A saída de centenas de funcionários assistentes técnicos das secretarias está a criar problemas às escolas. Processamentos de salários, gestão de processos de alunos e até pagamentos de luz, água e a fornecedores estão em risco com a fuga dos funcionários para outros ministérios e câmaras municipais. Saem porque procuram melhores salários e progressão na carreira. Os que ficam já falam em greves, mais uma nuvem carregada a juntar-se a um horizonte de contestação nas escolas..O alerta, comum a várias escolas, é explícito num e-mail já deste mês, em que uma diretora relata o "momento difícil" que o seu agrupamento vive. "Desde o dia 3 de dezembro que a situação nos serviços administrativos do agrupamento, já desde há muito deficitária quanto ao número de assistentes técnicos que por lei deveria ter, se agravou consideravelmente. O rácio estipulado por lei para um agrupamento desta dimensão não se encontra em cumprimento desde 2016, e neste momento está a funcionar apenas com 50% dos funcionários, sobre quem recai uma sobrecarga enorme de trabalho e responsabilidade", aponta a mensagem, publicada pelo também diretor escolar Arlindo Ferreira no seu blogue..Uma situação que se agravou drasticamente, "pois os assistentes técnicos responsáveis por áreas-chave como contabilidade e tesouraria e outras áreas fulcrais saíram, por procedimento concursal autónomo, para outro organismo público, não havendo nenhum funcionário que possa resolver as questões relacionadas com as mesmas: vencimentos, pagamento a fornecedores de todos os tipos de manutenção e materiais essenciais e básicos para a vida escolar (material para os laboratórios, papel, produtos de limpeza, água, luz, gás, fornecimento do bar e cantina, etc.)". Perante estas dificuldades, a diretora termina o mail a pedir "compreensão para o momento difícil"..Em causa está o facto de não existir uma carreira de técnico superior na área da educação, o que faz que as funções de um assistente técnico - vulgarmente reconhecido como funcionário dos serviços de secretaria - sejam pouco apelativas, mal pagas e sem grande margem para progressões. Muitos optaram, nos últimos tempos, por ir para outros setores da administração pública através de concursos ou de mobilidade entre carreiras. Neste caso, em especial para a Segurança Social. O processo passa por um pedido de mobilidade e depois por uma entrevista, que dá lugar a um pedido de transferência feito à escola. Se for recusado, o mais habitual, tem de se esperar seis meses para poder haver uma reconfirmação do pedido. E nessa altura as escolas são obrigadas a libertar o funcionário..Nos últimos tempos foram centenas os assistentes técnicos que recorreram a esta solução, garante Luís Esteves, representante do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas da zona sul, que avança com um caso: no agrupamento de Forte da Casa, Vila Franca de Xira, saíram quatro funcionárias para a Segurança Social, e outras quatro aposentaram-se. Sobram poucos para servir três escolas, 92 turmas e 1845 alunos, segundo dados publicados pelo agrupamento na internet. "A consequência é a resposta ao serviço ficar posta em causa e o volume de trabalho tornar-se insuportável para os que ficam, que serão apenas três assistentes técnicos.".Até o rácio de funcionários "está mal feito", critica o sindicalista, porque não prevê os alunos do pré-escolar, do 1.º ciclo e da noite. Vamos a outro exemplo prático: um agrupamento de escolas do norte tem 96 turmas no total, 42 a partir do 5.º ano e 51 do pré-escolar e do 1.º ciclo. Ou seja, a maioria dos alunos não entram no cálculo para definir os rácios de assistentes técnicos. O agrupamento têm apenas oito assistentes, um abaixo do que devia, onde se inclui uma funcionária com baixa prolongada..Estas questões foram levadas por diretores escolares a uma reunião com os secretários de Estado da Educação há uma semana. O ministério confirmou ao DN que "alguns diretores de agrupamentos de escolas de Lisboa reportaram ter alguns funcionários, por opção dos próprios, em processo de mobilidade para outros organismos da administração pública". O governo garante que tem acompanhado os agrupamentos "em que essas mobilidades resultam numa situação mais exigente para a gestão das escolas, tendo já iniciado processo com vista à contratação de assistentes técnicos".."Já se fala em greves".Câmaras, finanças e setor da saúde, particularmente as unidades de saúde familiar, "onde ganham um pouco melhor", são outras saídas para estes profissionais. Um assistente técnico de uma escola ganha 683 euros brutos, mas se passar para outro ministério como técnico superior em mobilidade passa para os 995. E se conseguir a consolidação da sua posição fica nos 1200 euros. Segundo informações avançadas ao DN pelo responsável do blogue Assistente Técnico (AT), que se dedica à análise dos problemas desta carreira, nove mil funcionários candidataram-se a cerca de 250 vagas abertas para outros ministérios num concurso aberto no ano passado.."Há muitos assistentes técnicos a tentar sair das escolas. Eu tive duas que saíram recentemente para as Finanças. Em seis ou sete assistentes, três já tentaram sair", admite Manuel António Pereira, diretor do agrupamento de escolas de Cinfães e presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares. "Estamos a falar das funcionárias mais habilitadas e mais novas que se vão embora, ficam os mais velhos, desgastados e que têm menos facilidade em trabalhar com tecnologias. Há escolas na Grande Lisboa que admitem estar numa situação muito pouco confortável." Informação que Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, confirma e pormenoriza. "Em Lisboa já há escolas em que são os diretores que têm de processar salários, o que é inconcebível.".Todo o exercício administrativo está nas mãos dos assistentes técnicos. Estamos a falar de salários e contagem de tempo de serviço dos professores, que são todos processados nas escolas, matrículas e processos dos alunos, pagamentos a fornecedores, tudo corre risco de sofrer atrasos. Há várias plataformas em que é notório o atraso de procedimentos, denuncia o responsável pelo blogue AT. "Estamos em pleno mês de dezembro e ainda não enviámos os processos individuais dos professores para as escolas onde ficaram colocados em setembro! [Com] os alunos que foram transferidos é a mesma coisa. E estes estão a ser avaliados neste preciso momento! Os colegas já falam em greves ao processamento de vencimentos."