Sismo muda mapa asiático e faz oscilar eixo da Terra

<strong>Segundo especialistas, o tremor de terra deslocou algumas ilhas ao largo de Samatra</strong>
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No dia em que o mar entrou pela terra, após aquele que foi o maior sismo dos últimos quarenta anos, o planeta sofreu «um piparote».

A energia libertada pelo movimento das placas tectónicas foi de tal forma forte que, segundo explicaram ontem alguns especialistas, fez oscilar ligeiramente o eixo da Terra. Com o maremoto, mudou também a paisagem asiática.

De acordo com Paul Tapponnier, do Instituto de Física do Globo (IFG), o abalo de domingo provocou «três minutos e vinte segundos de vibração contínua, na região do epicentro» - registado a 250 quilómetros do Sudeste de Samatra, na Indonésia. Um fenómeno que o especialista considera «colossal» e que terá abalado o movimento da Terra em torno do seu eixo, «embora de forma ínfima, como um piparote sobre um pião».

Como explicou ao DN Miguel Miranda, coordenador do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, «a atracção luni-solar sobre a Terra - um elipsóide achatado nos pólos -, dá origem a um movimento semelhante ao de um pião, com um período de 26 500 anos». A rotação do nosso planeta é ainda influenciada pelas posições relativas da Terra, Lua e Sol.

«Todas estas complexas componentes do movimento de rotação da Terra podem ser excitadas pela dinâmica interna do planeta», de que são exemplos os sismos com uma magnitude superior a 8 na escala de Richter. Terá sido esse o caso da catástrofe de Samatra, que atingiu o grau 8,9, projectando «os seus efeitos sobre os parâmetros orbitais da Terra».

No entanto, salienta o cientista português, trata-se de «variações muito reduzidas, apenas detectadas com o recurso a tecnologias muito sofisticadas, como a VLBI (Very Long Baseline Interferometry)».

Também Ken Hudson, especialista do instituto geológico norte-americano US Geological Survey, disse à AFP ter detectado «movimentos muito ligeiros da Terra», que indicam que o planeta «terá vacilado na sua órbita quando o sismo teve lugar, devido à enorme quantidade de energia libertada».

Além da repercussão no movimento de rotação da Terra, a catástrofe de domingo mudou ainda o mapa asiático, tendo deslocado as costas em vinte metros, nalguns pontos da zona de ruptura.

«Houve ainda movimentos verticais, que poderão ter atingido certos locais em um ou dois metros», afirmou o investigador francês, referindo-se ao levantamento de terras, sobretudo na região de Siberut, uma ilha cem quilómetros a oeste de Samatra.

Segundo Ken Hudson, «é possível, com base em modelos sísmicos, dizer que algumas pequenas ilhas do Sudoeste de Samatra podem ter avançado cerca de vinte metros em direcção ao sudoeste».

E, de acordo com Paul Tapponnier, «há mesmo a hipótese de que, ao sul do Equador, algumas regiões de Samatra tenham sido completamente engolidas».

«O sismo é verdadeiramente o arquitecto da paisagem. Todas as montanhas que conhecemos foram modeladas por tremores de terra», explicou Paul Tapponnier.

As mudanças no mapa asiático não surpreendem o geofísico Joaquim Luís, da Universidade do Algarve. «O sismo que deu origem ao tsunami foi muito forte e perto da costa, por isso é de se esperar que tenha feito alterações em terra», afirmou o cientista ao DN. Aliás, lembra, isso já aconteceu antes noutros locais do globo. «Foi o caso do sismo de 1964, no Alasca, em que uma parte da cidade escorregou e foi parar dentro de água», afirmou.

Como explicou ao DN Maria Ana Baptista, investigadora do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, «se há um bocado da crosta oceânica que mergulha sob outra placa [como aconteceu entra a placa Indiana e a da Birmânia], é natural que as ilhas da região fiquem mais próximas umas das outras». Segundo a especialista, também professora no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, «dada a magnitude do sismo de Samatra, podemos estimar em 10 a 20 metros o deslocamento relativo no plano de ruptura. A deformação do fundo do mar foi provavelmente da mesma ordem de grandeza, ou um pouco inferior».

A ocorrência de tsunamis é um fenómeno raro. Segundo Joaquim Luís, «em média, ocorre um grande sismo em cada ano». No entanto, são poucos os abalos - mesmo com magnitude superior a oito graus na escala de Richter - que originam ondas gigantes.

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