Seca e parasitas estão a matar os peixes do rio Guadiana
É o resultado de um caudal à míngua de água e de elevadas temperaturas, que propiciam ainda condições ao desenvolvimento de cianobactérias que estão a parasitar carpas, barbos e achigãs, segundo o presidente da Empresas de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva (EDIA), José Salema. A pesca, que há anos regressou ao rio, aguarda melhores dias, enquanto a agricultura também "desespera" por chuva suficiente, que permita avançar com as já atrasadas culturas de outono/inverno.
"Isto já é uma tragédia, mas ainda vai ficar pior. Olhe lá onde está mais uma carpa em agonia sem conseguir respirar. E mais outra", diz o pescador Alexandre Dias, apontando em direção ao rio que mais parece um pego de águas paradas. Lá percorre as margens para mostrar ao DN a mortandade que se espalha nesta franja do Guadiana, acompanhada já de um intenso cheiro a putrefação.
"Isto quer dizer que os peixes estão a morrer há semanas", lamenta, o que tem impedido a pesca na zona. É que o enchimento de Alqueva, que fechou as comportas em 2002, abriu uma via de negócio à atividade piscatória, perante a abundância de várias espécies, voltando o peixe de rio a ter procura nos restaurantes da região, sobretudo, no concelho do Alandroal.
Porém, Alexandre Dias afiança que "assim o peixe não presta, porque não fica rijo. A chuva faz falta para renovar as águas e arrastar o alimento que lhe dá a qualidade", explica, revelando que ele e outros pescadores do rio já deveriam andar na pesca, mas vão arranjando ocupação noutras atividades sazonais.
Nuno Sequeira, dirigente da Quercus no Alentejo, conhece o cenário que está a afetar os peixes do grande rio do Sul, associando a morte da fauna "à situação muito grave" provocada pela falta de água. "A maior parte das nascentes estão secas. Não há escorrências de ribeiras nem de ribeiros e isso prejudica a biodiversidade", refere, acrescentando que "havendo menos água, há menos oxigénio disponível para a mesma quantidade de organismos. E os peixes deixam de ter condições para respirar, acabando por morrer", diz, lançando um olhar crítico sobre os alegados "prejuízos provocados pelo aumento das culturas de regadio", dando o inevitável olival intensivo como exemplo.
O mesmo dirigente alerta ainda para a ameaça sobre a qualidade de água de Alqueva, sujeita a temperaturas muito elevadas para a época do ano. "Os peixes mortos vão entrar em decomposição, degradando ainda mais a qualidade da água, que é pouca", sublinha, recordando como, há dois anos, em algumas barragens alentejanas se optou por retirar os peixes - tanto os mortos como os vivos - para conservar a qualidade dos recursos hídricos.
A empresa gestora de Alqueva tem acompanhado o fenómeno, revelando que os peixes estão a morrer devido a cianobactérias que se alojam nas guelras, provocando a sua asfixia. "É uma doença, que não se deve ao facto de haver poluição ou falta de oxigénio", sustenta o presidente da EDIA, José Salema, avançando que as águas no Sul "têm a característica de serem muito quentes nesta altura, havendo alguns nutrientes, surgindo bichos que gostam de parasitar outros", revela com base na explicação obtida junto da Administração da Região Hidrográfica do Alentejo.
A morte dos peixes no Guadiana começou, aliás, por se verificar ainda em Espanha, a montante da zona da Ajuda, com José Salema a admitir que a seca também ajuda a explicar o cenário, face à diminuição dos caudais, numa altura em que os espanhóis deixaram de libertar água, perante a "mudança do ano hidrológico", que teve lugar a 1 de outubro, no qual se estabelecem estratégias para o ano seguinte.
"Acontece que os peixes são atraídos pelo caudal e sobem até à origem da água, mas depois, quando a água deixa de correr, eles ficam na parte seca e acontecem episódios de mortandade por causa disso", resume.
A agricultura assume o impasse perante o terceiro ano de escassez de água. "Já devíamos estar a preparar os terrenos para semear, mas sem chuva vamos perder tudo", lamenta João Paulo Calçudo, agricultor de Elvas, avançando que os poços - com 70 a 80 anos e cerca de 20 metros e profundidade - que em tempos abasteceram a cidade, estão secos.
Nem a chuva que se anuncia para o país por estes dias convence quem trabalha na terra. "Se chover alguma coisa, não são mais do que cinco ou seis litros. Não conta para nada", assume resignado.
A própria barragem do Caia - que rega uma área de 7500 hectares entre Elvas, Campo Maior e Arronches acabou a rega em meados de setembro, depois de ter atingido o mínimo (15%) para garantir abastecimento público durante três anos.
"Era o que receávamos na primavera", recorda a presidente da Associação de Agricultores do Distrito de Portalegre, Fermelinda Carvalho, admitindo que o tema da falta de água que se verifica este outono já preocupava a lavoura desde abril. "É uma situação dramática para todas as explorações agrícolas. Ninguém pode semear sem água. Mas quem arriscar pode ser confrontado com chuva intensa lá mais para a frente que comprometa o ciclo da planta fora da época", diz a dirigente, para quem a solução no futuro passa pela criação de "pequenas albufeiras" que aumentem a capacidade de armazenamento das explorações.