Spamflix rima com Netflix mas o cinema é outro
Um jovem casal está à frente da Spamflix. Não é um canal de cartoons nem nada do que se pareça. Estamos na presença de uma plataforma de streaming portuguesa de cinema independente gerida por uma brasileira e um ítalo-alemão , Júlia Duarte e Markus Duffner. Para muitos, neste ano de afirmação, é uma espécie de versão antagónica da Netflix e alternativa à Filmin.
"A Spamflix começou a ser idealizada em 2014-2015, quando ainda havia poucas plataformas sob demanda e, com exceção da MUBI, havia poucas plataformas a operar no mundo de cinema autoral, sobretudo com um olhar curatorial. Dado que frequentámos muitos festivais e mercados de cinema, pensávamos sempre que tínhamos um acesso privilegiado a certos filmes, que às vezes, por serem menos convencionais, viajavam pouco para além dos festivais, ou estreias comerciais nos seus países. Este foi o ponto de partida para este projeto", revela o casal detentor desta plataforma.
Numa altura em que o catálogo da Spamflix recebe um dos melhores filmes de terror do cinema português, Mutant Blast, de Fernando Alle, e anuncia uma série de novidades provenientes da Alemanha e da Argentina, torna-se impossível aos amantes de cinema não contarem com estas escolhas, mesmo contra o mediatismo novo da Apple TV e da Disney + que chega até nós em setembro.
Markus e Júlia admitem que a sua plataforma ganhou uma notoriedade maior em tempos de pandemia onde muitos deixaram de ir às salas e ficaram a consumir cinema em casa: "Sentimos, com certeza um acréscimo! Há um público considerável de cinéfilos em Portugal, a quem faz falta uma sala de cinema, a Cinemateca... Assim plataformas como as nossas foram uma alternativa a isso. E achamos que o interesse se mantém mesmo após a reabertura de salas, pois as pessoas têm necessidade de ver outros filmes para além dos lançamentos do cinema."
Ainda assim, o cinema nacional que está disponível para quem assina esta nova plataforma é pensado essencialmente para quem não tem hábito de ir ao cinema, como é o caso de obras como Diamantino, de Gabriel Abrantes & Daniel Schmidt; O Filme do Bruno Aleixo, de Pedro Santo e João Moreira ou Embargo, de António Ferreira, todas elas estreadas comercialmente.
Das novidades de agosto, há uma retrospetiva em torno de um cineasta alemão apenas conhecido dos festivais, Veit Helmer, que curiosamente apresentará no Festival de Cinema de Avanca já para a semana o seu novo filme, The Bra. Da Argentina teremos La Antena, cinema experimental pela mão de Esteban Sapir, enquanto de França uma proposta do artista visual Neil Beloufa chamada Occidental. Já se percebeu que raridade é o combustível das escolhas da Spamflix, onde uma uma cinefilia à base do inédito seja o trunfo em relação à Netflix.
Os curadores sentem que o gigante americano peca em oferta de "arte e ensaio": "Achamos que o sistema de algoritmos da Netflix afasta uma postura mais cinéfila, é menos humano... Há filmes excelentes no catálogo que, muitas vezes, não sabemos que existem porque estão escondidos em alguma secção da plataforma. Temos a sensação de que o cinema autoral é menos importante neste tipo de plataforma porque não vemos os realizadores em destaque, às vezes é complicado perceber de que país veio..." Por outro lado, não se veem como rivais da Filmin, preferem antes falar em complemento.
Para quem não tem acesso a festivais e tem ética para não sacar filmes na pirataria da internet, esta plataforma é um paraíso que está a crescer. Em breve, Júlia e Markus garantem que querem começar a trabalhar com as salas. A Spamflix não está aí para roubar público às salas: "Acreditamos - e esperamos - que até podemos formar espetadores A formação de público é algo bastante importante para as salas de cinema, e há cidades em que não há nenhuma sala... Como fazer para ver filmes mais autorais senão por aluguer, como os antigos videoclubes? Quanto mais filmes as pessoas vêm, mais têm necessidade de vê-los. Nós não acreditamos que a experiência de ver um filme com outras pessoas numa sala escura seja substituível por nenhuma tecnologia."