"Situação portuguesa é confortável". Estado dos outros países não deve travar abertura

Portugal tem agora a situação epidemiológica da Europa com os melhores índices, mas a variante do Reino Unido já corresponde a 70% dos casos positivos e deve chegar aos 90%. Ao DN, três especialistas dizem que enquanto houver vírus a circular há sempre uma ameaça, mas o importante é estar preparado para controlar a ​​​​​​​doença.
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Uma semana após o país começar a desconfinar, a situação está dentro do que era previsível. Pelo menos, assim o consideram os especialistas que ontem participaram na reunião do Infarmed com o Presidente da República, o governo e os políticos. A leitura possível das últimas duas semanas é que, mesmo com a abertura de alguns setores de atividade no dia 15 de março, como creches, infantários e venda a retalho, Portugal conseguiu manter a tendência de descida no número de novos casos, embora de forma mais lenta do que aconteceu durante o final de fevereiro e o princípio de março. No entanto, a incidência da doença a nível nacional manteve-se baixa, 81,3 casos por 100 mil habitantes e 70,3 no continente, e o R(t) também, 0,89 a nível nacional.

Para a pneumologista Raquel Duarte, convidada pelo governo a elaborar a proposta para o desconfinamento apresentada precisamente na última reunião de há duas semanas, "a situação atual é de muito conforto perante a doença, pois permite-nos lidar bem com os doentes de covid-19 e também com o de todas as outras doenças. Neste momento, o SNS tem capacidade de resposta". No entanto, alerta, "as preocupações devem manter-se, porque enquanto houver vírus a circular noutros países, e tão próximos, há uma ameaça".

O virologista Pedro Simas sublinha o facto de "sermos, neste momento, o país da Europa com melhores índices epidemiológicos", mas ressalva: "Não podemos baixar a guarda, temos de continuar vigilantes, sobretudo nesta altura da Páscoa".

O presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública (APMSP) , Ricardo Mexia, partilha da mesma opinião, argumentando que "o país vive agora um contraciclo e, neste momento, os outros países são mais uma ameaça para nós do que o inverso. Há que manter as cautelas e o controlo da situação".

Depois da reunião desta manhã no Infarmed, o Presidente da República começou a receber os partidos políticos e, amanhã, o primeiro-ministro deverá anunciar ao país as decisões para as próximas semanas, nomeadamente se o desconfinamento avança ou não.

Ao DN, os três especialistas ouvidos consideram que a realidade dos outros países pode até ser uma preocupação, uma ameaça, mas não pode ser motivo para que não continuemos com a reabertura. "É preciso que o país mantenha a estratégia de saúde pública em vigor e de forma eficaz: rastreio e testagem em massa, inquéritos epidemiológicos em dia e vacinação", defendem.

Raquel Duarte afirma mesmo: "O estarmos a viver uma realidade diferente de outros países europeus só nos alerta para o facto de o nosso desconfinamento, ou levantamento de medidas restritivas, ter de ser ainda mais cauteloso. Este é o primeiro passo a ter em conta."

Depois, argumenta, é preciso "continuar a olhar para o que está a acontecer à nossa volta com rigor, porque é uma ameaça. É bom que tenhamos a noção de que ainda não estamos livres do vírus, que continua a circular, e voltarmos a ter um novo aumento da transmissão".

Por outro lado, considera que, apesar de tudo, "as medidas que estão a ser implementadas nos outros países também nos irão proteger". "Se eles próprios evitam deslocar-se estão a evitar que o vírus entre no nosso país."

Na opinião da médica, "temos de olhar para o mundo de forma muito global", tendo em atenção que o aumento de incidência da doença não se faz de forma simultânea no mundo inteiro. "Isso não aconteceu no nosso país, começou no Norte desceu até à região de Lisboa, depois voltou ao Norte e desceu de novo para a zona do Vale do Tejo. No nosso país, vimos a doença a acontecer a ritmos diferentes e no mundo também é assim".

Destaquedestaque"Estarmos a viver uma situação diferente de outros países europeus só nos alerta para o facto de o nosso desconfinamento ter de ser ainda mais cauteloso."

Por isso, defende, que a situação agora vivida em Itália, França e Alemanha - voltaram a ter um pico da doença, devido à nova variante do Reino Unido, estando a impor mais restrições - não é uma questão para ficarmos mais ou menos preocupados, é sim uma com a qual temos de saber lidar. "É uma situação para a qual devemos olhar como uma ameaça, mas que só vem reforçar a necessidade de se avançar com o desconfinamento com segurança" e não impedir que este não se faça.

Segundo referiu na reunião de ontem do Infarmed o microbiologista do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) João Paulo Gomes, a variante do Reino Unido já corresponde a 70% dos casos positivos detetados em Portugal, devendo atingir os 90% nas próximas semanas.

Raquel Duarte não estranha: "Já se antecipava que tal viria a acontecer. Por isso, digo que, independentemente da variante que estiver em circulação no país, o que é preciso é termos capacidade de testagem para detetar rapidamente os casos, rastrear todos os contactos de maior e menor risco e prosseguir com sucesso a vacinação. Isto é que é obrigatório".

Acrescentando: "Agora temos a variante do Reno Unido, mas poderá aparecer uma outra variante, que se for mais competente em termos de sobrevivência e de transmissibilidade do que esta, passará a ser a dominante".

Portanto, Portugal só tem de garantir que "é capaz de aplicar as medidas de saúde pública locais e nacionais de forma rápida e eficaz". Ou seja, garantir que está preparado para lidar com a variante para desconfinar. "Não podemos demorar a fazer diagnósticos, não podemos ter inquéritos epidemiológicos em atraso. Se tudo isto estiver alinhado com as medidas individuais que visam a redução da transmissão da doença na comunidade podemos continuar a reduzir as medidas restritivas e a aplicar o desconfinamento".

Para o virologista Pedro Simas, o facto de o número de casos positivos à variante inglesa ser da ordem dos 70% é irrelevante. "Era o previsível. É uma variante que compete com as outras de forma mais eficientemente e vai ser predominante em Portugal. Só temos de fazer o que os outros países fazem. Continuar o processo de vacinação para resolver o problema, sabendo que até termos os grupos de risco completamente vacinados a manutenção das precauções é fundamental". O investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) João Lobo Antunes diz que a "situação da variante inglesa não é um problema por si, nem uma ameaça adicional que nos impeça de desconfinar".

O país registava ontem mais de 30 mil casos ativos e mais de 14 mil em vigilância, mas apesar de ser um número significativo, como admitem os especialistas, o importante nesta altura é a redução no aparecimento de novos casos. E isso Portugal tem conseguido manter.

No final da reunião de ontem, a última de março, a ministra da Saúde garantiu que as medidas de saúde pública estão a ser aplicadas. Neste momento, "não há inquéritos epidemiológicos em atraso". Uma situação sobre a qual o presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, que ontem esteve na reunião como epidemiologista do INSA, diz que "seria mau se tivéssemos inquéritos em atraso com este nível de incidência, cerca de 200 casos por dia".

Como médico de saúde pública, Ricardo Mexia não tem dúvidas que na próxima semana chegaremos à conclusão que o R(t) aumentou e que tal se repercutirá na incidência da doença, mas "é normal que aconteça pelo impacto do desconfinamento".

DestaquedestaqueMinistra garante que não há inquéritos epidemiológicos em atraso. Líder dos Médicos de Saúde Pública diz: "Seria mau se tivéssemos inquéritos em atraso com cerca de 200 casos por dia."

"O que temos de assegurar é que essa incidência permanece em níveis controláveis", sublinha, mantendo a aposta "na comunicação assertiva sobre o que deve ser feito, na capacidade de resposta rápida na vigilância epidemiológica, para se interromper as cadeias de transmissão, e por fim no processo de vacinação". O presidente da APMSP acrescenta que "estes são os eixos que têm de estar a funcionar para conseguirmos equilibrar a doença e retomar as diversas atividades".

O epidemiologista admite que Portugal pode estar a viver em contraciclo com outros países e que medidas para um reforço no controlo de fronteiras "poderiam ter um papel importante a desempenhar", mas lembra que já tivemos tempo suficiente para aprender e que devemos "ser proativos e não reativos".

Itália, França e Alemanha estão a reforçar as medidas restritivas, depois de as terem aliviado no início do ano. O Reino Unido já pediu à população que não viaje para o estrangeiro. Enquanto o vírus circular há uma ameaça.

anamafalda.inacio@dn.pt

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