Ser enganado ao pedir um crédito. Crimes de burla não param de subir

Dois homens ficaram com 1,3 milhões de euros com pedidos de crédito e falsos investimentos. Criaram empresas nos EUA que passavam por grandes instituições financeiras e convenceram dezenas de pessoas. As burlas fazem muitas vítimas, agora com a internet como meio de aliciamento.
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Foi uma burla bem engendrada e que causou dezenas de vítimas que foram em busca de crédito bancário facilitado e em condições mais vantajosas. Os seus dois autores, de acordo com o Ministério Público, lograram apropriar-se de mais de 1,3 milhões de euros. Um dos acusados, Paulo Norton, foi o criador do esquema, tendo constituído duas empresas nos Estados Unidos da América que passavam por grandes instituições financeiras. Na verdade eram só fachada para iludir os clientes que foram conseguidos entre 2010 e 2013 e que pagaram milhares de euros para iniciar um processo de crédito que nunca teve concretização. Os dois arguidos vão responder em tribunal, no Porto, por três crimes de burla qualificada.

Este processo, com mais de 50 lesados, alguns em valores acima de 150 mil euros, tem características invulgares seja pelas verbas em causa - os pedidos de crédito atingiam valores de milhões o que também evidencia a credulidade dos lesados - seja pela forma engenhosa, diz a acusação do Ministério Público, como o esquema estava montado. Na maioria das burlas deste género, os valores não são tão elevados. É um dos muitos casos de burlas relacionadas com a concessão de crédito que fazem vítimas por todo o país. As autoridades, seja a Polícia Judiciária ou o Banco de Portugal, e instituições como a DECO têm alertado as pessoas para não acreditarem em ofertas com grandes facilidades e que devem sempre confirmar junto do Banco de Portugal se o intermediário está devidamente autorizado. Nestes casos, muitas das vítimas agem por necessidade financeira e, por vezes, por terem crédito barrado nos bancos, acabam por recorrer a este tipo de serviços fraudulentos. Acabam por perder dinheiro e a situação financeira agrava-se.

Os crimes de burla tiveram nos últimos anos uma mudança para a internet, espaço agora privilegiado por enganar pessoas nos casos de venda de bens e equipamento, aluguer de casas para férias e concessão de créditos, entre outros. Em comum, estes crimes têm o facto de haver uma oferta de um produto ou serviço que nunca se concretiza após o cliente pagar. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), em 2018 houve 9783 crimes participados de burla informática ou nas comunicações, quando em 2017 tinham sido 8149. Nas burlas fora do espaço informático, e aqui entram todo o tipo de burlas desde a mais simples à mais sofisticada, houve uma diminuição. Em 2018 foram registados 11537 crimes contra os 12466 do ano anterior.

A DECO, questionada pelo DN, adianta que recebe "várias denúncias de casos de 'fraudes' com a concessão de crédito, em que o método mais usual é a colocação de anúncios online, nomeadamente nas redes sociais para aliciar 'clientes'". Sendo esta uma das fraudes que faz mais vítimas, com as redes sociais surgiram também as vendas de bens como telemóveis ou computadores com a colocação de anúncio online. "Recebemos queixas de consumidores que compram através de redes sociais, portanto casos de vendas entre particulares que correm mal", diz a associação de defesa do consumidor, dando o exemplo mais comum: "O consumidor nunca recebe o bem, perdendo inclusivamente o rasto da página e fica sem o dinheiro." O aluguer de casas também origina "denúncias de burlas com falsos anúncios imobiliários. Casos em que não existe casa para alugar nem o anúncio é de agência imobiliária".

Nos casos de concessão de crédito, uma burla que ganhou mais atividade com a crise financeira e consequente implementação de regras mais apertadas pelas instituições bancárias, o método mantém-se: para ter potenciais vítimas, os burlões colocam anúncios na imprensa e na internet, com predomínio de redes sociais como o Facebook. Depois o objetivo é sempre conseguir que as pessoas paguem uma comissão de abertura de processo. Recebido esse dinheiro, o empréstimo prometido não se concretiza. Também há interesse, em certas burlas, em obter dados pessoais para os usar indevidamente.

Créditos de milhões de euros

Neste caso que será julgado no início de maio no Tribunal de São João Novo, no Porto, Paulo Norton e Pedro Lage colocavam anúncios em jornais diários e na internet. Apresentavam a empresa como um grande banco de investimento norte-americano quando os clientes se dirigiam ao escritório que tinham na cidade do Porto. Eles eram apenas os seus representantes em Portugal o que não era verdade. A acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), feita pelo procurador Júlio Braga em outubro de 2018 após cinco anos de investigação em que agrupou neste processo um conjunto de inquéritos, dispersos no país, que resultaram de queixas das mais de 50 vítimas conhecidas. A investigação foi da Polícia Judiciária.

O processo divide-se em três diferentes esquemas em que as pessoas eram enganadas, sempre com recurso a empresas de atividade fictícia criadas fora do país. Daí os três crimes de burla qualificada que pendem sobre os arguidos. Diz a acusação que, entre outubro de 2010 e abril de 2013, os acusados "desenvolveram esquemas fraudulentos de captação de valores e bens alheios, fazendo dessa atividade o seu principal meio económico", através da "atividade fictícia de duas sociedades norte-americanas que de facto não desenvolviam qualquer atividade económica". Apenas eram "por eles utilizadas na execução da fraude". Eram a Next American Group (NAG), que se dividia na NAG International Finance e na NAG Capital, e Big Victory Capital Development. Basicamente "iludiam e convenciam particulares a entregar valores ou bens, aproveitando-se das dificuldades existentes no acesso a crédito".

No caso principal houve 34 lesados e tudo passava pela NAG. "Faziam propaganda em sites e jornais como grande empresa com sede em Delaware (EUA) e escritórios no Brasil, Marrocos, Suíça, França e Reino Unido", e prometiam conceder créditos a juros baixos mesmo a quem tivesse incidentes bancários. Anunciavam cobrar apenas uma comissão. Na verdade foi Paulo Norton quem registou a NAG em 7 de fevereiro de 2008 no estado do Delaware. "Era o único sócio e administrador", diz o MP. A NAG não existia, só tinha uma única conta bancária no British Caribean Bank International que o mesmo Paulo Norton abriu em 2011. A acusação refere que no escritório na avenida Fernão de Magalhães, recebiam os clientes e elaboravam contratos e também "remetiam emails e sms, simulando serem da NAG".

Quando os contactos se estabeleciam, os clientes ficavam a saber que, por indicação da NAG, tinha que ser constituída uma sociedade offshore. Por isso, "tinham que entregar o dinheiro necessário à realização ou subscrição do capital social", valor que os arguidos fixavam e variava consoante o valor do crédito em causa. Além disso, para receberem o dinheiro tinham que criar conta no British Caribean Bank International ou no Belize Bank. Paulo Norton e Pedro Lage usavam argumentos para não deixar escapar as pessoas do seu enredo. Sempre que os particulares não dispunham do dinheiro total, aceitava apenas uma entrada inicial. Se não houvesse dinheiro, pediam uma venda fiduciária em garantia de imóvel, e do processo constam duas destas situações. "Inúmeros particulares aderiram às propostas e abriram mãos de valores e bens", com o total de dinheiro obtido ilicitamente a atingir 1.335.970 euros. Eram quase sempre empresários e comerciantes que aderiram, num período, entre 2010 e 2013, em que a crise financeira apertava.

Vítimas por todo o país

Neste processo surpreendem os altos valores envolvidos nos créditos. Há mesmo um pedido de 100 milhões de euros e vários de cinco e dez milhões de euros. A história dos 34 lesados é praticamente igual. Feito o contacto, havia encontro pessoal no escritório. O primeiro caso refere-se a um cliente que queria crédito de um milhão de euros. Criou a empresa offshore e pagou cinco mil euros. Os arguidos não entregaram quaisquer valores.

Noutro caso, em maio de 2011, um homem pediu um crédito de dois milhões de euros mas os dois arguidos convenceram-no a pedir antes dez milhões de euros. Aceitou e entregou 25 mil euros, mais mil euros para abertura da conta bancária. No mesmo ano, outros dois clientes entregaram 30 mil euros para um empréstimo de dez milhões.

Os casos sucedem-se até 2013, todos muito semelhantes só variando os valores. No pedido exorbitante de um crédito de 100 milhões em que o cliente como garantia realizou a venda fiduciária de um imóvel que valia 480 mil euros. Houve pedidos de 50 mil euros, dois milhões, 15 milhões. Dois lesados pagaram 150 mil euros cada para um crédito que nunca aconteceu.

O segundo crime de burla dirigia-se a empresas e refere-se ao NAG Certificate, publicitado como um certificado de qualidade usado pela Coca-Cola ou o Banco Itaú, entre outras grandes empresas. Tudo fictício, diz o MP: "Com o certificado as empresas ficavam com acesso a crédito de 50 mil a 500 mil euros, a juros de 7,9% em bancos de todo o mundo. Para tal, pagavam 1500 euros pelo certificado observado, supostamente pelo Instituto de Qualidade de Zurique."

Havia ainda a Big Victory, empresa criada por Paulo Norton no Wyoming (EUA) que fingia ser uma grande sociedade de investimento, em que os clientes "entregavam fundos para serem aplicados em investimentos". Garantia dividendos de 5% a 20%. Mais uma vez, "nunca receberam dividendos, os valores nunca foram investidos". Foram identificados lesados no valor de 477.980 euros mas os arguidos, a certa altura, ainda devolveram 68 mil euros no total "para manter a ilusão e o funcionamento do esquema fraudulento". Ficaram, assim, com 409.892 euros.

Os dois arguidos estão com termo de identidade e residência e Paulo Norton tem o Dubai como morada, embora seja notificado em Portugal. No país do Médio Oriente, apresentava-se como gestor de uma empresa de comércio de diamantes.

Conselhos para evitar as burlas

Para não cair neste tipo de burlas, as pessoas devem seguir os alertas do Banco de Portugal e os conselhos da DECO. No caso de se aperceber que pode ter caído nestes esquemas ou tomar conhecimento, deve participar o caso ao Banco de Portugal por telefone (213 130 000), através de email (info@bportugal.pt) ou pelo preenchimento do formulário online ou presencialmente.

A DECO aconselha os consumidores a apresentar queixa às autoridades (PSP, GNR, Polícia Judiciária ou Ministério Público). Na obtenção de crédito por via de entidades de intermediação financeira, os conselhos são estes:

- Através do site do Banco de Portugal, verifique se a entidade em causa tem autorização para a operação. Basta escolher o tipo de instituição (um banco ou uma sociedade financeira, por exemplo) ou pesquisar pelo nome.

- Não responda a emails, cartas ou mensagens com propostas de ajuda financeira que ofereçam dúvidas, quer pelo conteúdo, quer pelo remetente.

- Peça sempre todas as informações que considerar necessárias antes de realizar qualquer operação financeira.

- Confirme se todos os procedimentos de segurança estão salvaguardados. Em caso de dúvida, não disponibilize os seus dados pessoais e bancários, especialmente se a operação financeira for online. Na dúvida, não prossiga com a operação.

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