De Marcelo a Costa, de Rio a Ventura. Sai uma sardinhada pós-eleitoral
Chegados a outubro, acabaram-se as eleições e estão prestes a acabar as sardinhas - pelo menos as que comemos no prato, com as mãos, no pão, na broa, com batata ou com salada (com pimentos, se faz favor). Nestas já não vamos tropeçar com o nariz e dar por nós caídos na nossa tasca preferida, com juras de "agora é que ela está mesmo boa". Não.
Por isso, para matar a fome da saudade que ainda não chegou, e porque as eleições acabaram mas os eleitos só agora começaram, sentemo-nos à mesa para trazer à boca outros deleites, acabados de pescar no mar das Caldas da Rainha. Não falo do que pensam, nem julgo quem o faz, mas refiro-me às Sardinhas de Bordalo; que chegam este ano com novas escamas e saborosas como sempre.
Sentemo-nos, pois, à mesa com Rafael Bordalo Pinheiro e com algumas das figuras políticas mais relevantes do nosso país. Servimos uma sardinha a cada um, que podemos saborear em conjunto, e puxemos-lhes as brasas numa refeição sem interesses partidários mas com fome de sátira e liberdade.
Estas são sardinhas com lata, mas em faiança; e com elas podemos sujar a louça toda. Desconfio de que Bordalo não quereria outra coisa para o seu "Povinho".
Venham, agora é que elas estão mesmo boas.
Marcelo "Bom Bacalhau" de Sousa
Da mesma forma que há mil e uma maneiras de fazer bacalhau, há muitos Marcelos. "Marcelo com todos" é, sem dúvida, a mais popular e preferida receita dos portugueses. Rústico, espiritual, escondido, na brasa ou às lascas - modesto ou sofisticado, está sempre pronto a ser servido no ponto e sempre pronto a estender a mão para apertar um.
Santo António "deu à" Costa
António Costa, santo padroeiro de Lisboa, que trouxe ao colo Medina e abençoou casamentos - ainda que pouco católicos, na fé de alguns. Também este Santo António tentou pregar a palavra aos hereges, mas nem sempre serviu e perdeu-se a Sé. Decidiu então pregar aos peixes e serve-se hoje como sardinha e, sempre em festa, está pronto a marchar em São Bento nos próximos anos.
Carlos "Natal das Natas" Moedas
Esta sardinha serve-se doce, não fosse dar a saborear os dois lados do mesmo Moedas. A massa fina e crocante de Lisboa ouve-se agora para lá da Gulbenkian, no barulho do friso de uma montra que se abre para acompanhar uma bica. Carlos Moedas é a "nata das natas" que, ainda que de creme aveludado e canela a gosto, vai democratizar-se para chegar à boca de todos os lisboetas.
Rui "Rio-me em Brasa"
E eis que quando Rio parecia correr na direção contrária, umas autárquicas aparecem no seu curso, mudam a maré, e esta sardinha dá à costa (não confundir com dar a Costa). Como ela, Rui Rio está em brasa e parece pronto para o arraial. No prato ou no pão (ou na broa), serve-se quente e faz-se acompanhar com pimentos vermelhos bem assados - para os estômagos mais valentes.
Jerónimo de Sousa "e dos Sorrisos"
Como Jerónimo de Sousa, a Pasta Medicinal Couto entrou em muitas casas portuguesas. Passado mais de meio século, ainda hoje é semiartesanal, sem recurso a ingredientes de origem animal e mantém o design e embalagem. Pela antiguidade e sorriso terno, esta é a sardinha resiliente, que perdura no sabor de décadas. E que a cada novo ano diz - Avante! E assim continuará, porque esta pasta, como o sorriso, ninguém lhe tira.
"Francismo" Rodrigues dos Santos
Assim que esta sardinha nos olha, vemos Francisco Rodrigues dos Santos. Os mesmos olhos, abertos em permanência, em urgência, à descoberta; resta-nos descobrir o que procuram encontrar. Estes são olhos sem tremor e sem terra, porque estão cheios de mar - e cismam fitar-nos com a profundidade de um horizonte ou de um abismo; depende de quem olha. Uma sardinha presa no futuro, de olhos postos no predador.
"Catarinas" Martins
Como a sardinha, Amália foi nossa de tantas formas. Trouxe-nos pão, vinho, irreverência e humanidade sobre a mesa. Como ninguém, representou-nos a todos. Como Amália, que Catarina tenha a coragem de subir ao palco e fazer a diferença. Que Catarina atriz, encenadora, dramaturga e política seja como esta sardinha: como ela quiser.
André "Vem-turras"
No princípio era Ventura, depois de umas legislativas e de umas autárquicas, também. Como um carapau de corrida, esta é a sardinha que volta e meia põe-se ao fresco, mas acaba sempre por voltar. Até porque Chega sem Ventura chega ao fim. Um eterno criador de si próprio, que, tal como Adão, empresta a sua costela a todos os que, por bem, querem existir à sua imagem.
Rui "More-eira"
Toda a gente sabe que a Norte, com mais frio, há mais alimento nas águas. Daí que a sardinha cresça mais. Nascida nos Clérigos, esta é uma sardinha com altitude e atitude: no alto dos seus 75 metros tocam os sinos de mais uma vitória de Rui Moreira. Servida sem maioria absoluta, mas com os acompanhamentos certos, esta é a sardinha que nada para chegar a bom Porto.
Eduardo "de Ferro" Rodrigues
Esta é a sardinha que fala mais alto num Parlamento onde cada bancada vende o seu peixe. Fonte de Ferro e quase sempre com nervos de aço, está numa constante guelra de palavras consigo próprio e com os outros, para que todos possam remar no mesmo sentido, ainda que apanhem correntes diferentes. Apesar de ocasionalmente dizer a todos para rumarem até Sevilha, Ferro Rodrigues é das mais antigas sardinhas do cardume português e uma das espinhas dorsais da nossa democracia.
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