Daniel Maldini estreou-se neste domingo com a camisola do AC Milan, clube onde o pai (Paolo Maldini) e o avô (Cesare Maldini) são verdadeiras lendas. Sete dos títulos de campeão europeu conquistados pelo AC Milan, seis foram sob o desígnio da família Maldini: cinco conquistadas por Paolo e uma (a primeira) por Cesare. O avô, Cesare, foi jogador do clube de 1954 e 1966 e treinador de 1972 a 1974. Seguiu-se o pai, Paolo, que se estreou em 1985 e disse adeus em 2009, depois de 902 jogos pelo clube. Uma herança pesada a do jovem Daniel, que no domingo, 66 anos após a estreia do avô, deu seguimento ao legado..Quem é o português que não se recorda de ver Cesare a levantar a Taça dos Clubes Campeões europeus ganha ao Benfica de Eusébio lavado em lágrimas em 1963? E quem esquece os desarmes do elegante, mas eficaz, Paolo, no lado esquerdo da defesa do AC Milan que em 1990 voltou a roubar uma Champions ao Benfica? Essas são algumas das imagens de sucesso que perseguem o jovem medio/avançado dos sub-23 milaneses, que carrega agora o apelido Maldini na camisola rossoneri..Os Maldini são uma das famílias com mais tradição e talento do futebol transalpino. O legado dos homens de cachos dourados e olhos verdes hipnotizantes começou com Cesare Maldini. Nascido em Trieste, para alguns ele só conheceu um clube em toda a vida, mas não é bem assim. Segundo alguns registos ele começou no Triestina e só depois se mudou para o AC Milan. Notabilizou-se ao serviço da equipa milanesa e na seleção italiana como líbero (posição característica do futebol italiano que define o médio centro recuado) nos anos 50 e 60. Fez 455 jogos em 12 anos e conquistou quatro títulos italianos (1954-1955, 1956-1957, 1958-1959 e 1961-1962)..Cesare ficou ligado ao futebol português graças a um duelo épico com Eusébio no Estádio de Wembley, em Londres. A equipa italiana venceu o Benfica por 2-1 e levou para casa a Taça dos Clubes Campeões europeus e deixou o rei Eusébio a chorar. Internacional italiano seguiria a carreira de treinador quando pendurou as chuteiras, tendo sido selecionador de Itália e do Paraguai, além de treinar o Foggi, Ternana, Parma e Milan (1972 a 1974). Morreu a 3 de abril de 2016, deixando um legado interessante que seria, no entanto, superado pelo filho Paolo, considerado o melhor lateral esquerdo de todos os tempos e com um currículo impressionante..Paolo superou o sucesso do pai.Reza a história que Paolo Maldini era um fervoroso adepto da Juventus de Roberto Baggio até o pai o convencer a inscrever-se na academia do AC Mlian. E em boa hora o fez. Paolo ganhou tudo ou quase tudo o que disputou, num total de 26 títulos, entre eles o Mundial de Clubes da FIFA de 2007, cinco Ligas dos Campeões da Europa (1989, 1990, 1994, 2003, 2007) e sete scudettos (1988, 1992, 1993, 1994, 1996, 1999, 2004). Tal como o pai, também ele teve um duelo europeu com o Benfica. Foi em 1990 frente a Valdo, Mozer, Ricardo Gomes e companhia e, tal como o pai, levou a melhor (1-0)..Desde a primeira partida com a camisola rossoneri, a 20 de janeiro de 1985 (com apenas 16 anos), até à despedida, em maio de 2009, só conheceu um clube: o AC Milan. Foram 635 jogos na Liga italiana, um recorde que perdura no Calcio. Quando disse adeus aos relvados decidiu afastar-se por uns tempos, mas não resistiu ao chamado rossoneri a passar por uma das maiores crises de sempre. É o atual diretor técnico, cargo que ocupa desde 14 de junho de 2019..Foi já depois de deixar de jogar que viu o filho mais novo, Daniel, ingressar na Academia milanesa. Começou nos sub-11 e estreou-se pela equipa principal no domingo, com apenas 18 anos, frente ao Hellas Verona, com um empate (1-1). "Foi um sonho, foi pena o resultado. Esta estreia foi um objetivo que eu tinha. Agora, espero continuar neste caminho. Senti uma grande emoção e tive o apoio do meu pai [atual diretor desportivo do clube de AC Milan]", disse Daniel no final do jogo, pós consumar a terceira geração Maldini no clube de Milão..O pai conteve a emoção. "Não foi planeado. Ele não deveria estar no elenco, pois não treinou durante os últimos dias e só foi incluído no último minuto. Não tive a oportunidade de me emocionar tanto, pois estava muito envolvido com o jogo. Olhando agora, reconheço como um momento maravilhoso para a minha família e para os torcedores que o receberam com tanto carinho", confessou o pai, Paolo Maldini, que tem outro filho jogador. Christian formou-se no Milan, mas não chegou à equipa principal e joga atualmente no Pro Sesto, na IV Divisão do campeonato Italiano..Se o avô e o pai primaram pela arte de bem defender, Daniel escolheu um caminho do golo. Joga como médio ofensivo e avançado - nessa posição no Milan tem a concorrência do português Rafael Leão, do sueco Zlatan Ibrahimovic e do croata Ante Rebic. Para o pai ele "é uma espécie de número 10", destacando que ele é o único da família com características ofensivas: "Ele é um poeta com a bola." O atual diretor técnico do AC Milan admite parecenças físicas: "Eu revejo-me nele fisicamente desde que deixou de ser criança, da mesma maneira como as pessoas viram o meu pai ao olhar para mim. Isso, eu acredito, é absolutamente genético.".Daniel concorda com a avaliação do pai. "Sou médio ofensivo ou atacante. Os meus pontos fortes são jogar com poucos toques e antecipar os lances do jogo antes dos outros, além de bola parada", autointitulou-se quando foi chamado à seleção sub-18 de Itália, país que escolheu representar apesar de ter dupla nacionalidade (mãe é venezuelana). Chegar à squadra azzurra é o próximo objetivo do miúdo que aos 5 anos viralizou na internet ao executar um carrinho perfeito a Clarence Seedorf (colega do pai no Milan) durante uma brincadeira em San Siro, e que agora carrega nas costas da camisola rossoneri o apelido Maldini..Sousas do FC Porto podem seguir exemplo.Em Portugal há vários filhos de jogadores a seguir as pisadas dos pais, mas são poucos os casos em que a tradição atravessa três gerações como os Maldini de Itália. A família Águas no Benfica é talvez a mais conhecida apesar de Martin não ter chegado a vestir a camisola principal das águias como o avô (José Águas) e o pai (Rui águas). Mas no Dragão há um caso que pode ser histórico. Se Afonso Sousa se estrear pela equipa principal do FC Porto fica registado o primeiro caso de sucesso transversal a três gerações no futebol português ao mais alto nível. Afonso é filho de Ricardo Sousa e neto de António Sousa, que foi campeão europeu pelos portistas. Segundo os registos disponíveis, nunca um jogador, filho e neto de jogador conseguiu singrar com sucesso no clube onde os seus antepassados foram estrelas..A garra de António Sousa em campo só era superada pela veia goleadora para um médio. Jogou em vários clubes, mas foi de dragão ao peito que ganhou a fama e a glória eterna. Conquistou uma Taça dos Campeões Europeus, uma Supertaça Europeia, uma Taça Intercontinental, um campeonato nacional, duas Taças de Portugal e três Supertaças nacionais ao serviço do FC Porto, clube que o filho Ricardo também iria representar durante seis épocas, mas sem nunca se conseguir impor. Ricardo foi alternando empréstimos e nunca atingiu o patamar do pai. Agora, vê o filho, Afonso, tentar chegar à equipa principal dos azuis e brancos. O jovem médio fez parte da equipa portista que festejou o título europeu sub-19 no ano passado e promovido à equipa B. "Tenho muito orgulho no meu pai e no meu avô mas quero fazer o meu trajeto. Cresci com eles, sigo os conselhos deles mas quero fazer a minha carreira e alcançar os meus objetivos", disse o jogador, após renovar contrato em 2021..Na Luz há a família Águas, legado que vem de José Águas, ainda hoje conhecido como o grande capitão, que levantou Taças dos Clubes Campeões europeus (1961 e 1962), pai de Rui Águas e avô de Martin Águas. O atual jogador do Sintrense até começou na formação do Sporting, antes de se mudar para o Seixal na tentativa de seguir as pisadas do pai e do avô, algo que nunca chegou a acontecer. Martin nunca se livrou do apelido, mas o talento faltou-lhe para honrar a pesada herança do avô, que ainda hoje é o segundo melhor marcador da história encarnada, depois de Eusébio, e do pai, Rui Águas (faz parte da equipa técnica de Jesualdo Ferreira no Santos), que fez 123 golos pelo Benfica, em 285 jogos em sete temporadas.