Supremo condena médico a pagar 304 mil euros por perfurar intestino

Decisão considera que profissional "reputado" atuou com culpa. Justiça investiga três casos por mês de negligência médica
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em sentido contrário ao do Tribunal da Relação do Porto, ao considerar que um médico "experiente, reputado e com conhecimentos e capacidade acima da média" atuou "culposamente" ao perfurar o intestino de uma paciente na sequência de uma colonoscopia. E condena o médico a pagar, solidariamente com o hospital, uma indemnização em sede de responsabilidade civil de 304 mil euros. Valor esse que, porém, terá de ser confirmado pela Relação do Porto já que o valor referido foi apenas invocado em primeira instância. Uma dceisão considerada inédita e que fará jurisprudência numa área - a negligência médica - em que os tribunais têm sido conservadores.

Neste caso concreto, a decisão abrange apenas a obrigatoriedade de pagamento de uma indemnização, em sede de processo cível. Nos casos em que estas omissões ou falta de cuidado dos médicos ou enfermeiros sejam igualmente punidos criminalmente, os números não são expressivos. Só este ano, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, liderado por Maria José Morgado, investigou três casos por mês de negligência médica (19 inquéritos abertos desde janeiro até 30 junho de 2015). Segundo dados avançados ao DN pelo gabinete da Procuradora-Geral da República, desde 2010 que são mais de quatro os casos por mês investigados pelo Ministério Público. No total - de 2010 até ao primeiro semestre de 2015 - são 295 as investigações feitas a médicos e enfermeiros por negligência médica ou erros no diagnóstico.

Neste caso concreto decidido pelo STJ a 1 de outubro deste ano - pelos juízes conselheiros Maria dos Prazeres Beleza, Salazar Casanova e Lopes do Rego - é admitido que "apesar do exame constituir uma intromissão na integridade física consentida e pretendida pela utente, este consentimento não abrangeu a lesão ocorrida. Deste modo, o médico agiu culposamente, não conseguindo provar que efetuou a colonoscopia cumprindo todas as exigências técnicas e todos os deveres de cuidado que conhecia e podia observar". E considera a sua conduta ainda mais censurável "quando se trata de um gastroenterologista "experiente, reputado e com conhecimentos e capacidades acima da média, pelo que se verificam os pressupostos de indemnizar".

Queixas que vão a julgamento

No final de 2012, das 67 queixas recebidas, apenas seis foram alvo de acusação. E em 2010, das 35 que chegaram ao Ministério Público (MP) apenas dez revelaram indícios suficientes para ir a julgamento. Os dados do DIAP de Lisboa - o único departamento do Ministério Público com uma secção especializada na investigação deste tipo de crime - revelam uma realidade inegável: as queixas de casos de negligência médica são cada vez mais, mas o número de acusações não é muito expressivo. "As condenações praticamente não existem", explica Eurico Reis, juiz da Relação de Lisboa, em declarações ao DN. Isto também porque as decisões dependem de "um juízo técnico que os juízes não têm em relação à prática médica. Não há formação dos juízes em relação a muitas matérias da medicina para saberem", aponta o magistrado que liderou a comissão mediadora do caso dos seis doentes que cegaram no Hospital de Santa Maria, em 2009. No entanto, Eurico Reis lembra que "há uma check-list que tem de ser feita nas cirurgias que pode evitar muitos riscos. E para isso não é necessário conhecimento técnico". O que poderia evitar estes casos mais evidentes de má prática médica, acrescenta. Embora o juiz desembargador também admita que a negligência médica é de "difícil prova".

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