SIRESP já custou ao Estado mais de 556 milhões de euros

O ministro da Administração Interna vai ser questionado em relação a todos os atrasos no processo da definição de um novo modelo de comunicações que devia entrar em vigor a 1 de julho, incluindo sobre porque não lançou a tempo um concurso público internacional.
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Desde o início do contrato em 2006 até 2019 o Estado já gastou com o SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) exatamente 519 302 336,67 euros.

Estes são os cálculos que o Tribunal de Contas (TdC) apresenta numa auditoria divulgada esta semana sobre o dispositivo de combate aos incêndios, no qual inclui uma análise à rede SIRESP que é utilizada pelas polícias e serviços de emergência e nos fogos de 2017 falhou em alguns dos momentos mais graves, como é recordado pelo TdC.

A uma média de 37 milhões de euros por ano - a que se deve ainda acrescentar mais o ano de 2020 (elevando assim para 556 302 336 milhões) - o ministério da Administração Interna (MAI) está a negociar um prolongamento, sem concurso público, do contrato com a Altice, operadora de comunicações, cujo custo, não assumido oficialmente, é estimado em mais de 30 milhões de euros por ano.

O Tribunal de Contas revela ainda que "em dezembro de 2019, a SIRESP, SA (a empresa responsável pela gestão, operação, manutenção, modernização e ampliação da rede) passou integralmente para a propriedade do Estado, através da compra dos restantes 67% do capital da empresa, pela qual o Estado pagou 7,9 milhões, suportados pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças", mas que este procedimento suscitou dúvidas.

"Para além de exceder o que se previa (...) na Resolução de Conselho de Ministros (RCM)n.º 157-A/2017, observa-se que o processo de aquisição das participações sociais não foi precedido de quaisquer estudos ou fundamentação técnica que, na ótica do interesse público, incluísse uma análise de custo benefício e identificasse e quantificasse os riscos e responsabilidades contingentes associados, tendo, designadamente, em conta que o sistema (na parte em que pertence à empresa) reverteria para o Estado em 2021, com o fim do contrato de parceria".

O TdC acrescenta que "em sede de contraditório, a DGTF informa que desconhece se foi efetivamente elaborado algum estudo ou análise de custo-benefício prévio à aquisição das mencionadas participações sociais".

O contrato termina no próximo dia 30 junho - em pleno período crítico da época de fogos - e nesta data deveria estar pronto um novo modelo de gestão das comunicações de emergência, conforme determina pela RCM de 2017, na sequência dos trágicos incêndios desse ano.

O problema é que, conforme o DN noticiou, o governo não tomou as decisões a tempo. O ministro da Administração Interna só criou em outubro de 2020 um grupo de trabalho para avaliar as medidas necessárias, cujo relatório lhe foi entregue em março último.

Apercebendo-se de que o tempo se estava a escoar, está agora, em contrarrelógio, a negociar com a Altice um prolongamento do contrato até ter concluído o necessário "novo modelo", cujo decreto-lei deveria ter ido a Conselho de Ministros esta semana, mas que foi adiado.

Entretanto a Altice já veio dizer que não aceita a ideia do MAI de prolongar os seus serviços mais seis meses e contrapropôs 18 meses. Em declarações aos jornalistas, Alexandre Fonseca garantiu que não implica mais custos. "Se houver (alteração) será sempre no sentido de reduzir esses custos e nunca de os aumentar, devido à responsabilidade que a Altice também assume num contrato desta natureza", assumiu.

O Tribunal de Contas não deixa de recordar que "a rede SIRESP evidenciou ao longo do tempo deficiências de funcionamento, que assumiram contornos especialmente gravosos nos incêndios de 2017. Em junho de 2017, o sistema esteve inoperacional durante 71 horas e em outubro do mesmo ano durante 386 horas, em ambos os casos em plena ocorrência de graves incêndios, afetando a operacionalidade de serviços críticos presentes nos TO (teatros de operações)".

Na altura, o primeiro-ministro chegou a criticar publicamente a Altice. "Espero que a autoridade reguladora [para as telecomunicações], olhe com atenção só o que aconteceu com as diferentes operadoras nestes incêndios de Pedrógão Grande. Compreenderá certamente que houve algumas que conseguiram sempre manter as comunicações e houve outra que esteve muito tempo sem conseguir comunicações nenhumas - e isso é muito grave", afirmou António Costa.

Mas segundo o TdC, os problemas causados "pela total ausência de redundância relativamente à transmissão e uma redundância parcial relativamente à energia elétrica" terão sido resolvidas. "As falhas ocorridas até 2017 foram corrigidas com a implementação de sistemas de redundância de transmissão e de energia; desde 2018 que não há interrupções significativas", afiança.

O PSD requereu a audição do CEO Alexandre Fonseca e do presidente demissionário da SIRESP, SA, mas o pedido foi chumbado pela esquerda (votos contra do PS e do PCP e abstenção do BE), pelo que será Eduardo Cabrita a dar explicações aos deputados, em resultado de um requerimento do CDS, na próxima quarta-feira.

Os atrasos em todo este processo, as consequências políticas, financeiras e da qualidade dos serviços - incluindo o facto de não haver sequer tempo para um concurso público internacional - que decorrem da falta de estratégia definida a tempo de entrar em vigor no pós-30 de junho, serão questões que os deputados querem colocar.

"O Governo ao não ter feito e acautelado a definição no "novo" SIRESP, SA, pós 30 de Junho em todas as suas dimensões, note-se que atualmente a SIRESP, SA é totalmente de capitais públicos, criou a inevitabilidade de continuar "amarrado" aos contratos técnicos e de gestão operacional detidos pelos privados Altice e Motorola, perdendo a oportunidade de lançar os devido concursos públicos que permitiriam uma concorrência de diversos concorrentes e modelos para estas prestações de serviço com os óbvios ganhos para o erário público", assinalou o PSD em comunicado.

Acresce que, sublinham os sociais-democratas que "Ao não ter tido a capacidade de cumprir esta data limite de 30 de junho deste ano, data em que finda o atual contrato SIRESP,SA", o governo "arrasta a definição do modelo futuro da infraestrutura nacional de comunicações de emergência, ferramenta essencial em todos os teatros de operações e com uma importância muito acrescida no quadro da pandemia e da sua resposta e ainda no quadro de mais uma época de incêndios florestais que se avizinha a poucas semanas".

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