Só 50 restaurantes aceitam animais no país e a ASAE já começou a inspecioná-los

São sobretudo vegetarianos os estabelecimentos de restauração que permitem a entrada de animais. O DN acompanhou o início da Operação<em> </em>Pet Friendly<em>,</em> da ASAE.
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Caju, é esse o nome do protagonista desta história. Um rafeiro de três anos que é simultaneamente mascote e cicerone d'O Antigo Talho, um restaurante vegano na Avenida Duque de Loulé, em Lisboa. Foi aqui que arrancou, na passada segunda-feira, a OperaçãoPet Friendly da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Um mês depois de entrar em vigor a lei que permite o acesso de animais de estimação a cafés e restaurantes, começaram as inspeções aos poucos estabelecimentos que se aventuraram a abrir as portas aos bichos que costumam ficar em casa.

São na verdade poucos estabelecimentos. A ASAE estima que não existam mais de 50 - em Lisboa estão 25, outros tantos no resto do país. E as autoridades policiais não ficam propriamente surpreendidas. "O facto de a AHRESP, que é a maior organização do setor, ter desaconselhado os cafés e restaurantes a adotarem esta nova possibilidade ajudou a que ela não tivesse grande adesão", diz ao DN o inspetor-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar.

De facto, em fevereiro, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal fez um comunicado alegando que a entrada dos animais poderia criar problemas de saúde pública e desaconselhando os estabelecimentos a adotarem os novos dísticos de permissão. Ou seja, quem abriu portas a animais de companhia fê-lo por convicção. Restaurantes vegetarianos, sobretudo.

À entrada d'O Antigo Talho, cujo nome é de uma absoluta literalidade, está escrito isto na parede: "Significa que este espaço já foi em tempos um talho. Mas não é mais. O Antigo Talho existe pelas pessoas que defendem as outras espécies, a saúde do planeta e a sustentabilidade ecológica." Tem uma loja de roupas vegan no piso térreo e um pequeno restaurante no primeiro piso, que é onde humanos e animais costumam partilhar o espaço.

"Não queremos contrariar nada, queremos alterar o status quo", diz Marisa Nunes, responsável pelo espaço (o apresentador de televisão João Manzarra é um dos proprietários). "E sabemos que quem se arrisca a fazer diferente expõe-se a constrangimentos políticos e administrativos." De portas abertas há seis meses, não esperava já uma inspeção. "É um bocadinho a lei da vida, não é? Não fizemos por ser pioneiros, mas pelos vistos somos. Era bom que mais gente nos seguisse."

Até agora só entraram ali caninos. "Diria que por cada dez pessoas que aqui entram uma traz um animal", explica Filipa Ruas, chef da casa. "Sempre cães, nunca tivemos aqui um gato, ou um porco, ou um hamster." Esse é um dos espaços cinzentos da lei, que fala apenas de animais de companhia. E se entra aqui um gato e um periquito, ou um cão e um gato, ou uma iguana e um hamster? Conseguirão os donos controlar os seus animais?

"Está tudo muito dependente do bom senso dos donos dos estabelecimentos e dos donos dos animais", diz Pedro Portugal Gaspar, inspetor-geral da ASAE. "Mas agora temos de ver que todo o alarido que se criou em torno da aplicação da lei, e todos os receios dramáticos de que as coisas iam correr mal, não parece estar a criar assim tanto stress." Admite que ainda é cedo para tirar conclusões - e que esta primeira ação de inspeção servirá também para analisar se a lei precisa de ser reforçada. Mas, por agora, o seu discurso é tudo menos dramático.

Ao fim de dois dias de operação, a ASAE já conseguia fazer um primeiro balanço. "Como resultado dos primeiros dias da operação de fiscalização verificou-se a existência de estabelecimentos sem qualquer infração e outros que necessitam de efetuar pequenos ajustes a fim de poderem manter a opção pela permanência de animais no seu interior", disse o órgão da polícia criminal ao DN. Ou seja, nenhum estabelecimento foi encerrado até agora.

Mesmo os cafés e restaurantes que têm correções para fazer, acreditam os agentes que fizeram as inspeções da ASAE, conseguirão resolvê-los rapidamente. Se compararmos com os totais nacionais para a restauração, os estabelecimentos que recebem animais não se portam propriamente mal. No primeiro semestre de 2018, cerca de quatro mil estabelecimentos de restauração e bebidas foram inspecionados. Isso resultou na instauração de 247 processos-crime e 989 processos de contraordenação. Encerrados? 177.

No caso d'O Antigo Talho houve um par de problemas. Faltava uma cancela que impedisse os animais de se aproximarem da cozinha e uma zona isolada de serviço da comida. "A nossa principal preocupação, nestes casos, é que não haja contaminação", explica o inspetor-geral da ASAE. O Caju também circulava pelo primeiro piso sem trela, algo que a lei não permite. Filipa Ruas garante que aquele episódio foi uma raridade.

O rafeiro costuma ficar sempre no andar térreo, longe da comida. Se entram outros machos às vezes ladra, mas nesses casos é levado para a cave, onde já não incomoda ninguém. Vive num estabelecimento vegan e é fã de tofu, motivo pelo qual às vezes sobe as escadas para pedinchar um pedaço. "Mas nunca entrou na cozinha", assegura a chef.

Não correu propriamente mal aos restaurantes que permitem animais a primeira operação de fiscalização que a ASAE lhes fez, concordam os proprietários e concorda a força policial. Mas vai ser preciso esperar uns meses para perceber se os receios da AHRESP - de tensão entre animais, da entrada em espaços proibidos, da tentativa de convivência entre espécies inconciliáveis - se verificam. "É tudo uma questão de bom senso", repete Pedro Portugal Gaspar, que tem um rafeiro alentejano em casa. E diz que não, não vai nunca levá-lo pela trela a beber café.

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