Neta de um português e de uma brasileira, Maria Emília nasceu em São Paulo há 27 anos e começou a ouvir fado em casa: "Descobri a dona Amália ainda muito menina, nos discos dos meus pais. A primeira memória que tenho dela é de ver um dos seus LP na sala, a capa tinha um fundo azul - Amália Fado - e pensei para mim: uau, que linda". O primeiro fado que cantou numa casa de fados, aos 12 anos, foi "do repertório da Diva", lembra: "Para a sensibilidade de uma criança, Os Caracóis faziam todo o sentido e quando ela o cantava sentia-me feliz!".Não imaginaria nessa altura que um dia iria subir ao palco da Altice Arena, em Lisboa, para homenagear Amália Rodrigues. Mas é isso mesmo que vai acontecer hoje, a partir das 21.30. O espetáculo Amar Amália, promovido pela Vibes & Beats, junta um grupo de artistas muito diferentes para recordar a fadista, no ano em que passam duas décadas sobre a sua morte, ocorrida a 6 de outubro de 1999..Ao lado de Maria Amélia vão estar Dulce Pontes, Paulo de Carvalho, Marco Rodrigues, Amor Electro, Vanessa da Mata e Sara Correia. Simone de Oliveira teve de cancelar a sua participação por "ainda não se encontrar totalmente recuperada da sua última cirurgia, sendo ainda necessário algum repouso", segundo a agência da artista. "O grande desafio aqui é que cada artista pegue em dois ou três temas da Amália e os torne seus. Não se trata só de interpretar, mas de fazer que estas canções se integrem no repertório de cada um deles", explica Diogo Clemente, que, com Tiago Pais Dias, assina a direção musical do espetáculo..Amália com um pé no Brasil.Maria Emília cresceu entre os dois lados do Atlântico e acabou por se estabelecer em Lisboa. No final do ano passado lançou o seu primeiro disco, intitulado Casa de Fado. Neste momento, se tivesse de identificar um tema de Amália que seja mais especial, Maria Emília escolheria Saudades do Brasil em Portugal: "É um tema com que me identifico por causa das minhas raízes." Trata-se de uma canção composta pelo brasileiro Vinicius de Moraes, que gravou em casa da Amália e que ficou eternizada no disco Amália/Vinicius (1970). "Não sei se é fado, mas foi feito com amor", diz Vinicius nessa gravação, cantando a seguir a dor "que não tem fim/ Ausência tão cruel/ Saudade tão fatal/ Saudades do Brasil em Portugal"..No palco da Altice Arena irá ouvir-se este tema, mas será Vanessa da Mata a cantá-lo. A brasileira conta que ficou muito surpreendida com o convite para participar neste espetáculo e sentiu que não tinha como recusar: "A sensação que tenho é que jamais vou poder dizer um não para Amália, é como se ela mesmo estivesse me chamando", ri-se. Mas sente que a responsabilidade é enorme, "é como se um português fosse chamado para cantar Elis Regina", compara..Vanessa da Mata conhecia apenas uma ou duas músicas de Amália até ter vindo a Portugal pela primeira vez, em 2002. "Mas assim que a descobri, mergulhei no repertório dela e tornei-me admiradora. Fiquei apaixonada pela sua entrega e pelo rio de sensações que ela colocava nas canções. Muitas cantoras são só cantoras. Amália tornava cada música sua, com força, dramaticidade e intenção. Devia dar gosto ter uma música cantada por ela, não apenas pela sua importância mas também pela vida que ela jorrava ao interpretá-la. Isso requer entrega, responsabilidade, coragem emocional e, claro, talento para interiorizar e depois entregar ao público." De Amália, Vanessa da Mata vai cantar também Solidão: "Eu não sou uma cantora de fado, então estou cantando totalmente abrasileirado. Não dá sequer para tentar imitá-la.".Quando soube que ia cantar temas de Amália, Marisa Lis, a vocalista dos Amor Electro, ficou "muito feliz, ansiosa, nervosa, assustada, tudo isto ao mesmo tempo". Mas, logo a seguir, voltou a ser a Marisa que gosta de desafios e que não podia recusar esta aventura: "Há já muitos anos que fazemos versões de outras músicas e é sempre muito emocionante e algo que nos diverte muito. No nosso primeiro disco, temos uma versão de Barco Negro e agora vamos cantá-la de outra forma", explica, sem querer revelar que outros temas de Amália estão a preparar..Cantar sem afadistar.Tiago Pais Dias lembra-se de Amália nos eventos de família, pois era amiga da avó, Judite da Conceição: "Assim que se conheceram deram-se superbem porque eram as duas muito torcidas e divertiam-se imenso juntos. Até havia quem achasse que elas eram irmãs, porque tinham um look parecido, a minha avó também usava aqueles óculos grandes", recorda o músico dos Amor Electro. E daquilo que se lembra dela acha que a fadista iria gostar de ouvir as versões que fizeram dos seus temas, com guitarras e bateria.."Amália iria divertir-se muito se estivesse na plateia", confirma Diogo Clemente. "Ela sempre foi muito vanguardista, a furar dogmas e a inovar. Foi ela que começou a usar o xaile que depois se tornou habitual nas fadistas, foi ela que trouxe Camões e outros poetas para o fado. Além disso era uma grande poetisa", diz o guitarrista, que também vai estar no palco ao lado de Luís Guerreiro (guitarra portuguesa), Marino de Freitas (baixo), Rúben Alves (piano) e André Silva (bateria). "Amália é a grande voz do país. Se Portugal tivesse uma voz, seria a dela", diz Diogo Clemente..Marisa Lis tem a mesma opinião: "Quando cantas Amália, cantas um bocadinho da tua história e do teu país. Para mim, é inevitável pensar na minha infância porque comecei a ouvir Amália muito miúda com a minha avó, foi ela que me mostrou os discos todos, há uma ligação muito pessoal com aquela música e aquela voz", conta. "Ela tinha um tempo genial, um groove tão peculiar, tão dela, que é mesmo bonito." Uma coisa é certa: os Amor Electro vão cantar Amália mas vão fazê-lo à sua maneira, "sem afadistar": "Não dá para imitar, nem quero, para já era parvo da minha parte se o tentasse fazer porque ela é inimitável, e depois mesmo que eu quisesse não conseguiria", clarifica. "Não me parece que vão ouvir da minha voz algum fado.".Se querem ouvir uma fadista, ouçam Sara Correia. "Tenho com a Amália a mesma relação que tenho com o fado, a água ou a luz do dia. Não me lembro de não a ter, venho de uma família fadista, estes elementos são da minha vida e talharam a minha matriz. A Amália é mãe da minha forma de ver a música", diz-nos a cantora de 25 anos, que se descobriu fadista ainda miúda, cantou em várias casas de fado e venceu a Grande Noite do Fado em 2007..No seu disco, Sara Correia, lançado no ano passado, cantou Fado Português, tema de Amália com música de Alain Oulman e poema de José Régio. Mas quando lhe pedimos para eleger um tema de Amália que seja mesmo especial, apesar da dificuldade em escolher, acaba por dizer Estranha Forma de Vida, de 1964, com letra de Amália e música de Alfredo Marceneiro: "Porque salienta aquilo que eu acho que a Amália é, juntamente com Sophia de Mello Breyner e Florbela Espanca, uma das três maiores poetisas portuguesas de sempre, independentemente do canto. Neste tema de fado estão reunidos no expoente máximo a poetisa, a fadista e o conteúdo, duro e exposto de forma tão nobre."
Neta de um português e de uma brasileira, Maria Emília nasceu em São Paulo há 27 anos e começou a ouvir fado em casa: "Descobri a dona Amália ainda muito menina, nos discos dos meus pais. A primeira memória que tenho dela é de ver um dos seus LP na sala, a capa tinha um fundo azul - Amália Fado - e pensei para mim: uau, que linda". O primeiro fado que cantou numa casa de fados, aos 12 anos, foi "do repertório da Diva", lembra: "Para a sensibilidade de uma criança, Os Caracóis faziam todo o sentido e quando ela o cantava sentia-me feliz!".Não imaginaria nessa altura que um dia iria subir ao palco da Altice Arena, em Lisboa, para homenagear Amália Rodrigues. Mas é isso mesmo que vai acontecer hoje, a partir das 21.30. O espetáculo Amar Amália, promovido pela Vibes & Beats, junta um grupo de artistas muito diferentes para recordar a fadista, no ano em que passam duas décadas sobre a sua morte, ocorrida a 6 de outubro de 1999..Ao lado de Maria Amélia vão estar Dulce Pontes, Paulo de Carvalho, Marco Rodrigues, Amor Electro, Vanessa da Mata e Sara Correia. Simone de Oliveira teve de cancelar a sua participação por "ainda não se encontrar totalmente recuperada da sua última cirurgia, sendo ainda necessário algum repouso", segundo a agência da artista. "O grande desafio aqui é que cada artista pegue em dois ou três temas da Amália e os torne seus. Não se trata só de interpretar, mas de fazer que estas canções se integrem no repertório de cada um deles", explica Diogo Clemente, que, com Tiago Pais Dias, assina a direção musical do espetáculo..Amália com um pé no Brasil.Maria Emília cresceu entre os dois lados do Atlântico e acabou por se estabelecer em Lisboa. No final do ano passado lançou o seu primeiro disco, intitulado Casa de Fado. Neste momento, se tivesse de identificar um tema de Amália que seja mais especial, Maria Emília escolheria Saudades do Brasil em Portugal: "É um tema com que me identifico por causa das minhas raízes." Trata-se de uma canção composta pelo brasileiro Vinicius de Moraes, que gravou em casa da Amália e que ficou eternizada no disco Amália/Vinicius (1970). "Não sei se é fado, mas foi feito com amor", diz Vinicius nessa gravação, cantando a seguir a dor "que não tem fim/ Ausência tão cruel/ Saudade tão fatal/ Saudades do Brasil em Portugal"..No palco da Altice Arena irá ouvir-se este tema, mas será Vanessa da Mata a cantá-lo. A brasileira conta que ficou muito surpreendida com o convite para participar neste espetáculo e sentiu que não tinha como recusar: "A sensação que tenho é que jamais vou poder dizer um não para Amália, é como se ela mesmo estivesse me chamando", ri-se. Mas sente que a responsabilidade é enorme, "é como se um português fosse chamado para cantar Elis Regina", compara..Vanessa da Mata conhecia apenas uma ou duas músicas de Amália até ter vindo a Portugal pela primeira vez, em 2002. "Mas assim que a descobri, mergulhei no repertório dela e tornei-me admiradora. Fiquei apaixonada pela sua entrega e pelo rio de sensações que ela colocava nas canções. Muitas cantoras são só cantoras. Amália tornava cada música sua, com força, dramaticidade e intenção. Devia dar gosto ter uma música cantada por ela, não apenas pela sua importância mas também pela vida que ela jorrava ao interpretá-la. Isso requer entrega, responsabilidade, coragem emocional e, claro, talento para interiorizar e depois entregar ao público." De Amália, Vanessa da Mata vai cantar também Solidão: "Eu não sou uma cantora de fado, então estou cantando totalmente abrasileirado. Não dá sequer para tentar imitá-la.".Quando soube que ia cantar temas de Amália, Marisa Lis, a vocalista dos Amor Electro, ficou "muito feliz, ansiosa, nervosa, assustada, tudo isto ao mesmo tempo". Mas, logo a seguir, voltou a ser a Marisa que gosta de desafios e que não podia recusar esta aventura: "Há já muitos anos que fazemos versões de outras músicas e é sempre muito emocionante e algo que nos diverte muito. No nosso primeiro disco, temos uma versão de Barco Negro e agora vamos cantá-la de outra forma", explica, sem querer revelar que outros temas de Amália estão a preparar..Cantar sem afadistar.Tiago Pais Dias lembra-se de Amália nos eventos de família, pois era amiga da avó, Judite da Conceição: "Assim que se conheceram deram-se superbem porque eram as duas muito torcidas e divertiam-se imenso juntos. Até havia quem achasse que elas eram irmãs, porque tinham um look parecido, a minha avó também usava aqueles óculos grandes", recorda o músico dos Amor Electro. E daquilo que se lembra dela acha que a fadista iria gostar de ouvir as versões que fizeram dos seus temas, com guitarras e bateria.."Amália iria divertir-se muito se estivesse na plateia", confirma Diogo Clemente. "Ela sempre foi muito vanguardista, a furar dogmas e a inovar. Foi ela que começou a usar o xaile que depois se tornou habitual nas fadistas, foi ela que trouxe Camões e outros poetas para o fado. Além disso era uma grande poetisa", diz o guitarrista, que também vai estar no palco ao lado de Luís Guerreiro (guitarra portuguesa), Marino de Freitas (baixo), Rúben Alves (piano) e André Silva (bateria). "Amália é a grande voz do país. Se Portugal tivesse uma voz, seria a dela", diz Diogo Clemente..Marisa Lis tem a mesma opinião: "Quando cantas Amália, cantas um bocadinho da tua história e do teu país. Para mim, é inevitável pensar na minha infância porque comecei a ouvir Amália muito miúda com a minha avó, foi ela que me mostrou os discos todos, há uma ligação muito pessoal com aquela música e aquela voz", conta. "Ela tinha um tempo genial, um groove tão peculiar, tão dela, que é mesmo bonito." Uma coisa é certa: os Amor Electro vão cantar Amália mas vão fazê-lo à sua maneira, "sem afadistar": "Não dá para imitar, nem quero, para já era parvo da minha parte se o tentasse fazer porque ela é inimitável, e depois mesmo que eu quisesse não conseguiria", clarifica. "Não me parece que vão ouvir da minha voz algum fado.".Se querem ouvir uma fadista, ouçam Sara Correia. "Tenho com a Amália a mesma relação que tenho com o fado, a água ou a luz do dia. Não me lembro de não a ter, venho de uma família fadista, estes elementos são da minha vida e talharam a minha matriz. A Amália é mãe da minha forma de ver a música", diz-nos a cantora de 25 anos, que se descobriu fadista ainda miúda, cantou em várias casas de fado e venceu a Grande Noite do Fado em 2007..No seu disco, Sara Correia, lançado no ano passado, cantou Fado Português, tema de Amália com música de Alain Oulman e poema de José Régio. Mas quando lhe pedimos para eleger um tema de Amália que seja mesmo especial, apesar da dificuldade em escolher, acaba por dizer Estranha Forma de Vida, de 1964, com letra de Amália e música de Alfredo Marceneiro: "Porque salienta aquilo que eu acho que a Amália é, juntamente com Sophia de Mello Breyner e Florbela Espanca, uma das três maiores poetisas portuguesas de sempre, independentemente do canto. Neste tema de fado estão reunidos no expoente máximo a poetisa, a fadista e o conteúdo, duro e exposto de forma tão nobre."