O Ministério da Educação aprovou, no início deste ano letivo, dois cursos para uma escola que já não tem alunos: o Instituto Educativo de Souselas. O colégio, nos arredores de Coimbra, sucumbiu ao fim dos contratos de associação e neste ano optou por não abrir portas..A notícia - avançada ao início da semana pelo Diário As Beiras - apanhou de surpresa o gabinete do secretário de Estado da Educação, João Costa. Em causa estão dois cursos científico tecnológicos - um misto entre os cursos do ensino regular com a componente profissional: cabeleireiro e assessoria de imagem; e telecomunicações e redes. Mas ao fim de vários anos a perder financiamento de turmas, este ano o Instituto Educativo de Souselas já não abriu portas. Mantêm-se no local de trabalho quatro funcionários, um docente, e o diretor, Manuel Duarte, num edifício que é, afinal, uma escola-fantasma.."O nosso maior azar foi perder o contrato de associação", diz ao DN o fundador do colégio, mergulhado no desânimo. "Isto era uma casa cheia, chegámos a ter 800 alunos, ensino diurno e noturno, e cursos profissionais." Desde 2015, quando o governo avançou para o corte do financiamento de turmas, foi perdendo alunos paulatinamente. Até que no ano passado contou apenas com uma turma do 6.º ano, além de duas do ensino profissional, 11.º e 12.º anos. Eram 60 alunos, no total, que "andavam aqui perdidos nos corredores", recorda Manuel Duarte..Em julho passado, já ciente de que não iria abrir qualquer turma nem curso no IES, o diretor deparou-se, na plataforma SIGE, com a possibilidade do instituto inscrever alunos. Nem ligou. "O atraso do diploma é de um ano ou dois, no mínimo. Entretanto, acabei por receber a notícia através da portaria já publicada, a 27 de agosto, em Diário da República", conta ao DN..O processo remonta a 2014, quando o colégio de Souselas ainda respirava saúde e alunos. A direção propôs-se ser uma das nove escolas do país com aqueles cursos, financiados pelo Fundo Social Europeu. "Deu-nos trabalho a construir a componente tecnológica. A ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) aprovou rapidamente, o Ministério da Educação foi o último, atrasadamente", sublinha o diretor de Souselas, ao mesmo tempo que recorda a lei que regulamenta a existência deste tipo de curso, com mais de um década - e que está acessível a todas as escolas do país. "Mas é curioso porque nunca houve nunca nenhuma escola do Estado que se pusesse ao caminho para fazer uma coisa destas. A componente de formação e a justificação para ela dá imenso trabalho." Disposto a avançar nessa direção, Manuel Duarte identificou essa lacuna no mercado de trabalho. De resto, lembra que "a ANQEP não tem nenhum curso de cabeleireiro de nível 4, por exemplo". Foram horas, meses e anos de reuniões, à espera de que os cursos avançassem. De permeio, o instituto desfaleceu. De modo que chegou a aprovação, "já era tarde"..Quando viu a notícia publicada no jornal regional, o chefe de gabinete (Jorge Morais) do secretário de Estado João Costa telefonou de imediato ao diretor do Instituto de Souselas. "Estava muito admirado. Queria saber se não havia hipótese de arranjar alunos. Agora já não.".Questionado pelo DN, o Ministério da Educação esclarece que "a escola solicitou a aprovação de dois cursos com planos próprios - Telecomunicações e Redes; Cabeleireiro e Assessoria de Imagem - que podem responder a necessidades formativas do meio envolvente e aos perfis de formação dos alunos; a escola divulgou esta oferta educativa e o funcionamento das turmas dependerá da inscrição de alunos"..Para o ME, "esta escola continua em funcionamento. Devido à perda sistemática de alunos tem vindo a diminuir a sua oferta educativa". Na verdade, tal como o DN verificou nesta semana, não se trata de diminuir, mas sim de extinguir. O próprio ministério admite que "neste ano, a escola não tem qualquer turma financiada por contrato de associação"..De casa cheia a escola-fantasma.O Instituto Educativo de Souselas abriu pela primeira vez as portas em 1993, com 300 alunos. Manuel Duarte exibe ao DN as folhas de papel sublinhadas a lápis com as cópias do Diário da República em que o então ministro Roberto Carneiro assinava o Despacho 156/91, viabilizando 200 milhões de contos para a construção de diversas escolas. Foi o boom do ensino particular e cooperativo. Só para o distrito de Coimbra era apontada a necessidade de construir sete escolas, três delas no concelho. Manuel Duarte, licenciado em Geografia, era na altura professor da escola C+S da Guia (Pombal, no distrito de Leiria) e juntamente com quatro colegas decidiu avançar para um projeto "que dava resposta ao que o Estado propunha"..Seguiram-se anos de muito trabalho, de crescimento do colégio, construído à base de empréstimos à banca. O instituto abarca alunos das freguesias que o ME tinha autorizado: Souselas-Botão, Torre de Vilela -Trouxemil e Brasfemes. "Depois começaram a chegar alunos de outras terras, porque fomos ganhando fama, do ensino que aqui se praticava, do projeto educativo que tínhamos. Além disso tinha uma valência muito específica - aulas adaptadas para os alunos (com necessidades educativas especiais) do Lar Padre Serra e da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra", conta Manuel Duarte..O edifício integra 50 salas de aula "normais" (como está definido na sinalética) e além disso várias salas adaptadas aos cursos profissionais. No quadro da oficina do 12.º de Mecatrónica, ainda está por apagar o sumário de 21 de maio deste ano, em que o professor desejava "bom estágio" aos alunos. Também por lá permanece uma mochila e um casaco, esquecidos..A oficina fica já fora do edifício principal - onde agonizam espaços como a biblioteca, a cantina (que fora completamente renovada antes do princípio do fim da escola), os computadores e as mesas de pingue-pongue. O espaço envolvente está igualmente ao abandono. Quem mostra ao DN o estado das coisas é Ricardo, um dos últimos quatro funcionários que ainda permanecem no local. Era motorista de um dos cinco autocarros que o instituto tinha ao dispor dos alunos da região. Abre as portas para mostrar o pavilhão polidesportivo, e aquela que era uma das joias da coroa: a piscina, desativada há dois anos, que inclusive estava aberta à comunidade. Nas paredes ainda há cartazes dos torneios de futsal interturmas e outras atividades..Ricardo passa agora os dias a fazer "alguma manutenção do espaço, a arrancar as ervas que vão nascendo", ou a cuidar do olival que circunda a escola. Havia também uma pequena horta, com cercas de galinhas e patos. Dessa vida resta apenas uma gigante gaiola onde ainda cantam pássaros..Uma decisão "irreversível"."Para mim não há dúvida de que isto é irreversível", conclui o diretor, enquanto traça a cronologia dos factos: perdeu seis turmas em 2015, as de 5.º 7.º e 10.º que eram início de ciclo; entretanto, passaram para 11 turmas e no ano passado apenas para três..Manuel Duarte fez tudo o que pôde para chamar a atenção dos poderes políticos para "a injustiça que era fechar uma escola como esta". Chegou a ir até bater à porta do Presidente da República, que remeteu sempre para "mais tarde" uma visita ao local, num ofício escrito..Os alunos que saíram de Souselas estão agora nas escolas públicas da Mealhada, Penacova e Coimbra, onde os edifícios públicos se debatem com a dificuldade de espaço para integrar todos, num jogo de cintura que obriga a horários complexos..Manuel Duarte ainda equacionou aplicar propinas (para manter turmas e alunos) mas apenas três famílias se manifestaram. "Aqui não vale a pena. Esta é uma zona pobre, é a classe baixa que aqui mora. Mais de 40% dos nossos alunos beneficiavam da ação social escolar", sustenta..Diz que nunca sentiu apoio de outras entidades, para além da Junta de Freguesia de Souselas. "O que quis foi fazer uma escola de qualidade. Isso começou a atrair famílias e alunos, mas não caiu bem a muita gente. Nos sindicatos, por exemplo, nomeadamente a Fenprof, na própria DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), a diretora chegou-me a dizer "vocês roubam os alunos às escolas estatais". Eu nunca aliciei ninguém. Isto funcionava bem, um corpo docente estável, o não docente também. Era só isso", conclui. O empresário-professor acredita que o corte "cego" quis acabar com os exageros que - admite - aconteciam pelo país, no âmbito dos contratos de associação. "Mas aqui não era o caso. Na verdade pagámos todos pela mesma moeda.".Manuel Duarte ainda não sabe bem o que vai fazer daquele imenso espaço, mas está a procurar começar de novo: "Uma parte continuará com 14 salas de aula, sem alunos... e com o polidesportivo, biblioteca, o resto vai ser adaptado para a terceira idade. Não sei quando nem como. Requer nova capacidade de investimento, e não é fácil." Para lá dos cedros que circundam o edifício, há uma escola-fantasma.