos no que é mais importante, a construção de uma resposta europeia comum às migrações.

Estamos longe dessa resposta comum?
Ainda estamos bastante longe. O conselho informal de Salzburgo avançou um bocadinho, mas estamos bastante longe, até porque hoje a política das migrações divide provavelmente mais os Estados membros da Europa do que o euro ou o quadro financeiro plurianual ou outra qualquer matéria europeia.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt