Semicondutores, gálio, germânio e uma guerra económica que não é do nosso interesse

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Depois da abertura, há cinco anos, de uma guerra comercial, com imposições de maiores tarifas numa série de produtos e uma série de obstáculos não tarifários, os EUA impuseram ainda controlos de exportação e limitações a investimentos relativamente à China. Os efeitos não foram famosos, sobretudo na balança comercial. Mas a postura de "Delenda China!", aparentemente consensual no Congresso dos EUA, reclamava mais medidas, e assistimos à deslistagem forçada de empresas chinesas cotadas em bolsas de valores americanas, ao crescimento rápido das listas negras de empresas chinesas relativamente às quais nenhuma US Person pode relacionar-se. Como a sanha se mantinha grande, em outubro de 2022 foi aberta uma nova frente de guerra económica, pelo Bureau of Industry and Security, tendo sido anunciados novos limites extraterritoriais à exportação para a China de semicondutores avançados, equipamentos de fabricação de chips e componentes de supercomputadores. Estes novos controlos, com efeito extraterritorial, mais do que qualquer ação anterior dos EUA, prejudicarão fortemente o desenvolvimento e a implantação da Inteligência Artificial (IA), computação quântica e machine learning na China, impedindo o progresso chinês no comércio eletrónico, veículos autónomos, segurança cibernética, imagens médicas, descoberta de medicamentos, modelagem climática e em mais áreas. O objetivo estratégico dos EUA de atrasar a ascensão tecnológica da China é equivalente a uma quase declaração de guerra económica que só não produz mais reações de terceiros países porque os responsáveis chineses, graças a uma notável falta de jeito, têm vindo a diminuir o seu soft power internacional.

A China respondeu ontem com restrições à exportação de 14 produtos derivados de gálio e de germânio, metais críticos na produção de semicondutores. Para além do efeito retaliatório em relação à brutal restrição americana em semicondutores avançados, é evidente que se trata de um aviso relativamente ao que a China poderá fazer quanto a outros metais críticos, cuja refinação controla em larga medida (cobalto, lítio, grafite, cobre, níquel, elementos raros da terra) e que são essenciais em setores estratégicos, como o armazenamento elétrico.

Independentemente da retórica da liderança americana, ações violentas de contenção da China em setores essenciais para o desenvolvimento tecnológico do país, para além de partirem do pressuposto errado de que estamos perante um jogo de soma zero, mostram que o desejo das autoridades estado-unidenses é perpetuar a sua liderança unipolar, restringindo a ascensão de outros países - hoje a China, amanhã outros - considerados adversários perigosos, quando não inimigos.

A Europa deve refletir bem sobre a situação criada por este conjunto de restrições no domínio dos semicondutores, que tem potencial para ser estendido a qualquer outro setor com mera invocação de risco de segurança nacional. As nossas cadeias de valor estão bastante interligadas com a China. Estamos a tentar criar a maior autonomia possível em várias delas, mas isso requer tempo. A Europa não deve deitar borda fora o multilateralismo, o fluxo comercial internacional e o acesso a mercados relevantes - o chinês e outros -, seguindo os EUA na sua luta quixotesca contra o que considera serem ameaças vitais à sua segurança nacional, depois de ter passado décadas a investir na interdependência económica.

Consultor financeiro e business developer
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