Em abril de 2008, uma mulher grávida de sete meses faz história ao assumir a pasta da Defesa em Espanha. A catalã Carme Chacón, então com 37 anos, viaja dias depois até ao Afeganistão, onde passa as tropas espanholas em revista. "Grávida ou não, era claro para mim que o meu primeiro dever era visitar aqueles que são capazes de pôr as suas vidas em risco por valores mais elevados: a liberdade dos outros. Uma mulher grávida não é uma pessoa doente. Certamente é mais difícil ser caixa e estar de pé todo o dia", disse então a dirigente que, quatro anos mais tarde e por 22 votos apenas, não foi também a primeira a chegar à liderança do PSOE..À época, a socialista podia reunir-se com as mulheres colegas de função numa mesa de café. Uma mulher grávida não é certamente uma doente, mas Chacón era (sofria de cardiopatia congénita) e morreu em 2017, sem assistir a um lento mas indesmentível progresso na tutela das forças armadas. Hoje as mulheres ainda são exceção na pasta da Defesa, mas já se contam 20, praticamente o triplo registado em abril de 2008 ou há dez anos..Refira-se que em Portugal, como em muitos outros países, o ministério correspondente ainda parece ter à porta o letreiro do clube do Bolinha: "Menina não entra." Luluzinha (ou Little Lulu), a banda desenhada criada pela norte-americana Marjorie Henderson Buell continua atual no seu país natal, sem qualquer mulher à frente do Pentágono. Mas também noutros países como a China, Rússia, Brasil ou Indonésia..DIA DA MULHER. Só 24 países (e menos de 500 milhões de pessoas) têm uma mulher no poder.A partir de 11 de março, o Chile vai conhecer um governo com mais mulheres do que homens. A presidência de Gabriel Boric terá em Maya Fernández a ministra da Defesa. Ao contrário da indigitação de Izkia Siches, uma médica que será a primeira ministra do Interior, a bióloga não será a primeira no cargo (tal coube a Michelle Bachelet em 2002, que mais tarde chegaria a presidente). Mas muito provavelmente a primeira cujo avô - Salvador Allende - foi derrubada pelos militares que agora supervisionará. Fernández junta-se às recentes nomeações de Kajsa Ollongren (Países Baixos), Jana Cernochová (Rep. Checa) e Christine Lambrecht (Alemanha), todas a terceira mulher em funções no respetivo país, exceto a checa, que é a quarta..Em outubro chegou à Defesa do Canadá Anita Anand. Filha de indianos, tem como missão uma reforma das forças armadas, ensombradas com uma cultura de abusos sexuais: mais de 18 mil atuais e antigos militares apresentaram queixas num escândalo que se arrasta há meses e que custou o lugar ao anterior ministro. Com a entrada destas quatro dirigentes em funções dá-se agora o caso de numa reunião de ministros da Defesa da NATO um em cada três serem mulheres. Nenhuma é da Noruega, o país que mais contribuiu para a lista, com cinco ministras..A pioneira veio de outra latitude e há tanto tempo que o seu país ainda se chamava Ceilão, hoje Sri Lanka. Em 1960, Sirimavo Bandaranaike tornou-se na primeira chefe de um governo e, por extensão, acumulou as pastas da Defesa e dos Negócios Estrangeiros..DIA DA MULHER. As mulheres que foram pioneiras da política em Portugal.O quadro é um pouco diferente nos ministérios que asseguram as relações externas. Há dez anos Hillary Clinton era a estrela das chefes da diplomacia, com a sua política de promoção dos direitos das mulheres, mas à sua volta o panorama era pouco animador. Na Europa, Liechtenstein, Chipre e Croácia eram as exceções. Hoje contam-se 37 ministras dos Negócios Estrangeiros, uma dúzia das quais da Europa, embora apenas três da UE: a belga Sophie Wilmès, a estónia Eva-Maria Liimets e a alemã Annalena Baerbock. Curiosamente, alemães e belgas têm ao mesmo tempo mulheres a chefiar forças armadas e diplomacia, a citada Lambrecht e a belga Ludivine Dedonder..Em Taline, a novidade foi outra, a simultaneidade entre janeiro e outubro de 2021 da presidente Kersti Kaljulaid com o governo de Kaja Kallas, facto que na Europa só acontecera antes na Finlândia, se não contarmos com as chefes de Estado não eleitas. Nesse caso, Dinamarca, Barbados e Nova Zelândia. Neste último país, governado por Jacinda Ardern, destaca-se o facto de a chefe da diplomacia ser a primeira mulher e primeira maori a desempenhar tais funções..Em África não é raro mulheres à frente das chancelarias, mas mais nos países do Magrebe. Najla Mangoush é a MNE da Líbia, a primeira do país e da região, à exceção de duas mauritanas..Cargos ministeriais com peso político muito superior às pastas da Igualdade, Família ou Juventude, classicamente atribuídas a mulheres para preencher quotas e tentar calar as críticas, a Defesa e os Negócios Estrangeiros têm cada vez mais ministras. E tanto dá ser um país rico como a Suécia (oito ministras) ou um pobre como a Guiné-Bissau (sete) - Portugal teve uma. Curiosamente, a Costa Rica, o país à frente do índice do poder das mulheres em 2021, feito pelo Council on Foreign Relations, não tem ministério da Defesa..cesar.avo@dn.pt