Só a justiça escapa à crise de confiança nas instituições

Apenas 11% dos portugueses confiam nos partidos. É pouco, mas é a percentagem mais alta do sul da Europa.
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Os números falam por si: só 29% dos portugueses confiam no Parlamento, os que confiam no governo são apenas 18% e, quando se chega aos partidos políticos, a fasquia ainda desce mais um pouco - só 11% dos cidadãos nacionais manifestas confiança nas estruturas partidárias. Péssimos indicadores? Tudo depende da perspetiva - nos restantes países da Europa do sul os números são, regra geral, piores. A título de comparação: só 12% dos espanhóis dão crédito ao seu Parlamento, resultado de um estratosférico tombo de 44 pontos em 15 anos (em Portugal a queda foi de 12 pontos). E só 7% confiam nos partidos.

No meio do manifesto descrédito quanto às organizações políticas, há uma outra instituição democrática que faz o caminho inverso: a justiça tem subido na confiança dos portugueses: entre 2000 e 2015 subiu dez pontos percentuais, passando dos 31% para os 41%.

Números que constam do estudo "Instituições e qualidade da democracia: cultura política na Europa do Sul", coordenado por Tiago Fernandes, professor de Ciência Política na Universidade Nova. O estudo analisa longas séries temporais, em alguns casos desde os anos 1970, mas no que respeita à confiança nas instituições centra-se na primeira década e meia deste século. Com uma conclusão muito clara: a crise do euro teve um efeito corrosivo sobre a confiança dos cidadãos nas instituições, tanto nacionais como europeias.

O estudo, que além de Tiago Fernandes tem como coautores José Santana-Pereira, João Cancela e Edalina Rodrigues Sanches, conclui que há uma relação direta entre a desconfiança nas instituições e na democracia e os níveis de desemprego, de pobreza e as desigualdades sociais, uma conclusão que é transversal aos vários países. Outro facto que influencia decisivamente a opinião dos cidadãos sobre a qualidade das instituições e da democracia é o índice de corrupção. Curiosamente, medidas como eleições primárias abertas nos partidos, tradicionalmente apontadas como um fator de aproximação aos cidadãos, não têm qualquer influência sobre os índices de confiança. Mais relevante é a ligação dos partidos a organizações da sociedade civil e a sua implantação no território.

Também em relação à União Europeia são notórios os efeitos da crise - em 2012, um terço dos portugueses consideravam que a pertença à União Europeia era uma coisa má. O estudo destaca dois fatores com influência sobre a perceção dos cidadãos do sul da Europa quanto ao projeto europeu: o debate alargado das políticas públicas favorece a confiança. E maiores níveis de soberania nacional promovem uma maior confiança nas instituições europeias.

O estudo será apresentado neste sábado em Lisboa no colóquio Ética, Valores e Política, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que contará com a presença do psicólogo Steven Pinker e do filósofo Michael Sandel.

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