SNS atrasa pagamentos a hospitais privados. Médicos começam a recusar cirurgias em lista de espera
"Já houve muitos médicos que deixaram de fazer essas cirurgias. Tive casos de otorrinos e neurocirurgiões que já não fazem". A constatação é feita pelo diretor clínico do Hospital da Ordem Terceira Chiado, em Lisboa. Ao jornal Público, José Domingos Vaz fala na "situação preocupante" que resulta dos atrasos nos pagamentos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) às unidades privadas no âmbito do SIGIC - Sistema Integrado de Gestão de Inscritos na Cirurgia.
Incapazes de cumprir os Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG), os hospitais públicos continuam a encaminhar, cada vez mais, doentes para realizarem cirurgias no privado ao abrigo do SIGIC. O problema é que depois demoram a efetuar os pagamentos. Há faturas por pagar com mais de dois anos e os prestadores privados e as respetivas médicas já começaram a recusar operar porque nunca mais recebem, escreve o jornal Público na edição desta sexta-feira.
É o que já está a acontecer no Hospital da Ordem Terceira Chiado. O que agrava o problema dos milhares de doentes que estão em lista de espera para cirurgia nos hospitais do SNS. "A situação é preocupante e vai fazer aumentar as listas de espera porque o SNS não tem capacidade de resposta", afirma José Domingos Vaz.
Até porque, revela o responsável do Hospital da Ordem Terceira, a emissão de vales cirurgia por parte dos hospitais públicos está a "aumentar brutalmente". José Domingos Vaz denuncia que "os doentes andam com os vales na mão à procuram de hospitais privados que os recebam" porque "já ninguém quer fazer estas cirurgias".
E o médico dá como exemplo o que está a acontecer nesta unidade de saúde privada. "Os últimos pagamentos que recebi referentes a cirurgias que fiz no âmbito do SIGIC remontam a maio e junho de 2017. Compreendo quando tenho médicos que me dizem que não fazem. Estamos a trabalhar de borla", afirma. O diretor clínico refere que as unidades do SNS devem ao Hospital da Ordem Terceira mais de seis milhões de euros por 3250 cirurgias.
Este não é caso único nem representa uma novidade, "infelizmente", diz Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. "Os hospitais do SNS têm elevadas restrições de tesouraria e elevadas dívidas aos fornecedores e os prestadores privados são um fornecedor como os outros", explica em declarações ao Público.
Em junho do ano passado, o DN dava conta que os vales cirurgia já tinham subido em flecha em 2017 e que na primeira metade de 2018 os pedidos chegaram a ser diários e que muitas unidades encaminharam tantas pessoas para os convencionados em seis meses como em todo o ano anterior.
O presidente da Associação de Hospitalização Privada admitiu que o SIGIC - criado em 2004 - é pouco atrativo para os convencionados devido aos atrasos nos pagamentos. "Temos hospitais convencionados que fizeram cirurgias no início de 2017 e que ainda não receberam. Isto porque tem de ser o hospital de origem a validar o envio, que depois vai à respetiva Administração regional de Saúde, para depois voltar novamente ao hospital de origem", explicou ao DN. Entre burocracias, há dezenas de milhões de euros a haver pelas unidades privadas, estimava, na altura, o ex-secretário de Estado da Saúde.
O Ministério da Saúde foi questionado pelo Público sobre os atrasos nos pagamentos por parte dos hospitais do SNS e também por parte das Administrações Regionais de Saúde, que asseguram os pagamentos das cirurgias enviadas pelas Parcerias Público-Privadas para os privados. O gabinete da ministra Marta Temido informou que "até maio do presente ano, os hospitais EPE receberam um reforço do adiantamento do Contrato-Programa de 197 milhões de euros para pagamento de dívida vencida, na qual se insere os forncedores de SIGIC. Adicionalmente, em fevereiro de 2019, executaram-se pagamentos de dívida vencida no âmbito das entradas de capital".