Segunda-feira, o primeiro dia do resto das nossas vidas
Segunda-feira será o primeiro dia do resto das nossas vidas. Será o começo da reabertura do país, e mais um cliché para juntar a tantos outros destes dias de confinamento. A crise como uma oportunidade. Fazer das fraquezas forças. Aprender com os erros. Lições de vida... Prepara-te para o pior e o que vier será ganho... Vivemos o último mês e meio protegidos pelas nossas paredes e pelas nossas frases feitas . Memes no Facebook. Slides no Instagram.
Há uma razão para os clichés o serem, como dizia Mike Rice-Oxley, do jornal The Guardian: "Muitas vezes são verdade." Mike é o editor de projetos especiais e lidera a zona de "boas notícias", o Upside , do jornal britânico, e talvez esteja por isso viciado em otimismo, mesmo nestes tempos sombrios. Mas se for como ele diz, temos estes dois próximos dias de confinamento ainda total para pensar o que podemos levar desta pandemia para a vida real.
Não para a vida normal, que essa está longe. Andamos tão entaramelados em palavras que já nem lhes sabemos o verdadeiro significado. O regresso ao normal não é nada disso, nem regresso nem ao normal. Não vamos voltar todos à rua, aos abraços e às festas. Vamos continuar a ficar em casa por uns bons tempos, a trabalhar de casa - os que puderem. E os que saírem à rua vão fugir do vírus com máscaras e distanciamentos - já para não falar da falta de sensação de segurança, de não pensar porque se segurou nos bancos do autocarro, ou se aquela pessoa está a fungar de mais. E todos, em casa e na rua, rezando por uma vacina ou um tratamento eficaz.
Ou seja, não haverá, como dizem os que se acham mais espertos, um novo normal, porque não haverá tempo para lhe podermos chamar assim. As coisas hão de mudar a ritmos tão ou mais acelerados do que até agora. Hão de ser o que forem e o que vírus deixar. E andarão, como disse António Costa nesta semana, para a frente e para trás - dançaremos com a doença ao som dos números e das circunstâncias, na mortalidade e no Serviço Nacional de Saúde. Algures entre a mudança total e o regresso ao que éramos estará o futuro que vamos viver.
Muitos de nós levaremos coisas pequenas, comezinhas, como lições desta pandemia. Coisas práticas, como aquele truque para fazer o pão em casa, ou os detergentes mais eficazes nas nódoas que tivemos de ser nós a tirar, o prazer de uns rabanetes frescos, ou como é bom fazer a primeira reunião do dia de pijama.
A forma como aprendemos a lidar uns com os outros, com os miúdos, os animais, a família e os amores (ou renovados amores, ou ex-amores, descobrimo-lo agora). Segundo todos os relatos, as mulheres levarão a noção de que há coisas que não mudam, mesmo numa pandemia, como por exemplo de quem acaba por ter sempre a tarefa de apanhar as meias sujas do chão.
Uns mais do que outros, estaremos fartos disto tudo. E é bom que isso não nos faça esquecer tudo o que vivemos. Como dizia Mike Rice-Oxley no The Guardian: "Aos poucos ligamos partes da nossa vida e vemos quais são as que são boas para nós, ou não. Trabalho, sim. Horas extra, não. Família, sim. Amizade, sim. Preocupações, não. FoMO - fear of missing out -, não. Deveres, não." Estas lições, embora pequenas, não podemos menosprezá-las, porque o melhor e o pior da nossa vida está nos pormenores (e lá vai mais um cliché).
Mais importante é o que aprendemos em conjunto, como comunidade. Aliás, voltámos a senti-lo, depois de tempos de polarização política e atomização social. Esta pandemia foi combatida pelos nossos atos coletivos. Ou, antes, por aquela sensação, que já não tínhamos há muito, de que os nossos atos individuais têm efeitos coletivos.
Todos combatemos o vírus, juntos, a partir da casa de cada um de nós. E aos que diziam que os tempos já não estavam para revoluções, eis que fizemos uma: abandonámos o nosso quotidiano de um dia para o outro. Com essa disrupção de hábitos, mudámos a estrutura social e controlámos um vírus que vivia dela e do nosso gregário modo de vida. Ou, pelo menos, controlámos a sua expansão - até agora.
Mesmo agora, esse regresso anunciado, ainda que lento, à vida ativa, ainda que condicionada, seremos nós a fazê-lo. Cada um de nós, e todos, determinaremos a forma como será a evolução da doença até haver uma vacina massificada. Tudo depende do medo que conseguirmos vencer, por um lado, e do cuidado que teremos, por outro. O grau de medo determinará a velocidade do regresso. O cuidado, a evolução da doença. E pode haver regras escritas em folhas Excel, ordens e notas, mas o regresso à rua será, sobretudo, feito através da consciência de cada um. Esta é uma doença social. E a resposta sê-lo-á também.
O que virmos acontecer e os efeitos que tiver terá também reflexo nas nossas atitudes. Raramente estivemos tão dependentes uns dos outros. Isso explica o brutal alerta do ministro das Finanças da Nova Zelândia, país que tem feito um combate notável à epidemia, na última conferência de imprensa sobre o covid-19. Grant Robertson gritou: "Não seja um idiota, fique na sua bolha, e estaremos todos melhor." Um por todos, todos a condicionar um. Aproveitemos.