Sporting tomba com estrondo da Taça no palco maldito de Alverca
A crise do Sporting não tem fim à vista e terá atingido nesta quinta-feira o ponto mais alto com a eliminação na Taça de Portugal aos pés do Alverca, equipa que milita no Campeonato de Portugal. Os treinadores mudam e os jogadores também, mas quando se esperava que os leões apresentassem um futebol já à imagem de Silas, eis uma derrota humilhante frente a um conjunto do terceiro escalão do futebol português, algo que já não se via há 70 anos, quando os verde e brancos foram eliminados pelo Tirsense.
E caíram logo num palco maldito e frente a um adversário que lhes causou dissabores por volta da viragem do milénio. Naquele que foi o 14.º confronto entre as duas equipas, o Sporting sofreu a quinta derrota, numa contabilidade em que também entram três empates. Por outras palavras, foram mais os jogos em que o emblema de Alvalade não venceu (oito) do que aqueles em que ganhou (seis). E, ao oitavo jogo na casa do Alverca, averbou a quarta derrota. Derrota é precisamente o que o emblema que outrora foi presidido por Luís Filipe Vieira não sofre em casa desde dezembro do ano passado.
Os ribatejanos cedo mostraram ao que vinham, a pressionar alto e a procurar objetividade com bola. Mas quando o Sporting respondeu com remates perigosos de Luiz Phellype e Borja, ainda na fase inicial da partida, estava-se longe de imaginar um desfecho destes. Um desfecho que começou a ser construído aos dez minutos, quando o médio ofensivo brasileiro Alex Apolinário encheu o pé esquerdo e rematou forte de fora da área para o fundo das redes da baliza à guarda do jovem Luís Maximiano.
Os homens de Silas foram incapazes de reagir à desvantagem: apresentaram um futebol lento e dificuldade em sair da primeira fase de construção, jogar entre linhas e conseguir triangulações à entrada da área adversária. Para piorar, a chuva que caía tornava o relvado mais pesado e a missão mais complicada.
O treinador leonino lançou Bruno Fernandes no arranque da segunda parte, mas o capitão foi incapaz de alterar o rumo dos acontecimentos. Inicialmente até deu a ideia de que poderia acelerar o jogo do (ainda) detentor da Taça de Portugal, mas depois desapareceu.
O que apareceu foi mesmo o segundo golo do Alverca, na sequência de um canto, com Maximiano a descoordenar-se com Tiago Ilori e a permitir que Luan rematasse para a baliza deserta (56').
Silas não perdeu tempo e lançou Acuña e Bolasie de uma assentada, mas os leões foram incapazes de marcar um golo à equipa que - não é de mais repetir - disputa o Campeonato de Portugal, um patamar não profissional. Mais uma vez, Frederico Varandas voltou a ser o alvo da contestação dos adeptos sportinguistas, que pediram novamente a demissão do presidente e dirigiram assobios e insultos aos jogadores.
O Sporting foi nesta quinta-feira eliminado pela quinta vez por equipas de divisões inferiores. Só por uma ocasião tinha sido afastado antes por uma formação do terceiro escalão. Aconteceu em 1948-49 e o tomba-gigantes de serviço foi o Tirsense. Os leões então orientados por Cândido de Oliveira e com os violinos Albano e Vasques no onze foram perder no terreno do adversário por 1-2, em partida da 1.ª eliminatória.
O Sporting esteve meio século sem ser eliminado por uma equipa de uma divisão inferior, mas depois foi tombado por três formações da II Liga no espaço de cinco anos. Primeiro, uma derrota em Barcelos diante do Gil Vicente por 2-3, em janeiro de 1999, numa partida da quarta eliminatória em que participou o atual team manager Beto.
Quatro épocas depois, a 8 de março de 2003, de nada valeu à turma então orientada por Laszlo Bölöni os dribles de Cristiano Ronaldo ou a veia goleadora de Mário Jardel. No último encontro no velhinho Estádio José Alvalade para a Taça, o Sporting foi surpreendido pela Naval de Álvaro Magalhães... precisamente o treinador do Gil Vicente em 1998/99. Um golo solitário do avançado francês David Costé valeu o apuramento dos figueirenses para as meias-finais.
Na época seguinte, na estreia do novo Estádio José Alvalade na prova rainha do futebol português, o conjunto então comandado por Fernando Santos caiu em dezembro de 2003 aos pés do Vitória de Setúbal, que beneficiou de um golo madrugador de Orestes (aos sete minutos) para fazer a festa.
No total, os três grandes foram eliminados 14 vezes por equipas de divisões inferiores, tal já não acontecia desde 10 fevereiro de 2007, quando o Benfica orientado por Fernando Santos foi afastado pelo Varzim de Diamantino Miranda (II Liga), que impôs a Rui Costa, Simão, Nuno Gomes e companhia uma derrota por 1-2 na Póvoa. Nesse mesmo ano também se registou a última eliminação de um grande aos pés de uma equipa do terceiro escalão, quando o Atlético (II Divisão B) bateu o FC Porto orientado por Jesualdo Ferreira por 1-0, com um golo de David da Costa.
Cinco presenças na I Liga podem não chegar para obter o estatuto de histórico do futebol português, mas, mais do que os números, valem as recordações. E as do Futebol Clube de Alverca são as de um clube por onde passaram grandes jogadores como Ricardo Carvalho, Maniche, Deco e Mantorras e que insistia em bater o pé aos três grandes.
Entre 1998 e 2004, desempenhou futebolisticamente o papel de Robin dos Bosques, herói mítico inglês que roubava aos ricos para dar aos pobres. O emblema do concelho de Vila Franca de Xira, apesar de nunca ter ido além do 11.º lugar na I Liga, alcançava com frequência bons resultados diante de equipas teoricamente mais fortes. Em dez jogos com cada um dos grandes, alcançou três empates (dois nas Antas) com o FC Porto, três vitórias (uma na Luz) e um empate fora com o Benfica e quatro triunfos (um em Alvalade) e dois empates (ambos fora) com o Sporting.
A rápida ascensão dos alverquenses na década de 1990 coincidiu com os dez anos de Luís Filipe Vieira à frente dos destinos do clube (1991 a 2001) e a queda abrupta com a saída do dirigente para o Benfica. "A SAD perdeu a pessoa mais idealista, que pensava a SAD e a executava de uma forma que não houve mais ninguém em Alverca que conseguiu. A partir daí, a SAD foi perdendo valor e gás e, em determinada altura, o balão começou a esvaziar, até que chegou a uma altura em que com a não inscrição tudo ruiu", contou em fevereiro o presidente Fernando Orge.
O que lá vai lá vai. O futebol sénior começou do zero em 2006-07, na terceira divisão distrital da AF Lisboa. Seguiu-se uma ascensão degrau a degrau, que 13 anos depois recolocou a equipa nos campeonatos nacionais. Paralelamente, foi decorrendo "um trabalho enorme para estancar a dívida e reduzir custos", mas sem perder as outras linhas orientadoras: "Colocar todas as equipas nos campeonatos nacionais, virar o clube para a cidade e, essencialmente, terminar um projeto que acabava por estar cruzado com todas as outras linhas orientadoras para a direção: o centro de formação."
Para dar continuidade a este crescimento sustentado e fazer face aos custos "astronómicos" do Campeonato de Portugal, em que o profissionalismo se faz sentir em grande parte dos 72 participantes, foi necessário procurar um parceiro. "Sabíamos que tínhamos de tomar um rumo, que era criarmos uma parceria com alguém exterior que nos ajudasse a suportar a equipa sénior nos campeonatos nacionais. No final de 2018, princípio de 2019, conseguimos esta parceria com Ricardo Vicintin como representantes máximos e com Artur Moraes como vice-presidente ou administrador da SAD para nos ajudar a manter nos campeonatos nacionais e pensar nas ligas profissionais", contou o presidente. Sim, leu bem, Artur Moraes, antigo guarda-redes de Sp. Braga e Benfica.
O objetivo para esta época é a promoção, mas a partir daí o céu é o limite. Depois de ter "passado um pouco pelo caminho das trevas durante estes 15 anos", o sonho passa pelo regresso "aos grandes palcos e quem sabe concretizar o sonho que não se concretizou na altura: disputar as competições europeias". "Seria uma coisa gira e nova", vaticinou Fernando Orge.
Jogo no Complexo Desportivo FC Alverca, em Alverca
Árbitro: Luís Godinho (AF Évora)
Alverca - João Victor; Jorge Bernardo, Ronaldo, André Duarte e André Dias; Luan (Ibraima Só, 60), Andrezinho (João Luiz, 76) e Rafa Castanheira; Flávio Castro, Erik Mendes e Alex Apolinário (Rick Sena, 87).
Treinador: Vasco Matos
Sporting - Luís Maximiano; Rosier, Neto, Ilori e Borja (Acuña, 59); Doumbia, Eduardo (Bruno Fernandes, ao intervalo) e Miguel Luís; Jesé (Bolasie, 59), Vietto e Luiz Phellype.
Treinador: Silas
Marcadores: 1-0, Alex Apolinário, 10 minutos; 2-0, Luan, 56;
Disciplina: Cartão amarelo a Neto (66 minutos), Alex Apolinário (70), Acuña (75)