Tabaqueira continua a investir na mudança: "Queremos deixar de vender cigarros"
Miguel Matos, diretor-geral da Tabaqueira, fala ao Dinheiro Vivo sobre as adaptações e investimentos feitos pela empresa com sede em Sintra para fazer face ao coronavírus - quer na dimensão do negócio quer na de apoio aos trabalhadores e à comunidade onde está inserida. E explica porque faz sentido manter algumas. Durante este período especialmente difícil, conta, gerou-se na empresa uma onda de solidariedade sem precedentes que permitiu ajudar toda a sociedade.
Trabalhadores, clientes e parceiros são prioritários e por isso a subsidiária portuguesa da Philip Morris International não poupa esforços na proteção e garantia de que o negócio segue de forma segura. Com a ligação à ciência cada vez mais forte, para o futuro, mantêm-se os planos de desfumar o mundo"o mais depressa possível", vinca Miguel Matos.
Que medidas teve a Tabaqueira de adotar para proteger os seus cerca de mil trabalhadores e manter a produção?
A salvaguarda da segurança e proteção dos nossos trabalhadores foi a nossa principal preocupação desde o primeiro momento. Ao mesmo tempo, enquanto empresa não podíamos perder de vista o equilíbrio económico nacional. Sabemos que temos uma responsabilidade acrescida: somos uma das dez maiores exportadoras nacionais - em 2019 exportámos mais de 80% da nossa produção num total de cerca de 600 milhões de euros. Assim, precisávamos de manter a resposta às necessidades do mercado interno, mas também de outros mercados. Fizemos tudo ao nosso alcance para garantir a proteção da saúde e segurança dos nossos trabalhadores e assim evitar qualquer interrupção na nossa produção. As medidas adotadas, aplicaram-se também a todos aqueles que nos prestam serviços na Tabaqueira e a quem garantimos precisamente as mesmas condições. Se não pensássemos primeiro no bem-estar e segurança de todos, o impacto desta situação seria crítico também para os postos de trabalho indiretos e situação das pequenas e médias empresas que dependem da nossa atividade produtiva.
E as medidas foram bem aceites?
Os nossos trabalhadores responderam de forma exemplar e graças à responsabilidade de todos e às medidas que implementámos, acabámos por conseguir aumentar a produção, para assegurar níveis de stock adequados na região da União Europeia. Ultrapassámos os objetivos inicialmente estabelecidos, sem qualquer acidente na fábrica, num momento de grande ansiedade devido a esta crise de saúde pública, e até ao momento, sem qualquer caso de covid-19 entre os trabalhadores da Tabaqueira. De novo, agradeço a força, a coragem e o empenho dos nossos colegas na unidade produtiva. Nos cerca de 1000 trabalhadores da Tabaqueira há funções e realidades muito diferentes, desde as nossas equipas comerciais, a trabalhadores da fábrica, funções de suporte e também quase 100 pessoas em centros de excelência a desempenhar funções para outras afiliadas da Philip Morris International (PMI). Todas estas pessoas estão a viver esta crise à sua maneira e as medidas que implementámos visam responder às diferentes necessidades.
E conseguiram esse objetivo?
Quisemos ter feedback das nossas pessoas e fizemos um questionário rápido sobre a gestão desta crise. As respostas foram muito positivas com mais de 95% dos nossos trabalhadores a considerar que a Tabaqueira está a agir da forma certa e a afirmar que se sentem "ouvidos" e ligados à empresa nestas circunstâncias difíceis.
Que medidas concretas foram essas, então?
Relativamente às medidas propriamente ditas, numa primeira fase, ainda em fevereiro, iniciámos uma campanha interna de informação para reforço das medidas de prevenção, nomeadamente normas de etiqueta respiratória, aumento da frequência da higienização dos locais de trabalho e a colocação de dispensadores de gel desinfetante em inúmeros pontos de passagem das pessoas por toda a empresa. Limitámos o acesso apenas a visitantes e prestadores de serviço críticos ao negócio. Em colaboração com o nosso Centro Médico dispensámos os trabalhadores considerados de grupos de risco.
Numa segunda fase, já em março, todos aqueles cujas funções permitem, continuaram a sua atividade remotamente. Também, foram suspensas todas as atividades que implicassem deslocação das equipas comerciais aos pontos de venda. Naquele momento, aumentámos também a frequência de limpezas na fábrica, na cantina e nos meios de transporte e reforçámos as medidas de proteção individual, disponibilizando inicialmente viseiras e mais tarde máscaras, a todos os trabalhadores.
Na cantina reorientámos ainda a circulação para que todos passassem pela zona dos lavatórios, assegurando a lavagem das mãos antes da entrada e atribuímos zonas específicas onde as equipas devem fazer as suas refeições, com lugares em ziguezague. Relativamente aos transportes coletivos que a empresa disponibiliza aos trabalhadores, recorremos a veículos de maior dimensão para diminuir a lotação e aumentar o distanciamento entre ocupantes. Implementámos também uma linha de assistência, e que inclui apoio psicológico, com o apoio do nosso Centro Médico.
Fizeram alguma adaptação na produção para responder às necessidades da pandemia?
O laboratório da Tabaqueira começou a produzir solução desinfetante de mãos, numa fase inicial, para distribuição interna pelos trabalhadores da fábrica. Estes são apenas alguns exemplos das mais de 25 medidas internas implementadas, e alinhadas com as recomendações das autoridades de saúde, mesmo antes das disposições que resultaram do Estado de Emergência.
Surgiram também uma série de iniciativas de voluntariado apresentadas pelos nossos trabalhadores que demonstram o verdadeiro espírito de solidariedade da nossa organização.
Que tipo de iniciativas foi apoiado pelo voluntariado da Tabaqueira?
Um grupo de trabalhadores que está a trabalhar remotamente criou a iniciativa "Todos Por Todos" disponibilizando-se para fazer compras de supermercado ou farmácia e assim ajudar os colegas nas linhas de produção que têm menor disponibilidade. Por outro lado, a equipa de gestão preparou e distribuiu semanalmente cabazes de frutas, vegetais e outros bens alimentares a todos os trabalhadores da produção e prestadores de serviços que se encontram a trabalhar nas nossas instalações. Entre os dias 21 de março e 25 de abril foram distribuídos mais de 2000 cabazes.
Este contexto de pandemia teve implicações nos números? Venderam menos, dado que havia menos pontos de venda?
O ambiente geral de incerteza e o fecho temporário de alguns pontos de venda levou muitos consumidores a mudar os seus hábitos de compra. Ainda é cedo para estimarmos o real impacto desta pandemia nas vendas de produtos de tabaco. Em termos comerciais, a nossa atenção tem estado dirigida à estabilidade da nossa atividade económica e garantir o regular abastecimento do mercado. Isto é o que de facto depende de nós e é nosso ponto de honra contribuir com o que estiver ao nosso alcance e na nossa disponibilidade para que os nossos parceiros, clientes, fornecedores e todas as várias centenas de indivíduos e organizações com quem a nossa empresa se relaciona no contexto da sua atividade - sobretudo as de menor dimensão e muito dependentes dos serviços que nos prestam - conseguissem subsistir e manter os seus níveis de empregabilidade.
Também com este fim, adotámos medidas para garantir que os nossos parceiros de negócio pudessem continuar a operar em segurança, através da distribuição de material de proteção individual e da colocação de separadores em acrílico para o balcão - produzidos por uma PME do Concelho de Sintra - até à data em cerca de 1400 pontos de venda, bem como sinalética no chão para ajudar a limitar o número de pessoas, garantindo o distanciamento mínimo de dois metros entre elas.
Como se alterou o negócio e quais dessas mudanças consideram que deverão permanecer mesmo além da pandemia?
Em tempos de grande incerteza e mudança, tivemos de nos ajustar, mantendo-nos atentos e flexíveis. Adotámos o teletrabalho como regra para todas as nossas pessoas com funções de gestão e suporte, e temos tido resultados de produtividade e eficiência muito positivos. Iremos progressivamente retomar a normalidade, mas não temos pressa porque tudo tem funcionado bem. A dedicação que tenho sentido de todos os trabalhadores, sobretudo considerando a adversidade das circunstâncias com que muitos se depararam no dia-a-dia - por exemplo ao trabalharem em casa enquanto têm de apoiar os filhos também eles com aulas remotas, tem sido excecional. As restrições que impusemos no modo de funcionamento da fábrica manter-se-ão no integral cumprimento das regras das autoridades competentes. Temos uma enorme preocupação em ter uma empresa livre de casos de covid-19 e continuaremos a tudo fazer por isso.
A comunicação interna é um aspeto fundamental e, no contexto atual, temos dado particular atenção ao acompanhamento próximo dos nossos trabalhadores, quer estejam a trabalhar fisicamente quer estejam a trabalhar remotamente. Enviamos newsletters semanais com informação relevante e implementámos webcasts frequentes onde conseguimos reunir muitas centenas de trabalhadores para falar sobre a situação que estamos a viver e que ações estamos a tomar.
E quanto aos consumidores, o que se alterou nessa relação?
Temos obviamente uma atenção especial aos consumidores portugueses que já deixaram de fumar e passaram para o tabaco aquecido, até porque poderia haver maior incerteza acerca da disponibilidade dos serviços de assistência e queremos em todas as circunstâncias assegurar serviços de excelência. Os consumidores são o eixo central da nossa comunidade mais alargada. Enquanto as nossas lojas foram temporariamente encerradas, os nossos serviços permaneceram disponíveis através de canais remotos, bem como de todos os canais de apoio ao consumidor.
Tentaremos manter tudo o que de positivo resultou da implementação das nossas medidas neste contexto de crise, em particular as que já tínhamos previsto como o aumento do trabalho remoto e o reforço das nossas medidas de segurança e saúde no trabalho: estamos sempre alerta para as áreas em que há espaço para melhorar.
A covid alterou os planos de investimento e transformação em curso na Tabaqueira?
O facto de termos ativado planos de contingência, aliado a uma boa gestão continuada do negócio, leva a PMI a crer que continuará a poder investir no que é a sua prioridade - o desenvolvimento com base na ciência, tecnologia e inovação, e consequente disponibilização aos fumadores adultos que continuam a fumar de alternativas sem combustão, com um potencial de menor risco comparativamente aos cigarros.
Há também hoje em dia, talvez mais do que nunca, uma incerteza considerável em torno da duração desta pandemia, da magnitude das consequências económicas e sociais que resultam desta situação atual e da rapidez e da forma que a recuperação económica venha a assumir; tal inclui impactos no nosso ambiente operacional e nos nossos consumidores, no rendimento disponível e no desemprego. Contudo, tal como em tempos passados de turbulência económica e social, esperamos ser resilientes perante o desafio sem precedentes que temos pela frente.
A visão de sustentabilidade e a transformação prevista para o setor, nomeadamente a ideia de desfumar o mundo, foram afetadas em prazos, investimento ou objetivos?
A nossa visão de um futuro sem fumo, por um futuro melhor e que reduza o impacto negativo dos cigarros para a sociedade por via do desenvolvimento de alternativas sem combustão, cientificamente comprovadas como tendo um potencial de menor risco comparativamente aos produtos de tabaco combustíveis, é o nosso maior compromisso para com a sustentabilidade e é a base da transformação do nosso negócio. Só assim uma empresa como a nossa pode responder às questões principais e às expectativas dos nossos interlocutores.
No entanto, e para além de inúmeras outras iniciativas relacionadas com a sustentabilidade em que investimos em permanência, alguns desenvolvimentos importantes recentes resultam do momento que vivemos. Por exemplo, o laboratório da Tabaqueira que inicialmente começou a produzir solução desinfetante de mãos para consumo interno, está já a testar a sua produção em larga escala, com um plano de produção de cerca 5 mil litros para doação externa. Também resultado do investimento e aposta da PMI na ciência, a Medicago uma empresa biofarmacêutica canadiana participada pela PMI, anunciou o desenvolvimento de uma potencial vacina para a covid.
Essa ligação da Tabaqueira à ciência é cada vez mais forte, faz crescente sentido?
A crise atual demonstra a importância dos desenvolvimentos científicos serem a base para decisões e regulamentação. No que diz respeito à verificação independente da evidência científica desenvolvida pela PMI, até à data existem mais de 30 estudos de laboratórios independentes e entidades governamentais de países como a Alemanha, Japão, Holanda e Estados Unidos da América, que confirmam importantes elementos da nossa evidência científica. A maioria destes estudos confirma a redução significativa de químicos nocivos nos produtos sem combustão, quando comparados com cigarros, e que apesar de não serem isentos de risco os produtos sem combustão, como o tabaco aquecido, apresentam menor risco de nocividade comparativamente a cigarros. Estes estudos internacionais confirmam que estamos no caminho certo e queremos deixar de comercializar cigarros tão cedo quanto possível. Por tudo isto diria que a nossa transformação rumo a um futuro melhor está mais forte do que nunca.
A Tabaqueira teve nestes dias diversas ações de solidariedade, nomeadamente doando refeições para distribuir aos mais vulneráveis de Sintra. Que percentagem dos resultados afetaram a estas ações?
Um aspeto positivo que podemos destacar nesta crise tem sido o formidável esforço de muitas empresas e pessoas para ajudar a sociedade, num esforço coletivo de solidariedade. Claramente é algo que deve continuar depois desta crise. A Tabaqueira tem estado sempre presente com diversas iniciativas de solidariedade para ajudar os mais desfavorecidos e as instituições mais necessitadas, em geral, mas ainda mais neste contexto de pandemia em particular, em que tantas necessidades foram identificadas. Num contexto de solidariedade de maior proximidade, dado que as nossas instalações se localizam no Concelho de Sintra e partilhando as preocupações da câmara municipal, temos vindo a distribuir cerca de 200 refeições diárias, como referiu, e apoiámos a produção de viseiras de proteção pelo Fab Lab de Sintra para distribuição a Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). Também apoiamos a Rede de Emergência Alimentar contra a fome a nível nacional.
As nossas iniciativas externas refletiram-se também em contribuições monetárias e em género dirigidas a necessidades especificamente identificadas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente pelos hospitais do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e pelo Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Hospital Amadora-Sintra), com a doação de equipamentos médicos que permitam otimizar a resposta por parte dos profissionais de saúde na linha da frente, bem como equipamentos de proteção individual a profissionais de saúde e, também, a diversas IPSS. Associámo-nos à campanha "Unidos por Portugal", uma iniciativa da SIC Esperança em parceria com a Federação Portuguesa de Futebol, também com o objetivo da aquisição de equipamentos de proteção individual destinados aos profissionais do SNS e a IPSS.
Para além dos diversos donativos da Tabaqueira, nos quais se inclui ainda a cedência temporária de uma viatura à Médicos do Mundo em Lisboa, diversos trabalhadores da empresa promoveram iniciativas no contexto de uma plataforma que a PMI disponibiliza para a submissão de projetos com fins caritativos o que é um motivo de orgulho das nossas pessoas. Em resultado destas iniciativas, por exemplo, foram ainda doados equipamentos de proteção individual aos profissionais de saúde em unidades hospitalares na zona da grande Lisboa e do Hospital São João, no Porto.
Joana Petiz é jornalista do Dinheiro Vivo.