Shults filma a família americana ameaçada
Um filme de terror que se parece com um drama familiar. Trey Edward Shults, cujo filme de estreia Krisha ganhou culto instantâneo, subverte noções de género e faz um apocalipse movie minimal. Um exercício de medo tão subtil como meticuloso.
Tudo se passa numa casa de família fechada numa América infetada por uma suposta praga apocalítica. Temos um casal inter-racial e o seu filho de 17 anos. Tentam sobreviver com regras de segurança apertadas. Por exemplo, à noite a porta está fechada e há sempre armas em casa. Tudo muda quando acolhem um casal com um filho pequeno. Nos primeiros tempos, as duas famílias parecem coexistir bem e entre elas forma-se um laço de sobrevivência humana, mas com o passar do tempo começam a sentir-se focos de tensão. Aos poucos, a pergunta "até onde podes ir para proteger a tua família" começa a ser mais forte e o confronto num espaço claustrofóbico parece ser inevitável.
It Comes at Night não mostra zombies nem criaturas tóxicas. Situa-se a num nível de perturbação psicológica e evita também efeitos visuais ou reviravoltas na história. Tudo se passa num plano ético irreversível. Shults está mais interessado num discurso ético sobre a família americana e as fronteiras da sua austeridade. E é nesse low key que marca pontos. Os lentos e lânguidos movimentos de câmara têm uma suspeição que nos inquieta e o silêncio das personagens arrepia-nos sem darmos por isso. Dir-se-ia que é um cineasta que encontrou um tom singular de ser creepy com elegância. De notar que Shults foi estagiário em A Árvore da Vida e, posteriormente, assistente de Terrence Malick em Voyage of Time, documentário sobre o cosmos.
Num ano em que o cinema de terror americano de grande estúdio apresentou novas variantes de horror, nomeadamente com Foge, de Jordan Peele, e It, de Andy Muschietti, Ele Vem à Noite funciona como uma resposta credível de uma certa produção independente, usando o subgénero do filme de cenário de "fim do mundo" a seu favor. De forma minimal, Shults aterroriza o espectador com pouco: um décor, luz mínima e personagens entregues ao seu próprio pavor. Um cineasta a filmar o escuro com um prazer expresso e a tirar partido de detalhes de angústia claustrofóbica. Filma o sacrifício ao mesmo tempo que filma a obsessão da família institucional americana. Com um pouco menos de maneirismos ficava um primor. Seja como for, um filme de terror psicológico para ser respeitado.
Joel Edgerton, fresco dos sucessos de Black Mass, é o protagonista.