Simeïz, paraíso em perigo para os gays da Crimeia

Com uma cruz ortodoxa em torno do pescoço, Serguei inala o cigarro e lança como uma evidência: "Os gays sempre foram bem-vindos em Simeïz!". Mas os habitantes desta aldeia da Crimeia, antiga 'capital' dos homossexuais da Rússia, preocupam-se com a lei 'anti-gay' russa.
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A surpreendente benevolência dos 4 mil habitantes de Simeïz para com os homossexuais contrasta singularmente com uma Crimeia em que a sua evocação provoca geralmente risos, desconforto ou sussurros.

Há 40 anos que esta pequena estância balnear, aninhada entre os montes da Crimeia e o mar do Norte, no extremo sul da península, a 20 quilómetros de Yalta, acolhe os gays de toda a Rússia.

Sergueï recorda-se da sua chegada, nos anos 70, quando se reuniam em redor de pequenos "quiosques" estivais. "Claro que não abertamente", diz. Lembra "as festas", no início dos anos 2000, "muito maiores do que agora". "Havia mesmo festivais e desfiles de moda", acrescenta, fazendo uma pose efeminada, antes de se juntar à mulher, que o espera ostensivamente dentro de um Lada bege.

Aqui, ninguém sabe dizer por que razão os homossexuais elegeram como domicílio de verão esta aldeia inclinada, onde extravagantes 'villas' do século XIX com paredes desbotadas, muito por abandono, surgem a cada canto, no meio de ciprestes e pinheiros.

Alguns evocam as praias de seixo selvagens e isoladas da enseada, onde não se chega se não por trilhos escorregadios, que acolhem desde sempre os naturistas, homossexuais ou não. "Lá, estão tranquilos e ninguém os pode ver", explica um jovem de olhos verdes, que não quer dar o nome.

"Vinham já no tempo da União Soviética e claro, as pessoas aqui estavam conscientes. Tudo se tornou mais oficial em 1992 ou 1993, depois da independência da Ucrânia, explica Alexandre Karpienko, um operário, descontraído, de camisa aos quadrados e sapatos de plástico.

Depois dessa época, um bar gay, o "Hérrisson", tornou-se o centro nevrálgico da aldeia nas noites de festa. "Não podem imaginar", diverte-se um homem que passa.

Na abertura da época, as mesas e bancos de madeira estão lotados no edifício, situado ao longo de uma ala onde estão estátuas gregas de homens nus em gesso, no coração de um parque íngreme que mergulha no mar. Sem o símbolo do arco-íris à vista, mas com um brasão por baixo da porta de entrada: quatro ouriços, em que dois criam uma forma equívoca de testículos.

Fora de época, só uma pequena mercearia está aberta. A dona, unhas coral e franja castanha, ocupada a engolir um prato de massa, explica sem levantar os olhos que não quer falar, porque não se quer chatear.

Ao telefone, o proprietário do "Hérisson" não é mais falador. Amistoso inicialmente, fica tenso quando questionado sobre as origens do estabelecimento. "Nas circunstâncias atuais, não quero falar...".

A legislação russa, que se aplica na Crimeia desde que a península se uniu a Moscovo desde um controverso referendo a 16 de março, é muito mais restrita do que a Ucrânia em matéria de homossexualidade, nomeadamente com uma lei que interdita "a propaganda" homossexual em frente de menores.

Os habitantes sublinham que os homossexuais russos são "menos presentes" desde há "cinco ou seis anos", ao contrário dos estrangeiros.

Entre o maçarico e marteladas, metade da aldeia está em plenos trabalhos, a poucas semanas da abertura da época. "Esperamos que tudo corra bem este verão, mas é dificíl sabê-lo agora", preocupa.-se uma antiga empregada do "Hérisson".

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