"Talvez possamos ter feito alguma diferença". Quando o país se deparou com a chegada de uma pandemia que já corria o resto do mundo a toda a velocidade e as escolas foram obrigadas a encerrar, a comunidade educativa era avassalada pelos números: pelo menos cerca de 50 mil alunos moram em casas sem acesso a um único computador ou a internet, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O que criava barreiras à continuidade do ano letivo. A solução foi encontrada num estúdio da RTP que até então albergava as gravações do célebre programa televisivo Preço Certo, entretanto interrompido pela crise sanitária. Feitas as contas, "talvez" isto tenha realmente mudado a vida de tantos estudantes sem acesso às novas tecnologias, diz Rute Magalhães, 55 anos, professora e um dos membros da equipa do #EstudoEmCasa..Dois meses depois, a uma semana do final do ano letivo, apagam-se as luzes do estúdio. Como habitualmente, as gravações começaram de manhã e terminaram ao final da tarde. No átrio que dá acesso ao estúdio, dois sofás, onde tantos professores aguardaram a sua vez para ocupar o estúdio e lecionar. Ao início da tarde, era Rute e a colega Dulce Sousa, de 46 anos, quem aguardava..Durante estes dois meses, foram, respetivamente, as professoras de Leitura e Literatura e também de Escrita do 3.º ciclo, mas sempre premiaram o trabalho "em equipa". Esfregam as mãos, adivinhando o suspiro final, o regresso a casa e os dias sem aulas no estúdio. "Não há nada que substitua a sala de aula", o meio "que nos enche e que é a nossa motivação". Quem o diz é Rute e Dulce acena rapidamente em concordância. Mas rapidamente perceberam "a urgência" do projeto" e "a responsabilidade que exigia", remata a professora de Leitura e Literatura..Na opinião de Dulce, a transmissão destas aulas através da RTP "foi uma maneira de trazer à televisão uma ferramenta mais pedagógica" e avivar o seu sentido de serviço público. Desde o primeiro momento, "procuramos prestigiar a nossa profissão, mesmo correndo o risco de não sermos bem entendidas", quando era preciso inovar, diz. Vários professores procuraram marcar "uma rutura com o tradicional, pela qual ainda há uma grande resistência", para tornar as aulas "mais interativas". Ser professor nesta sala de aula, sujeito ao escrutínio público de um país inteiro, foi "um ato de coragem"..A telescola lançou-as ao mundo.Para o público mais pequeno, Luísa Fernandes e Helena Ramos tornaram-se rostos familiares e o modo de lecionar levou-as a tornarem-se também conhecidas internacionalmente. Tudo começou com um curto rap sobre os meses do ano cantados em inglês por ambas, em plena aula. A boa disposição e uma melodia de ficar no ouvido correu vários cantos do mundo e foi mencionado por figuras públicas mundiais, como a apresentadora norte-americana Ellen DeGeneres..Mas as canções já não são novidade para os alunos da professora Luísa, de 48 anos, que há muitos anos recorre à dinâmica de uma melodia para ensinar conteúdos "que precisam de ser aprendidos por meio da repetição". Este rap, em particular, "já fazia sucesso entre os meus alunos". Embora não se tenham apercebido da dimensão que ganhou desde que foi cantarolado numa aula do #EstudoEmCasa, "porque eles não têm redes sociais, não sabem o que se passa nesse âmbito"..Se há algo a retirar desta experiência, a professora dos 3.º e 4.º anos não hesita em dizer que foi a demonstração das inúmeras possibilidades de chegar aos seus estudantes. "Ensinou-me que eu posso perfeitamente gravar as minhas aulas em vídeo, que vai resultar", diz, lembrando que o ensino de inglês passa muito por "ouvir e repetir"..No entanto, olhando aquele primeiro dia em que aqui aterraram, com os medos que a experiência propunha, nada faria imaginar que seria "tão enriquecedora", continua Helena, de 49 anos. "O primeiro dia foi muito complicado. O tempo passou muito depressa e tivemos de ficar 'a encher chouriços'. Com o nervosismo, também começamos a falar muito depressa. Depois, tivemos de aprender a adequar o material aos 30 minutos de aula", conta..Com o passar do tempo, as aulas de Inglês passaram também a contar com o pequeno Eduardo, filho de uma outra professora de inglês, uma parte invisível desta equipa. Eduardo ia surgindo em pequenos vídeos de demonstração de expressões e palavras repetidas pelas professoras em estúdio. Por isso, também ele se despediu na sexta-feira. "It's time to say goodbye" ("É hora de dizer adeus"), disse, no ecrã por detrás de Helena e Luísa. Depois, foi a vez dela: "Vamos dizer adeus. We love you."."Quando começou, estávamos em pânico".Seguiram-se dois segundos de silêncio, imediatamente interrompido por uma salva de palmas nos bastidores. Os operadores de câmaras recolheram os braços da ferramenta para bater palmas, a equipa na régie saiu porta fora até ao estúdio para se juntar à celebração. A ovação durou cerca de dois minutos, demonstrando a sensação de missão cumprida. "Hip, hip. Hurra!", gritam.."Quando isto começou, estávamos em pânico", lembra João Pedro Almendra, assistente de operações da equipa de produção do programa. Por outras palavras, "o primeiro a chegar para ligar câmaras, luzes, monitores... e o último a sair para desligar tudo". Inicialmente, "não estávamos à espera que estes professores conseguissem falar para as câmaras", não sendo profissionais de televisão. Uns engasgavam-se, outros tropeçavam facilmente nas palavras, atrapalhados pelo tempo e pelas câmaras robustas que se impunham à sua frente. "Mas correu tão bem. Estão de parabéns.".Memórias semelhantes a esta só ali entre os anos de 1965 e 2000, em foi foi gravada a célebre e extinta Telescola, criada com o objetivo de escolarizar zonas do país onde o ensino não chegava..Voltar e repetir a experiência, agora "só a tempo inteiro", diz a professora Helena. "Percebemos a missão, estes miúdos foram-nos entregues, mas temos de continuar a dar aos nossos alunos o que nos propusemos dar a estes. Se isto for para continuar, quem ficar, deve ficar a tempo inteiro."