Sviatlana Tsikhanouskaya: "Bielorrussos sentem-se abandonados pela UE"
A líder da oposição democrática da Bielorrússia, Sviatlana Tsikhanouskaya, agradeceu à União Europeia pelo apoio e assistência que tem providenciado na luta pacífica do povo bielorrusso contra Alexander Lukashenko. Contudo, alegou que aqueles que continuam a sair à rua todas as semanas contra o regime do "último ditador da Europa", que está há mais de 26 anos no poder, estão "um pouco desiludidos" e "sentem-se abandonados pela União Europeia" porque esta pode fazer "muito, muito mais".
Sviatlana Tsikhanouskaya é uma das galardoadas deste ano com o prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, que será entregue esta quarta-feira no Parlamento Europeu, em Bruxelas. O galardão de 2020 foi entregue em conjunto à oposição democrática da Bielorrússia, representada no Conselho de Coordenação (que inclui outros líderes no exílio, mas também prisioneiros políticos).
Numa conversa com jornalistas na véspera da entrega do prémio, a ex-candidata presidencial que para muitos é a presidente eleita da Bielorrússia (sondagens independentes davam-na como vencedora das eleições de agosto de 2020 que Lukashenko alega que ganhou) defende maior apoio da parte da União Europeia. "O apoio precisa de ser dado agora, porque no futuro será demasiado tarde", disse.
"Quando não reconheceram Lukashenko como presidente legítimo isso inspirou-nos porque percebemos que não estamos sozinhos. Mas os países europeus podem fazer muito, muito mais", disse em resposta à pergunta do DN sobre se as sanções já aprovadas a membros do regime, de proibição de viajar ou congelamento dos bens, são suficientes.
Os bielorrussos têm saído às ruas todas as semanas para exigir a saída de Lukashenko, que tem resistido a qualquer pressão para sair e tem respondido aos protestos com repressão. "A nossa luta é pacífica e as pessoas estão a ser detidas em grandes quantidades. A União Europeia tem que pôr muito mais pressão sobre o regime e sanções são uma das formas evidentes de pôr essa pressão", admitiu. Contudo, disse que "as pessoas estão um pouco desiludidas com isso".
E deu o exemplo: "Quando houve uma revolta após as eleições de 2010, a União Europeia também impôs sanções contra o regime. Havia 850 pessoas detidas e 150 pessoas na lista de sanções. Agora, 32 mil pessoas foram detidas desde as eleições e não há mais de cem pessoas numa lista de sanções. Amanhã vão aprovar mais e acho que são mais 29 pessoas", lamentou.
"Parece que não é sério da parte da União Europeia. Para os bielorrussos, a UE parece que tem um grande poder e sentem-se abandonados pela União Europeia. Já não estamos a pedir, estamos a exigir mais atenção para a Bielorrússia", defendeu.
Tsikanouskaya assumiu a candidatura à presidência depois da detenção do marido, o vídeo bloguer Siarhei Tsikhanouski (ainda preso e outro dos galardoados com o Sakharov). Com vários outros candidatos da oposição impedidos de se candidatar, tornou-se na voz e no rosto que uniu a oposição. E quando parecia que tinha ganhou, as autoridades atribuíram a vitória a Lukashenko com 80% dos votos. Depois das eleições, e diante das ameaças, acabou por se refugiar na Lituânia, para onde já tinha enviado os dois filhos. É desde este país que continua a campanha na defesa da democracia na Bielorrússia.
O regresso só ocorrerá quando se sentir segura no país, disse, alegando que não quer deixar os filhos órfãos, com mãe e pai detidos. Mas neste momento, a preocupação é que haja mais violência no país. "Estamos sempre com medo da escalada da violência", disse, alegando que a decisão de Lukashenko de fechar a fronteira do país (a partir de dia 21 de dezembro) pode ser um sinal de que as coisas vão piorar. "Parece que ele está a dar uma oportunidade a quem quiser sair para o fazer, porque depois as coisas vão ficar piores", disse.
Além de Tsikanouskaya e do marido, o prémio Sakharov é entregue esta quarta-feira às 11.00 de Lisboa à jornalista Nobel da Literatura Svetlana Alexievich, à música e ativista política Maryia Kalesnikava, às ativistas políticas Volha Kavalkova e Veranika Tsapkala -- esta última estará também na cerimónia no Parlamento Europeu. Também ao fundador da organização de direitos humanos Viasna, Ales Bialiatski, ao sindicalista Siarhei Dyleuski, ao fundador do canal de Telegram NEXTA, Stsiapan Putsila, e ao prisioneiro político e candidato presidencial em 2010, Mikola Statkevich.
É a terceira vez que o Parlamento Europeu chama a atenção para a situação na Bielorrússia com este prémio Sakharov, lembrou no mesmo evento o eurodeputado lituano e relator do Parlamento Europeu para a Bielorrússia, Petras Austrevicius. Em 2004 foi galardoada a Associação de Jornalistas da Bielorrússia e, dois anos depois, Alaksandar Milinkievič, candidato da oposição às presidenciais de 2006.
"Desde o início da sua presidência, em 1994, Lukashenko tem consolidado o seu poder e a criar estruturas de poder, como serviços de segurança leais, que hoje estão a suprimir protestos pacíficos, a torturar e a matar o povo bielorrusso", dissse Austrevicius, dizendo que desde então, "Bielorrússia e União Europeia vivem em dois mundos paralelos", indicou, dizendo que os galardoados deste ano representam "a esperança futura" do país.
"Este prémio é muito importante para todo o povo bielorrusso. Eles são heróis. A luta deles é importante não só dentro do país, mas é uma inspiração para todo o mundo. O mundo todo viu a nossa coragem, são inspirados por nós", disse Tsikanouskaya, grata por receber este prémio.
No final, deixou uma mensagem aos bielorrussos: "Sei que é difícil estar no terreno, lutar contra ditadores que têm apenas a violência como ferramenta. As nossas ferramentas são acreditar no futuro, é o desejo de um país seguro e livre para as nossas crianças. Vocês inspiram-me e tento inspirar-vos nesta luta. E não têm que duvidar de vocês. As pessoas vão ser punidas por cada lágrima, por cada tortura no nosso país."