"Se estas vacinas fossem boas, não teríamos dúvida em lutar por elas"

Diretora-geral da Saúde Graça Freitas falou pela primeira vez no Parlamento sobre a inclusão das vacinas para meningite B, rotavírus e HPV no Programa Nacional de Vacinação. Diz-se cética e pede estudo independente antes de se avançar com medida.
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"Quando vacinamos grandes grupos de pessoas, estamos a mudar a dinâmica das doenças", disse a diretora-geral da saúde, Graça Freitas, a propósito da inclusão de três novas vacinas no Programa Nacional de Vacinação - a vacina contra a meningite B, rotavírus e vírus do papiloma humano (até agora apenas disponível para raparigas e agora alargada para rapazes). Apesar de a reformulação no programa ter sido aprovado no Orçamento de Estado 2019, ficou a faltar o parecer técnico da Direção-geral de Saúde (DGS), que esta terça-feira se apresentou no Parlamento para debater o assunto pela primeira vez.

A Diretora-Geral da Saúde garantiu aos representantes dos grupos parlamentares presentes que a Comissão Técnica de Vacinação (CTV) já deu início a relatórios sobre o impacto das doenças e das vacinas e que submeterá os mesmos à tutela. O estudo relativo ao HPV, o único já concluído, "estima que, em Portugal, a fração de cancros nos homens que pode ser atribuída ao HPV não chega aos 3%", estando na ordem dos 160 a 180 casos por ano. "Não se pode esperar que a vacina faça milagres nos rapazes", alertou Graça Freitas, pois "90% dos casos começam a aparecer depois dos 45 anos de idade".

Ainda de acordo com a diretora, "espera-se que até 2030 o cancro nos homens aumente ligeiramente pelo envelhecimento demográfico. E até 2040, mesmo que vacinemos os homens, não se verá grandes efeitos". "Ver-se-á mais pela vacinação nas mulheres, com efeito indireto nos homens", remata.

Quanto às duas restantes vacinas propostas, sobre as quais os relatórios da CTV ainda não estão concluídos, Graça Freitas explica que os dados preliminares mostram que "estas vacinas ainda apresentam limitações" relativamente ao conteúdo e "ainda não deram provas" da sua eficácia. "Se todas estas vacinas fossem boas, não teríamos dúvida em lutar por elas", esclareceu.

Especificando a vacina contra o rotavírus, acrescentou que "a carga da doença em países desenvolvidos não é relevante, portanto, terão de ser apresentadas opções à tutela". Mas, por agora, apenas foram propostas pela DGS à tutela opções sobre a imunização contra o HPV alargada aos rapazes, sobre a qual Graça Freitas confessa estar cética. Entre o proposto, está a "aposta na proteção indireta e imunidade de grupo da vacinação das raparigas", o "alargamento aos rapazes com vacinação bivalente" (uma vacina mais barata), também o "alargamento da vacina aos rapazes tetravalente e quadrivalente" e, por fim, "a vacinação semelhante à das raparigas, com nove valências".

Esta última, segundo a estratégia equacionada pela CTV, custaria 18 milhões de euros no 1º ano de vacinação. No total, "a entrada das três vacinas no mesmo ano poderia ter um custo direto na ordem dos 15 milhões de euros por ano, o que representa quase metade do que custa todo o PNV", sublinhou a diretora-geral. Custe o que custar, Graça Freitas pede que "de maneira nenhuma se comprometa a vacinação das raparigas".

A Comissão Técnica de Vacinação e a Direção-geral da Saúde recomendam que seja feito um estudo independente, para melhor se compreender o impacto destas doenças em Portugal.

"Se perdemos a confiança, temos problemas sérios"

Portugal não seria pioneiro na introdução destas vacinas que o Orçamento de Estado prevê. Na União Europeia, há já dezenas de países que praticam a imunização contra o rotavírus, meningite B e HPV (quer para rapazes quer para raparigas). Mas Graça Freitas alerta que estes números não devem ser lidos de forma linear.

Começa pelo exemplo da Áustria, que aplica as três vacinas em discussão, "mas as coberturas vacinais são de 40% nos rapazes e 60% nas raparigas" - enquanto "em Portugal, as coberturas estão acima dos 80% nas raparigas". Já no Reino Unido, que diz ser "o nosso país de referência", tem prevista a introdução da vacina HPV para rapazes ainda este ano, "mas enquanto em Portugal damos as nove valências (às raparigas), o Reino Unido só tem usado a vacina quadrivalente".

Graça Freitas apela a que se tenha em conta a sustentabilidade do Programa Nacional de Vacinação, para que não se perca a confiança dos portugueses - que, segundo um estudo da União Europeia, são os que mais confiam nas vacinas administradas. "Se perdemos o valor que é a confiança, vamos ter problemas sérios. Não podemos dar isto como um facto adquirido", disse.

Braço de ferro entre Parlamento e DGS

Cabe agora aos grupos parlamentares decidirem se farão seguir a proposta do PCP, aprovada em Orçamento de Estado, e introduzir três novas vacinas. Todos os partidos com assento parlamentar estiveram presentes na sessão desta terça-feira e aproveitaram a oportunidade para debater com a diretora-geral da saúde, frisando o silêncio que a DGS manteve até agora sobre este assunto.

No início da audição parlamentar, Ricardo Baptista Leite, deputado do PSD, disse ter visto "com algum espanto" a reação da diretora-geral sobre o tema, considerando-a "precipitada". Mesmo "antes da revisão do Orçamento de Estado para 2019, [Graça Freitas] afirmou que há uma substituição daquilo que é uma função técnica", recordou. "Nós temos o papel de assegurar a aprovação de um orçamento. A Assembleia da República reconhece, como sempre reconheceu, o papel da DGS", esclareceu.

Também a deputada Isabel Galriça Neto, do CDS, garantiu não haver dúvidas de que a competência técnica é da DGS. "As decisões desta casa têm de ser consistentes e ancoradas com o conhecimento técnico-científico".

Já a deputada Carla Cruz, do PCP, fez questão de frisar que "não há como desmentir que hoje, quer no SNS quer pediatras, recomendam o alargamento do HPV" e que "a vacinação está dependente dos agregados familiares poderem ou não as vacinas". "Foi isso que nos moveu", remata.

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