Será Bolsonaro presidente mais moderado que Bolsonaro candidato? "Há que esperar para ver"
"Esperar para ver" o que vai ser Bolsonaro presidente. A perspetiva atravessa o espectro parlamentar português, ainda que o olhar não seja coincidente - o que à direita é visto praticamente como uma inevitabilidade, à esquerda é olhado com muita desconfiança. Já eleito presidente do Brasil, Jair Bolsonaro fez um discurso oficial bastante mais moderado do que aquele que se foi ouvindo nos últimos meses, garantindo que será líder de um governo "defensor da Constituição, da democracia e da liberdade", num Brasil de "diversas opiniões, cores e orientações".
Há cerca de duas semanas, com o Brasil a caminhar para a segunda volta das presidenciais, o DN falou com vários deputados sobre o desfecho que já se antevia do outro lado do Atlântico. Confirmado o cenário, os mesmos parlamentares anteveem agora o que aí vem, com o ponto de partida no discurso de vitória do candidato. Moderação ou retórica?
"Vamos todos ter que esperar para ver. Por um lado, gostaria de acreditar que aquilo que o então candidato Jair Bolsonaro disse durante a campanha não porá em prática agora, enquanto presidente do Brasil", diz o deputado socialista Paulo Pisco, mas para acrescentar que não será de esperar uma reviravolta: "Depois de um discurso tão radical certamente que Bolsonaro não se vai transformar num cordeirinho. Mas espero que possa moderar todos aqueles impulsos e a agressividade que demonstrou durante a campanha eleitoral".
O capitão reformado do Exército "fez uma demonstração de moderação no seu discurso enquanto presidente eleito", mas isso prova pouco ou nada por enquanto. "Reconhecidamente Jair Bolsonaro está colocado na extrema-direita, tem ideias que conflituam com os valores das democracias. Se vai ou não manter-se fiel a essas ideias, uma vez que assuma funções de Estado, só a prática é que o vai demonstrar". Paulo Pisco espera que as instituições brasileiras venham também a assumir esse papel: "O Brasil tem os seus contrapesos democráticos, que espero que contribuam para que alguns impulsos mais autoritários não possam ser tolerados".
Pelo PSD, Carlos Peixoto mostra-se bastante mais confiante. "Tenho uma esperança ilimitada de que seja diferente, para melhor, do que aquilo que se anunciava", diz ao DN o parlamentar social-democrata, referindo diz não ter dúvidas de que "Bolsonaro presidente terá que ser necessariamente melhor do que Bolsonaro candidato". Para o coordenador do PSD na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, o quadro de atuação mudou agora completamente - o presidente eleito tem que responder a outras exigências que não apenas a de falar, sem outras consequências, para o seu eleitorado. "A Constituição brasileira é uma Constituição democrática" e Bolsonaro não pode atuar, enquanto presidente, fora desse quadro, sublinha Carlos Peixoto.
João Rebelo, do CDS, também sublinha que "o exercício do cargo acaba por moderar a agressividade que uma campanha tem sempre". E não só. O próprio programa eleitoral vai obrigar a Bolsonaro a chegar-se ao centro-direita: "Ele não tem maioria, vai ter que procurar acordos, nomeadamente com os partidos do centro e do centro-direita. É uma outra forma de centrar o programa eleitoral", sublinha. E o futuro presidente - que tomará posse a 1 e janeiro de 2019 - tem os "próprios limites que a Constituição brasileira estabelece".
Para o parlamentar centrista, o discurso feito na noite de domingo por Bolsonaro é um "dado positivo", mas "não sabemos se será posto em prática". Até porque, já depois de conhecidos os resultados eleitorais, o coronel na reforma teve "três discursos diferentes" - "o primeiro para o core eleitoral dele, com a agressividade costumeira, depois foi já uma coisa programática, e o terceiro, onde mudou claramente a retórica para um discurso presidencial". "Vamos ver o discurso da tomada de posse, a 1 de janeiro, e sobretudo quem será nomeado para os vários cargos ministeriais", destaca João Rebelo.
"Todos esperamos que o discurso de Bolsonaro não se converta na governação de Bolsonaro"", diz, por seu lado, a bloquista Joana Mortágua. O problema é que nós não sabemos qual é o programa de Bolsonaro. No discurso de vitória não deu nenhuma pista sobre o que fará no futuro, a única coisa que fez foi enxertar o discurso com as palavras democracia, constituição e liberdade, de uma maneira que até é artificial, dentro do quadro daquilo que sabemos que ele pensa", prossegue a deputada do BE, dizendo também que "vamos ter de esperar para ver".
Joana Mortágua tem uma certeza: "O Brasil vai entrar num governo muito reacionário. É preciso estarmos atentos para perceber se esse governo reacionário degrada a democracia ao ponto de a transformar num regime não democrático". "Não tenho dúvida nenhuma que Bolsonaro vai ser um presidente racista, homofóbico, sexista, tal como foi um candidato racista, homofóbico, sexista. O problema é se ele vai converter o racismo, a homofobia e o sexismo em políticas de Estado. E isso ainda não temos como saber", defende. Mas com um alerta: "Ter esperança não significa que desvalorizemos aquilo que Bolsonaro significa e o que significa a vitória dele. Modere ou não a governação face ao seu discurso, ele ganhou eleições a dizer que queria fuzilar opositores políticos".
Para o deputado do PCP Duarte Alves o discurso "em nada vem alterar a análise de fundo do que representa Bolsonaro". A vitória deste domingo é "um resultado muito grave" para o Brasil, que terá consequências nas liberdades e na democracia, mas também nos direitos sociais, nos direitos dos trabalhadores e na "subordinação aos interesses do imperialismo, nomeadamente dos Estados Unidos". São elementos "que se mantém presentes independentemente do discurso" de Bolsonaro, aponta o parlamentar comunista.
"O que é importante" agora, acrescenta Duarte Alves, é a "resistência do povo brasileiro e das forças democráticas" face a um "poder de cariz ditatorial" - que surge depois "do golpe de Estado" que afastou Dilma Roussef e da "prisão arbitrária e o impedimento da candidadura de Lula da Silva". Na eleição deste domingo têm também responsabiliaddes, para o PCP, "os grandes meios de comunicação social e as redes sociais" , que conduziram uma "operação de branqueamento do candidato Bolsonaro".