É um filme que levou dez anos a fazer e que agora é a esperança para reerguer o cinema português que ainda acredita no ato de contar histórias e sem imbecilizar o espectador. Chama-se Variações, estreia-se esta quinta-feira, e como não podia deixar de ser conta a história de António Variações, o músico português que continua a encantar todas as gerações..É também a primeira obra mais competente e em estado de graça do nosso cinema em muitos anos. O seu realizador é João Maia, um estreante que já ultrapassou os 40 anos, um autodidata vindo das matemáticas que sempre quis trazer a memória do cantor-barbeiro para o cinema. Mas Variações só resulta tão bem porque há um Sérgio Praia que "é" António Ribeiro/António Variações, o homem e o artista. Uma interpretação ao nível de uma perfeição que é tudo menos transformação, é encarnação! Além do mais, o ator também canta sem imitar o que conhecíamos da personagem real. O efeito é de tal maneira espantoso que há um pacto instantâneo para acreditarmos que estamos diante de António Variações.."Depois de a rodagem terminar, sentia-me em chaga. Não sentia dor, mas sentia que as feridas ainda estavam abertas", começa por contar Sérgio Praia, ainda com a barba parecida à de António, coisa que dá jeito para esta série de concertos que a banda do filme tem marcados, depois do sucesso das três noites num dos palcos do NOS Alive. Agora, não há chagas. O ator que canta com tudo o que tem no filme e, em breve nos palcos, está feliz com toda esta expectativa da obra e da banda da qual é vocalista..Sérgio Praia revela a sua aposta: "Quero mesmo fazer esta digressão, um pouco para concluir algo que o António não chegou a conseguir devido à doença. Há qualquer coisa que me chama para estes concertos! Tenho de me tratar bem para conseguir terminar isto que o António não conseguiu - nos últimos concertos ele já ia muito mal, tinha de acabar em braços... Não é uma obrigação mas quero fazer isto. Tomei esta decisão porque o projeto foi feito por um realizador que durante anos tentou fazer este filme verdadeiro e ninguém lhe deu a mão.".O destino no cinema é uma coisa tramada. Se João Maia tivesse feito há quase dez anos o filme com o produtor (Alexandre Valente) que lhe tentou tirar os direitos e o argumento talvez não tivesse tido uma série de sortilégios que o tornam tão especial, do ator principal à fotografia de André Szankowski. É ele quem confessa quase ao mesmo tempo que esclarece como o cinema entrou na sua vida: "Venho das matemáticas aplicadas e fui professor e programador, mas o cinema era uma coisa que já estava lá. Acabar por fazer um filme tão difícil e tão marcante para o nosso imaginário era um bocado um sonho. Talvez pudesse ter ambicionado algo mais simples para primeira obra, mas era este o filme que queria mesmo fazer." O resultado é um filme de fã para fã, mas sempre aberto à grande emoção, ao grande sentimento..E depois há o tal "caso Sérgio Praia"... Para o realizador, um achado, depois de ter pensado em outros atores portugueses, inclusive Nuno Lopes: "O Sérgio foi um verdadeiro milagre. Apareceu-me o Variações, um em mil!".Para Praia, o contacto com Variações vinha também já de uma peça de Vicente Alves do Ó, intitulada Variações, de António, mas no cinema a experiência não era muita - recentemente tinha feito dois maus da- fita em papéis secundários em Parque Mayer, de António-Pedro Vasconcelos, e em Gabriel, de Nuno Bernardo.."Há uma frase simples no filme que define tudo quando se ouve que ele era um barbeiro que queria ser cantor. Variações é a história de alguém fora do meio da música que quer entrar. Aí há muitas parecenças comigo, que também não era do cinema", defende o realizador. Para João Maia, outro pormenor importante de Variações é ter conseguido ser o primeiro filme português com pós-produção sonora em Dolby Atmos, fator que permite um som ao nível de um filme de Hollywood tipo Bohemian Rhapsody, onde a música flui pela sala. Num filme com canções, não é um mero detalhe: "O mais importante é não termos feito playback. O que vemos no filme é mesmo a voz do Sérgio! Fizemos uma sessão-teste numa sala em Oeiras e o som Dolby Atmos estava brutal! Mas atenção que nem todos os cinemas têm Dolby Atmos...".Em Portugal, no mercado, há quem pense que Variações pode vir a ser o único filme deste ano capaz de bater os bons resultados de Snu, de Patrícia Sequeira. E aí é o próprio realizador que não refuta o otimismo: "Sei que nos últimos anos os resultados têm sido pavorosos! Há filmes de qualidade que nem chegam aos 400 espectadores! Nem sei se a culpa é do espectador... Tem havido muito essa coisa da oposição entre o cinema de autor e o cinema azeiteiro. A minha expectativa era ter feito um filme popular sem ser azeiteiro. Estou verdadeiramente otimista!".Voltando aos concertos que aí vêm com a banda criada para o filme por Armando Teixeira, Sérgio sabe que quem pagar o bilhete vai querer ter a experiência de António Variações de forma sensorial: "Começo os concertos como o Sérgio e depois, quando aquece, há qualquer coisa que se apodera de mim. Mas no filme nunca quis ser o António Variações - isso é impossível. Pode é fazer-se todo um trabalho de aproximação. No palco estou essencialmente a celebrar: gosto tanto do António! Ele é uma massa viva. E vai perdurando ao longo dos anos. Saí dos concertos do Alive feliz!".E o curioso é que quem neste verão for ao cinema ver Variações também terá um forte embate de felicidade. Essa é a surpresa agradável do argumento de João Maia. Sérgio Praia sentiu algo muito forte neste processo, sobretudo quando deu a voz a António Variações: "A beleza da profissão de ator é estar perto do divino, de o poder quase tocar. Sei que não o toco mas a minha cabeça quis sempre tocá-lo. Isso é mais forte do que eu! Já tentei separar-me do António mas agora, com os concertos, vou estar perto de novo. Este é o meu António, mas nos concertos que demos percebi que cada uma das pessoas do público tem o seu. O António é de todos nós!", tal como o filme, em exibição em quase todas as salas do país nesta quinta-feira, ou tal como na banda sonora, um dia depois em formato físico e digital. Tudo com uma campanha promocional de um bom gosto capaz de fazer inveja a alguns dos maiores blockbusters de Hollywood.