Socialistas em plena crise prontos para escolher novo líder

Já são conhecidos os candidatos a secretário-geral do partido, que será escolhido em março. Sucessor de Cambadélis vai herdar um PSF sem rumo desde os desastres eleitorais
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Sinal representativo da crise que o Partido Socialista francês atravessa é a venda da sua histórica sede da Rue de Solférino, no centro de Paris, adquirida em 1981, nos tempos de François Mitterrand. O negócio, de 45,5 milhões de euros, foi fechado no final de dezembro. "É uma decisão difícil porque este local é simbólico", declarou o tesoureiro do partido quando foi anunciado que o imóvel iria ser colocado à venda. "É baseada em duas considerações. Primeiro, é óbvio que existem constrangimentos financeiros. É também uma escolha política para preparar o futuro." Um futuro que se vai começar a desenhar agora que são conhecidos os quatro candidatos a secretário-geral do partido. A apresentação das candidaturas terminou na sexta-feira e o nome do vencedor será conhecido a 29 de março. O congresso está marcado para os dias 7 e 8 de abril.

A atual crise no PS francês tornou-se gritante quando, na eleição presidencial de maio, o candidato socialista Benoît Hamon terminou a primeira volta em quinto lugar, com apenas 6,36% dos votos. Um mês mais tarde, nas legislativas, os socialistas caíram de 280 para apenas 30 deputados, deixando o partido quase sem representação parlamentar, mas também com graves problemas financeiros - os partidos franceses dependem de donativos particulares, mas também de subvenções do Estado, que estão dependentes do número de eleitos.

"O desempenho desastroso do Partido Socialista Francês na eleição presidencial do ano passado, e depois nas legislativas de junho, pode ser explicado por duas tendências - uma de curto prazo (crise de liderança e a fraturação do Partido Socialista com Hollande) e uma de longo prazo (crise de identidade que caracteriza muitos partidos socialistas na Europa)", explicou ao DN Georgina Wright, investigadora do Programa Europeu da Chatham House.

Sobre a influência de Hollande e Hamon nesta crise, a especialista sublinha que, por um lado, o primeiro chegou ao poder prometendo mudanças significativas, mas acabou por concretizar reformas laborais e económicas impopulares, o que levou a que "as tensões dentro do partido se tornassem mais evidentes". "Os últimos anos da presidência de Hollande foram caracterizados pelo baixo apoio popular ao presidente e pelas lutas internas dentro do Partido Socialista", referiu Wright.

A decisão de Hollande de não se recandidatar à presidência - facto inédito em França desde a Segunda Guerra Mundial - deu origem a "uma conturbada corrida à liderança na qual o candidato mais centro-esquerda, Manuel Valls, perdeu para o candidato da ala mais à esquerda, Benoît Hamon", recordou a investigadora. Muitos dos apoiantes de Valls optaram por se juntar a Macron, o que "diminuiu a coesão do Partido Socialista durante as eleições".

Depois desta hecatombe eleitoral, o secretário-geral Jean-Christophe Cambadélis demitiu-se, deixando o PSF sem uma liderança que pudesse fazer causar algum impacto na governação de Macron. Mas será que os socialistas conseguirão sobreviver a estes desastres e voltar a ser um dos maiores partidos de França? "Alguém me disse no outro dia que o PSF estava "ligado às máquinas" e ainda não é claro qual poderá ser o gatilho que o porá a funcionar outra vez", disse ao DN Georgina Wright. "Dito isto, esta não é a primeira vez que o Partido Socialista está a enfrentar desafios internos", prosseguiu, lembrando, por exemplo, que "em 2005 o PSF quase implodiu por causa do desacordo em relação ao referendo sobre o Tratado Constitucional da UE".

Mas a verdade é que a paisagem política em França é muito diferente do que era há dez anos. Basta olhar para o efeito da chegada ao poder do centrista Emmanuel Macron, que não só conquistou a presidência francesa como tem a maioria na Assembleia Nacional. "Estas mudanças estruturais estão a levar a uma cena política mais fraturada com puxões em direção ao centro e lados mais extremos no espectro. Existem mais partidos hoje do que há alguns anos - e o Partido Socialista está a competir com o La Repúblique en Marche! ao centro e com a França Insubmissa à esquerda. O Partido Socialista sofreu derrotas colossais nas recentes eleições locais, municipais, regionais e europeias, o que também não ajuda", declarou a investigadora.

Agora deu-se um passo para um novo capítulo da história do Partido Socialista francês. São quatro os nomes aprovados ao cargo de secretário-geral que será escolhido no final de março. "Espero que os candidatos prometam uma "transformação radical", reorientando os valores tradicionais do socialismo - igualdade (no mercado de trabalho, igualdade de género) e proteção dos direitos (das mulheres, etc.). A dificuldade será ele próprio demarcar-se o suficiente dos pontos de vista do presidente Macron e dos de Jean-Luc Mélenchon. O espaço para demarcação foi reduzido com um centro mais importante na política francesa", vaticinou Georgina Wright.

OS CANDIDATOS

Olivier Faure, 49 anos

Deputado, lidera o grupo Nova Esquerda no Parlamento. Tem sido um dos porta-vozes do PSF. "Quero liderar o renascimento dos socialistas", disse numa entrevista ao Le Monde. Para muitos é quem melhor pode voltar a unir o partido, apesar de ter sido colaborador de Hollande. Martine Aubry já anunciou que o apoia.

Stéphane Le Foll, 57 anos

Deputado eleito no ano passado, foi ministro da Agricultura e porta-voz do governo durante a presidência de François Hollande. É considerado compatível com Macron, mas hoje diz estar na oposição. Reclama que o PSF deve ser "mais aberto" e fala numa futura federação da esquerda. Está longe de ser uma figura unânime.

Luc Carvounas, 46 anos

Em 2017, trocou o Senado pela Assembleia Nacional. Foi diretor de campanha de Manuel Valls nas primárias socialistas, com quem cortou relações depois de este apoiar Macron. É pouco conhecido entre os franceses, mas tem uma forte rede de apoio dentro do partido. A sua antiga relação com Valls poderá ser um ponto contra.

Emmanuel Maurel, 44 anos

Eurodeputado desde 2014, faz parte da ala esquerda do PSF, sendo visto como um rebelde. Apoiou Arnaud Montebourg nas primárias socialistas de 2017, juntando-se depois a Benoît Hamon. Foi assessor parlamentar de Jean-Luc Mélenchon nos anos 90, facto do qual se orgulha. Há cinco anos, no congresso de Toulouse, a sua moção para líder conseguiu 13% dos votos.

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