Stranger Things. Os fãs cresceram, os miúdos também
Tenho estado muito ocupado a tentar salvar o mundo dos russos e dos monstros", dizia o puto Dustin à namorada, Suzie, por walkie-talkie, antes de os dois surpreenderem tudo e todos com um dueto do tema musical de História Interminável. Mais coisa menos coisa, foi com este momento mágico que acabou a terceira temporada de Stranger Things, a série criada pelos irmãos Duffer, que surgiu em 2016 com a proposta de um regresso ao espírito dos eighties. Por esta altura, com o sucesso alcançado, é justo assinalar missão cumprida: desde o primeiro episódio, marcado pelo desaparecimento de Will, os fenómenos estranhos numa pequena cidade fictícia do Estado do Indiana, Hawkins, trouxeram imagens específicas de um tempo, como miúdos a andar de bicicleta em grupo no meio da estrada ou os respetivos quartos com cartazes de Veio do Outro Mundo, de Carpenter, e A Noite dos Mortos-Vivos, de Sam Raimi, bonecos de E.T. - O Extraterrestre e Star Wars. O grupo de miúdos, esse, descobriu a existência de uma outra dimensão, chamada Mundo Invertido, conheceu Eleven (Millie Bobby Brown), uma menina com poderes vinda de um laboratório obscuro, e ao barulho meteu-se a mãe (Winona Ryder) e o irmão (Charlie Heaton) de Will, um chefe de polícia de coração partido (David Harbour), mais uns quantos jovens. Desde então que, todos juntos, salvam Hawkins e o mundo de monstros e... russos. Com a devida diferença de contextos históricos.
Esta quarta temporada, disponível a partir de sexta-feira, é "a mais sombria e assustadora até agora", diz Natalia Dyer logo no princípio da conferência de imprensa da Netflix em que o DN participou virtualmente. Charlie Heaton completa: "Acho também que é a mais desenvolvida. À medida que vamos ficando mais perto do fim, abre-se a cortina dos acontecimentos em Hawkins nas últimas três temporadas e entra-se mais dentro da mitologia." Na série, Dyer e Heaton interpretam Nancy Wheeler e Jonathan Bayers, ela a irmã de Mike, um dos miúdos do grupo, ele o irmão de Will, o desaparecido da primeira temporada. Os dois apaixonam-se no final dessa temporada (são, inclusive, namorados na vida real) e formam uma dupla e peras na caça aos monstros, a que se soma o bichinho do jornalismo. Vê-los sentados diante da imprensa em Madrid, tímidos e económicos com as palavras, contrasta bastante com o que se vê no ecrã. Mas Charlie continua: "É uma temporada com maior diferença, toda a gente cresceu: os fãs cresceram, os miúdos cresceram, por isso é mais do que justo que a história tenha crescido."
Refletindo esse progresso da história, os novos episódios também são mais longos. Mais longos e agitados, ao contrário do novo perfil de Jonathan, geralmente uma personagem tensa, que agora na Califórnia arranja um amigo zen com um "mestrado" em erva: "Talvez importe lembrar em que ponto ficámos [na terceira temporada]: os Bayers deixaram Hawkins pela primeira vez, ele teve de afastar-se da namorada, Nancy, e acho que está a sentir-se mais rejeitado... Tinha feito a promessa de que tudo ia ficar bem, e a realidade talvez seja um pouco mais difícil do que isso, especialmente nos anos 80. Ele está a tentar lidar com isso e tem este novo amigo, Argyle, que é por vezes uma espécie de "terapeuta não licenciado", tentando ajudá-lo nos seus problemas através de "medicação"... Foi bom poder interpretar esse lado mais relaxado do Jonathan, e foi divertido! Eduardo Franco, que interpreta Argyle, juntou-se este ano ao elenco e trouxe uma excelente energia para esta parte do enredo na Califórnia, e mesmo para mim. Fizemos muita improvisação, a equipa e os realizadores riam-se!", conta Charlie.
Esta boa vibe nas filmagens é algo que os atores referem muito, até para evitar entrar em detalhes narrativos da nova temporada. Sem quebrar o encantamento das expectativas, pode dizer-se que há personagens que regressam e várias linhas da história a serem desenvolvidas em simultâneo. Como, por exemplo, a de Nancy, que terá em Robin (Maya Hawke) uma hábil companheira-detetive. "Nesta temporada ela está a encontrar a sua própria voz, a aprender a ouvir a sua intuição", diz Natalia sobre a sua Nancy, sem esquecer o restante capital feminino da série: "Penso que todas as personagens femininas aqui são fortes, bem definidas."
Recorde-se que uma delas, a heroína Eleven, perdeu os poderes na última temporada. Um problema que terá de ser resolvido a tempo de enfrentar uma nova ameaça... A que é que se referia Natalia quando disse que o novo capítulo de Stranger Things é mais assustador do que os anteriores? Charlie esclarece: "Toda a série é uma carta de amor a filmes. Se a primeira temporada lembrava Os Goonies ou Conta Comigo, esta é mais do género Pesadelo em Elm Street." Não se admirem, por isso, se virem algures um ator parecido com o tipo que fez de Freddy Krueger. Sim, o veterano Robert Englund dá aqui o ar da sua graça (mais uma vitória dos irmãos Duffer), e Natalia Dyer tem o privilégio de ser uma das primeiras a partilhar com ele uma cena, "um monólogo em que pára tudo, é uma espécie de masterclass", assim descreve o momento.
E como tudo o que é bom chega ao fim, também Stranger Things, nesta penúltima temporada, começa a preparar o cerimonial de despedida destas personagens que vimos amadurecer entre os mais comoventes laços de amizade, amor e aventura. "Nem consigo imaginar como será filmar a próxima temporada e sentir que cada cena feita nos aproxima mais do fim", confessa Charlie Heaton, concluindo que "também será muito gratificante". Já do lado dos fãs ficará uma inevitável sensação de orfandade. Sendo certo que... os miúdos crescem. Foi e é bonito testemunhar essa evolução.
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