Shahryar Mazgani: "Quanto mais português sou, mais iraniano me sinto"

Dois anos depois do último disco de originais, o músico luso-iraniano está de regresso com <em>The Gambler Song</em>, que é lançado nesta sexta-feira. Será apresentado ao vivo no Capitólio, em Lisboa, a 4 de março.
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Ao sexto disco de originais, Mazgani tirou o pé do acelerador mas continua a avançar em marcha de urgência. Aos 45 anos e já com uma vasta discografia, iniciada há já 13 anos, com o álbum de estreia Songs of the New Heart, o músico e cantor luso-iraniano tem cumprido à risca o vaticínio feito em 2005 pela revista francesa Les Inrockuptibles, que então o incluiu, entre cerca de sete mil candidatos, na lista dos melhores projetos musicais da Europa. Desde então,revelou-se um dos mais talentosos escritores de canções da música portuguesa da última década, como mais uma vez se comprova no novo The Gambler Song, um registo mais comedido em termos musicais, mas com a mesma inquietação lírica que desde sempre marcou as suas canções.

Nascido na antiga Pérsia em 1974, veio para Portugal com os pais, pertencentes à minoria religiosa bahá'í, em fuga da revolução islâmica que haveria de mudar o nome do seu país natal para Irão. Durante a juventude, em Setúbal, onde a família se radicou, começou a ouvir nomes como Tom Waits, Nick Cave ou Leonard Cohen, que acabariam por influenciar para sempre o rumo da sua música - basta ouvir os seus discos para o perceber.

Mantém alguma ligação ao seu país de origem, o Irão?
As normais ligações sentimentais e familiares, que os meus pais me passaram. Tive a felicidade de os meus pais sempre terem falado comigo em farsi, de sempre me terem passado tudo aquilo que eles achavam bonito e importante sobre o meu país natal, a história e a cultura, etc. Mas, por outro lado, penso e sonho em português. Quanto mais viajamos, maior é o valor que damos a casa e vice-versa, portanto, no meu caso, quanto mais português sou, mais iraniano me sinto, também. Uma coisa não exclui a outra, pelo contrário, até enriquecem. E a minha condição, apesar de aparentemente ser muito exótica e particular, é apenas a condição de qualquer um de nós, que é estar aqui como poderia estar noutro sítio. Sou filho de pais iranianos e tenho esse ADN, mas cresci em Portugal e toda a minha identidade foi construída aqui. Sou um verdadeiro tuga, com todos os tiques e particularidades que só nós temos.

Ao contrário do último disco The Poet's Death, um registo bastante rock and roll, neste novo álbum apresenta-se mais comedido em termos musicais, ao contrário das letras, que mantém a urgência de sempre, concorda?
Sim, concordo, acho que não poderia dizer melhor, até porque nunca consigo analisar muito bem a minha música. Mas uma forma interessante de colocar a questão, porque mais parece um início de conversa que pode derivar para vários aspetos da minha música e da minha pessoa e não tanto apenas sobre este disco em particular.

No fundo, gostaria que me falasse no porquê desta opção de ter um lado mais calmo através da música, que de certa forma serve para equilibrar a maior urgência das letras...
Nunca pensei muito nisso, mas às vezes sinto que encontro mais facilmente a minha urgência nesses momentos mais calmos. Por outro lado, esses momentos musicais menos calmos tendem a ser demasiado expansivos ou explosivos, o que necessariamente não tem de ser a expressão de uma urgência. Por vezes, uma cadência mais lenta na música ou na melodia faz-me encontrar melhor o que procuro. Talvez tenha que ver com a rotina de fazer discos, de ter aprendido que não preciso de me esgaçar todo para transmitir aquilo que mais me inquieta. Ou então talvez tenha que ver com alguma gestão de energia e com a vontade de não repetir sempre as mesmas fórmulas. Não faz parte de um plano, de ter decidido fazer um disco assim. Aliás, nunca tinha pensado nisso antes, mas sei que nenhum carro consegue andar sempre com o acelerador no máximo.

E o que é o inquieta?
O mesmo de sempre (risos), a mesma urgência e inquietação de sempre...

Que tem sempre como tema central o amor...
Mas existe mais alguma coisa que nos inquiete tanto? Sim, é verdade, o amor no sentido mais lato e nas suas mais diversas facetas, especialmente na procura pelo amor, o que por vezes acaba por conduzir ao desamor.

Como é que reage às interpretações que quem o ouve faz da sua música? Algumas devem ser completamente diferentes do que imaginou inicialmente.
Acho ótimo que as pessoas oiçam as músicas como bem entendem, porque a minha interpretação não tem necessariamente de ser a melhor. E se alguém tem uma história que o leva a identificar-se com uma determinada canção, mesmo que não tenha nada que ver com a que eu, enquanto autor, pensei inicialmente, a minha música torna-se muito mais útil. É quase como se a canção deixasse de ser minha e isso é o meu ideal enquanto artista. Daí se calhar esse lado musical mais contemplativo deste disco, que funciona quase como um convite para as pessoas ouvirem as canções à sua maneira. Até porque nem eu sei muito bem sobre o que é que canto. Eu vou descobrindo sobre o que estou a escrever à medida que vou fazendo as canções. Às vezes aparece-me uma melodia, depois acrescento umas palavras e é assim que vou descobrindo as canções.

Não usa uma fórmula única para escrever canções, é isso?
Existe uma fórmula, claro, mas o caminho para lá chegar é que nem sempre é o mesmo. No início, quando comecei a escrever canções, partia sempre primeiro da letra, mas agora não. Pode ser um par de acordes, uma simples palavra.

Esse processo é feito a solo ou com a participação da banda?
A parte da escrita, que dá identidade às canções, é normalmente feito a só, mas a parte musical, e como agora já temos uma sala de ensaios em permanência, que também se tornou um espaço de convívio para a banda, passou a existir uma maior participação de todos na parte musical. Cada um dos meus discos acaba por ser sempre uma espécie de reação ao anterior, em que vou tentando corrigir o que foi feito anteriormente. E a inspiração vem exatamente daí, de ir tentando e ir fazendo...

Em 2006, foi considerado pela revista francesa Les Inrockuptibles um dos melhores projetos musicais da Europa. O que o Mazgani de hoje diria àquele rapaz de então?
Para ter calma (risos). Isto pode soar um pouco pretensioso, mas creio que ficaria orgulhoso, se soubesse onde iria chegar. É uma imagem que casa bem com a pergunta inicial, sobre essa tal calma das canções. Talvez fizesse falta um pouco dessa calma, a esse puto, para perceber que se pode ter a mesma urgência de uma forma mais contida, mais enxuta. Sei que tudo isso vem com o tempo, mas, ao olhar hoje para esse miúdo, sinto que lhe teria feito falta um pouco mais de calma. Por outro lado, sem aquela energia toda, se calhar também nunca teria chegado aqui. Para me sentir confortável a fazer o que faço hoje, desta forma mais calma, foi necessário andar, a determinada altura, a toda a velocidade.

Mazgani

Novo disco, The Gambler Song, sai nesta sexta-feira

Concerto no Capitólio, Lisboa

a 4 de março, 21.30. €15

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