Costa no Parlamento: sedução com o PCP, distância com o Bloco
Para a história do primeiro debate quinzenal do último ano da atual legislatura ficou a forma notoriamente diferente como António Costa tratou o PCP e o Bloco de Esquerda. Para os comunistas, o chefe do Governo foi todo sedução mas já em relação ao BE tratou de impôr distâncias.
De resto, os principais temas abordados pelos partidos foram os que se esperavam: táxis, Tancos, Infarmed, lei de bases da Saúde e necessidade de obras na ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto. Ninguém, nem nos partidos da 'geringonça' nem nos da oposição, fez a mais pequena referência à não recondução de Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República. Um decisão que se previa fraturante acaba, afinal, por ser pacífica.
Foi o Bloco de Esquerda quem começou o debate. E logo aí se começou a perceber como o primeiro-ministro está pouco inclinado para fazer concessões aos bloquistas - algo que se tornou notório quando pôs um fim abrupto às negociações que os bloquistas estavam a ter nas Finanças para criação no OE 2019 de uma taxa penalizadora da especulação imobiliária ("Taxa Robles", como lhe chamou o CDS).
Catarina Martins perguntou ao primeiro-ministro quando é que o Governo tenciona apresentar na AR a sua proposta de revisão de Lei de Bases da Saúde (já baixou à comissão parlamentar de Saúde um projeto do BE sobre o assunto, projeto no qual os bloquistas exigem os fim das PPP no setor).
Catarina Martins pediu prazos a António Costa - que não os deu. O primeiro-ministro comprometeu-se apenas com a ideia de que até ao fim da legislatura surgirá a proposta do Governo. Muito menos alimentou sonhos aos bloquistas de fim das PPP na Saúde.
Depois a líder bloquista pediu-lhe que coloque no OE 2019 verbas que permitam ativar o estatuto do cuidador informal (pessoas que cuidam a tempo inteiro ou quase,em casa, de pessoas doentes/incapacitadas/deficientes). Invocou inclusivamente em seu favor as pressões que o Presidente da República tem feito para que a questão seja resolvida até ao final da legislatura.
Costa voltou a dar uma nega ao BE, dizendo que "é prematura" essa cabimentação orçamental, dada a necessidade de fazer contas. Catarina retificou-o dizendo que o Governo até já tinha fornecido números ao BE: 120 milhões de euros. Costa acrescentaria outro número: em "velocidade de cruzeiro", a subsidiação pública dos cuidadores informais custará 800 milhões de euros.
Mais tarde no debate, o registo do primeiro-ministro com o PCP seria completamente diferente. Na ausência de Jerónimo de Sousa (por causa da morte de um familiar), os comunistas fizeram avançar para o debate o seu líder parlamentar. João Oliveira pediu um "aumento geral dos salários" e, em particular, do Salário Mínimo Nacional (para 650 euros), dizendo pelo meio que "o Governo não dá resposta aos problemas do país".
Costa, na resposta, ignorou esta parte, salientando antes quão "promissoras" estão a ser as negociações entre o Governo e o PCP sobre o OE 2019. Congratulou-se com "o sucesso da fórmula governativa que construímos" e "fez justiça ao PCP, que nunca teria permitido que o Governo não rompesse com a política de direita". Num registo absolutamente informal, concluiu dizendo para Oliveira, sorridente: "Tenha confiança em si, homem. Foi capaz de fazer mais e vamos ser capazes de fazer mais porque há mais caminho."
À direita, o debate confirmou que entre Costa e Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, há um problema antigo por resolver, talvez vindo de 1999, quando Negrão foi demitido de diretor nacional da PJ, sob suspeita de violação do segredo de justiça no "Caso Moderna" (sendo então Costa ministro dos Assuntos Parlamentares).
Negrão pegou na decisão do Governo de já não mudar o Infarmed para o Porto para acusar diversas vezes Costa de faltar à palavra dada. O primeiro-ministro irritou-se e prometeu ao chefe da bancada do PSD que lhe escreverá uma carta a explicar porque não lhe reconhece autoridade para lhe "dar lições" sobre amor à verdade. Negrão, exaltado, respondeu que está "farto das insinuações" de Costa, garantindo que se receber essa carta a divulgará.
Foi também o chefe da bancada do PSD quem pôs na agenda o debate a questão da falta de obras na ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto. Negrão responsabilizou o Governo pelo facto de as obras nunca mais arrancarem e acusou Costa de "insensibilidade", sublinhando estar em causa a qualidade dos tratamentos a crianças doentes.
O chefe do Governo irritou-se e desafiou o PSD - e depois todos os partidos parlamentares - a aprovarem "por unanimidade" uma lei especial que permita lançar as obras por ajuste direto, ou seja, ultrapassando a morosidade dos concursos públicos. Negrão, na resposta, disse que o PSD ia apresentar ao Governo uma recomendação nesse mesmo sentido - iniciativa que Costa desvalorizou porque uma recomendação não tem efeito vinculativo.
Foi também por pressão do líder parlamentar do PSD que Costa teve de reconhecer - sublinhando não ser a primeira vez que o fez - que o Governo "conduziu mal" a questão da transferência (agora revogada) do Infarmed para o Porto.
Quanto a Tancos - matéria comum às intervenções de quase todos os partidos -, Costa segurou o ministro da Defesa, dizendo que "não é responsabilidade política de nenhum ministro estar à porta de um paiol a guardá-lo".
Já sobre a "Lei Uber" - e com algumas centenas de taxistas concentrados à porta de S. Bento - - voltou a afirmar que não cabe ao Governo o direito de não cumprir uma lei do Parlamento que até já foi promulgada pelo Presidente da República. Segundo reconheceu, há "desigualdades" nas condições de exercício da profissão entre os taxistas e os motoristas das plataformas digitais, mas "essa desigualdade beneficia o táxi".