"Sem low-cost o que será da cidade?"

Lisboeta, onde ainda vota, Nuno Carinhas é diretor artístico do Teatro Nacional São João, no Porto, desde 2009. E ao DN, com as eleições autárquicas no horizonte, refletiu sobre a cidade. Leia aqui a entrevista na íntegra
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A cultura está a ter o palco certo no Porto?

Sim. A cultura é uma definição muito larga, que não gosto muito de empregar, gosto mais de me virar para as artes. Nesse sentido, acho que houve um ressurgimento importante. Aquilo que é um grande desafio é como daqui para a frente se vai cimentar esse grande boom que houve após a eleição de Rui Moreira. De qualquer maneira, havia um conjunto de situações que não dependiam muito da câmara, como as grandes instituições, o Teatro São João, a Casa da Música e Serralves, que já empreendiam muito na cidade. Esse é o grande trabalho: conquistarmos as novas gerações e cimentarmos o que tem vindo a ser feito. O tecido cultural é um tecido muito fino, muito precário às vezes, sobretudo quando depende muito da vontade política pode desgastar com facilidade.

Acha que as artes têm contribuído para o Porto estar na moda como tem estado. É inevitável essa ligação?

Acho que um determinado público pode depender disso, o outro dependerá sempre de low-cost. É a minha visão pessimista. Hoje em dia ninguém vai onde quer, as pessoas vão onde podem, onde é barato, deixa-se de viajar por vontade, viaja-se por seleção económica, o que é sempre um problema. Mesmo isso está muito suportado neste momento - por exemplo, no Teatro São João passou a haver espetáculos legendados. Essa desculpa também não serve porque quem quiser procurar procura e encontra. Já havia uma grande apetência pelo Porto, falava-se inclusivamente dessa utopia, dessa comparação um pouco descabida do Porto Barcelona de Portugal, com todos os altos e baixos que Barcelona já sofreu. É o que eu estava a dizer: quando falharem as low-cost, o que é que vai acontecer à cidade? Como é que se consolida a internacionalização? Não sei. Mas, por exemplo, algumas iniciativas da câmara como o Fórum do Futuro parecem-me importantes para que se crie aqui uma habituação para determinados acontecimentos sazonais, que por serem à volta de uma programação com estrangeiros ajude a que se torne um polo de interesse a nível internacional...

Teme que este turismo possa tornar a cidade numa espécie de disneylândia ou isto é exagero de quem é turismofóbico.

Não, não sou de todo! As cidades têm que se reposicionar perante esses fenómenos, tal como em relação aos fenómenos internos. É difícil, é custoso, dá trabalho para que as coisas não entrem em caos. Não sou de todo assim porque senão estaríamos a pensar numa imobilidade que não é desejável nunca para uma cidade. Uma cidade é feita de avanços e recuos, de contrastes, de transformação, esse é o grande desafio da urbe. Não sou de todo turismofóbico e acho isso péssimo.

O Porto não corre riscos de ser um grande parque para turistas, onde falta uma identidade própria, uma identidade cultural?

Não, não. Acho que poderá haver um incómodo de convivência e partilha, que só se agrava quando os cidadãos não estão suficientemente acarinhados, não têm o seu conforto desejável do dia-a-dia. Obviamente aí cria-se um mal-estar, uma rebelião, como se fosse a invasão do inimigo. Isso não tem que ser assim, não pode ser assim. Até porque a maior parte das pessoas que se deslocam neste momento no mundo inteiro não são com certeza os inimigos, são pessoas muito próximas nas classes das pessoas que habitam as cidades, mesmo as cidades mais pobres. Não são os hiper-ricos que invadem as cidades, é uma classe média, média baixa, que podem conviver completamente com as cidades, mesmo as mais pobres. O que há é uma espécie de um desequilíbrio de privilégios e isso é que não pode acontecer, quando uma pessoa que vive num determinado sítio de repente sente-se quase desalojada quando alguém lhe ocupa o lugar e de uma forma privilegiada. Não penso que seja esse o caminho. De qualquer maneira, houve requalificação de muitos lugares, isso é importantíssimo, e tende para uma maior requalificação, para uma maior atenção em relação a fenómenos como a habitação, a arquitetura...

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