Foi na aldeia de Cabeça Gorda, onde vive, no concelho de Beja, que Jorge Benvinda ultimou grande parte do álbum Vida a Dois, lançado nesta sexta-feira. A pequena freguesia serve até de cenário ao videoclip de Vira o Frango, um dos temas do disco de estreia do também músico dos Virgem Suta, o projeto que desde 2008 mantém com Nuno Figueiredo. Além dos Virgem Suta, Jorge Benvinda fez também parte do supergrupo Paião, que em 2018 recuperou a obra de Carlos Paião, e ainda do projeto infantil Canções de Roda, Lengalengas e Outras Que Tais, ao lado de gente como Sérgio Godinho, Ana Bacalhau ou Vitorino. Agora, porém, é tempo de pela primeira vez voar sozinho, demarcando-se desses projetos, que o tornaram numa cara (e voz) bastante conhecida do público, em especial nos Virgem Suta, entretanto também eles já a trabalhar num novo disco. Como explica nesta entrevista ao DN, esse "era um dos principais objetivos" de um trabalho "assumidamente pessoal", no qual se propôs "fazer uma reflexão" sobre a forma como sente e pensa o amor - em todas as suas variantes..Depois do imenso sucesso dos Virgem Suta porquê um álbum a solo agora? Foi um desafio a que me propus, ali mais ou menos por volta de 2018, quando fechámos os restaurantes e ainda bem que o fizemos..Ficou com mais tempo, foi isso? Também, sim, mas acima de tudo perdi o prazer nessa atividade, tanto de taberneiro como de programador. Foi uma sensação que se foi agudizando depois da crise de 2012, quando tudo começou a mudar e nunca mais voltou ao que era, levando ao encerramento dos espaços. Foi nessa altura que comecei a escrever as primeiras canções e a alinhavar o álbum. O objetivo era editar em 2020, mas como o ano passado foi um ano estranho, decidi adiar o lançamento para quando isto passasse. Mas agora não dá para adiar mais, porque temos de continuar a chegar às pessoas..E que Vida a Dois é esta de que o álbum trata? Escolhi esse título já depois de o álbum estar todo concluído, porque de facto tem que ver com uma temática relacionada com o amor, que é comum a todas as canções, mas da qual só me dei conta no fim. Muitas músicas foram escritas a pensar na Joana, a minha namorada, para que ela as cantasse comigo. Tenho uma outra dedicada à minha filha, que vai neste ano para a universidade e queria dar-lhe força, para seguir com a sua vida e tentar ser feliz, porque a vida é uma grande aventura e não podemos ter medo de arriscar. E depois há outras, como a faixa Namorados, que remetem para a nostalgia do primeiro amor, para essa sensação de paixão quando o resto do mundo deixa de existir e o próprio carro se transforma numa casa para dois num sinónimo de liberdade..Mas há também dois temas, Prima e Polvo, que saem um pouco dessa temática, certo? Talvez, mas na verdade também são duas canções sobre relações. A primeira é sobre amor-próprio e escrevi-a como se fosse uma carta, de uma mulher a anunciar à prima que vai sair de casa e deixar o marido, após anos de indiferença, porque às vezes também é preciso ter coragem para se acabar com o que está mal. Já a segunda é um tema ecológico, uma declaração de amor à natureza, que tratamos tão mal. Conta a história de um polvo que decide matar-se e levar com ele o humano que o comer, envenenando-o como vingança pelo que estamos a fazer aos oceanos..E qual é a história por trás do tema Willy Fog? Essa é talvez uma das canções mais pessoais do disco, que fala sobre o arrependimento daquilo que não se fez. Fala de voltarmos atrás, até ao tempo da infância, e começar tudo de novo e de forma diferente. Lembro-me muito que os meus pais, ambos já falecidos, sempre tiveram o desejo de abrir uma agência de viagens, porque achavam que assim podiam viajar mais [risos]. E eu próprio sempre tive esse desejo de um dia partir, deixar tudo para trás e ir conhecer o mundo. É uma música que permite muitas leituras, de acordo com quem a ouve, mas no fundo, a minha mensagem mais pessoal e subliminar é que tinha vontade de voltar atrás no tempo só para poder voltar a estar com os meus pais..Já o Vira o Frango encaixa que nem uma luva nestes estranhos tempos de pandemia, concorda? Sem dúvida, é a que tem a mensagem que mais se adapta a esta realidade, apesar de a mensagem ser apenas a de que, por muito mal que as coisas por vezes corram, apenas há que seguir em frente..Que influência teve o João Pedro Coimbra, dos Mesa, na sonoridade do disco, que também produziu? Conheci o João Pedro em 2017, no Festival da Canção, e desde então desenvolvemos uma enorme amizade e afetividade mútua, que se reforçou ainda mais quando andámos juntos na estrada, com o projeto Paião. É um músico que toca tudo, que tem uma estética que me agrada bastante e, enquanto produtor, conseguiu criar uma sonoridade com os sintetizadores exatamente como eu pretendia, para não soar muito parecido a Virgem Suta. Fizemos tudo entre os dois e portanto este álbum também é um bocadinho dele. Foi um processo um bocadinho demorado, mas também por isso foi uma grande aprendizagem. Este é o projeto que me fez finalmente sair do armário enquanto artista, digamos assim. Foi por isso que também decidi incluir as gravações mais emocionais e não as que estavam mais perfeitas..E como ficam os Virgem Suta no meio disto tudo, estão em pausa? Nem por isso, pelo contrário, estamos até bem ativos, a acabar de gravar um novo álbum, que deverá ser editado para o início do próximo ano..E a carreira a solo, é também para continuar? Claro que sim, até porque adoro compor e neste momento, além de caminhar aqui à volta da aldeia onde vivo, não tenho mais nada para fazer. Com este disco perdi o medo de me mostrar, percebi que tenho de me dar mais enquanto pessoa e enquanto autor, especialmente numa altura em que a vida de cada um se tornou numa espécie de novela. E este disco é como se fosse a minha novela, porque toda a gente vive isto, a vida a dois, os filhos, as frustrações, os arrependimentos e as esperanças. Até as saudades dos pais, quem as não tem, afinal?.dnot@dn.pt
Foi na aldeia de Cabeça Gorda, onde vive, no concelho de Beja, que Jorge Benvinda ultimou grande parte do álbum Vida a Dois, lançado nesta sexta-feira. A pequena freguesia serve até de cenário ao videoclip de Vira o Frango, um dos temas do disco de estreia do também músico dos Virgem Suta, o projeto que desde 2008 mantém com Nuno Figueiredo. Além dos Virgem Suta, Jorge Benvinda fez também parte do supergrupo Paião, que em 2018 recuperou a obra de Carlos Paião, e ainda do projeto infantil Canções de Roda, Lengalengas e Outras Que Tais, ao lado de gente como Sérgio Godinho, Ana Bacalhau ou Vitorino. Agora, porém, é tempo de pela primeira vez voar sozinho, demarcando-se desses projetos, que o tornaram numa cara (e voz) bastante conhecida do público, em especial nos Virgem Suta, entretanto também eles já a trabalhar num novo disco. Como explica nesta entrevista ao DN, esse "era um dos principais objetivos" de um trabalho "assumidamente pessoal", no qual se propôs "fazer uma reflexão" sobre a forma como sente e pensa o amor - em todas as suas variantes..Depois do imenso sucesso dos Virgem Suta porquê um álbum a solo agora? Foi um desafio a que me propus, ali mais ou menos por volta de 2018, quando fechámos os restaurantes e ainda bem que o fizemos..Ficou com mais tempo, foi isso? Também, sim, mas acima de tudo perdi o prazer nessa atividade, tanto de taberneiro como de programador. Foi uma sensação que se foi agudizando depois da crise de 2012, quando tudo começou a mudar e nunca mais voltou ao que era, levando ao encerramento dos espaços. Foi nessa altura que comecei a escrever as primeiras canções e a alinhavar o álbum. O objetivo era editar em 2020, mas como o ano passado foi um ano estranho, decidi adiar o lançamento para quando isto passasse. Mas agora não dá para adiar mais, porque temos de continuar a chegar às pessoas..E que Vida a Dois é esta de que o álbum trata? Escolhi esse título já depois de o álbum estar todo concluído, porque de facto tem que ver com uma temática relacionada com o amor, que é comum a todas as canções, mas da qual só me dei conta no fim. Muitas músicas foram escritas a pensar na Joana, a minha namorada, para que ela as cantasse comigo. Tenho uma outra dedicada à minha filha, que vai neste ano para a universidade e queria dar-lhe força, para seguir com a sua vida e tentar ser feliz, porque a vida é uma grande aventura e não podemos ter medo de arriscar. E depois há outras, como a faixa Namorados, que remetem para a nostalgia do primeiro amor, para essa sensação de paixão quando o resto do mundo deixa de existir e o próprio carro se transforma numa casa para dois num sinónimo de liberdade..Mas há também dois temas, Prima e Polvo, que saem um pouco dessa temática, certo? Talvez, mas na verdade também são duas canções sobre relações. A primeira é sobre amor-próprio e escrevi-a como se fosse uma carta, de uma mulher a anunciar à prima que vai sair de casa e deixar o marido, após anos de indiferença, porque às vezes também é preciso ter coragem para se acabar com o que está mal. Já a segunda é um tema ecológico, uma declaração de amor à natureza, que tratamos tão mal. Conta a história de um polvo que decide matar-se e levar com ele o humano que o comer, envenenando-o como vingança pelo que estamos a fazer aos oceanos..E qual é a história por trás do tema Willy Fog? Essa é talvez uma das canções mais pessoais do disco, que fala sobre o arrependimento daquilo que não se fez. Fala de voltarmos atrás, até ao tempo da infância, e começar tudo de novo e de forma diferente. Lembro-me muito que os meus pais, ambos já falecidos, sempre tiveram o desejo de abrir uma agência de viagens, porque achavam que assim podiam viajar mais [risos]. E eu próprio sempre tive esse desejo de um dia partir, deixar tudo para trás e ir conhecer o mundo. É uma música que permite muitas leituras, de acordo com quem a ouve, mas no fundo, a minha mensagem mais pessoal e subliminar é que tinha vontade de voltar atrás no tempo só para poder voltar a estar com os meus pais..Já o Vira o Frango encaixa que nem uma luva nestes estranhos tempos de pandemia, concorda? Sem dúvida, é a que tem a mensagem que mais se adapta a esta realidade, apesar de a mensagem ser apenas a de que, por muito mal que as coisas por vezes corram, apenas há que seguir em frente..Que influência teve o João Pedro Coimbra, dos Mesa, na sonoridade do disco, que também produziu? Conheci o João Pedro em 2017, no Festival da Canção, e desde então desenvolvemos uma enorme amizade e afetividade mútua, que se reforçou ainda mais quando andámos juntos na estrada, com o projeto Paião. É um músico que toca tudo, que tem uma estética que me agrada bastante e, enquanto produtor, conseguiu criar uma sonoridade com os sintetizadores exatamente como eu pretendia, para não soar muito parecido a Virgem Suta. Fizemos tudo entre os dois e portanto este álbum também é um bocadinho dele. Foi um processo um bocadinho demorado, mas também por isso foi uma grande aprendizagem. Este é o projeto que me fez finalmente sair do armário enquanto artista, digamos assim. Foi por isso que também decidi incluir as gravações mais emocionais e não as que estavam mais perfeitas..E como ficam os Virgem Suta no meio disto tudo, estão em pausa? Nem por isso, pelo contrário, estamos até bem ativos, a acabar de gravar um novo álbum, que deverá ser editado para o início do próximo ano..E a carreira a solo, é também para continuar? Claro que sim, até porque adoro compor e neste momento, além de caminhar aqui à volta da aldeia onde vivo, não tenho mais nada para fazer. Com este disco perdi o medo de me mostrar, percebi que tenho de me dar mais enquanto pessoa e enquanto autor, especialmente numa altura em que a vida de cada um se tornou numa espécie de novela. E este disco é como se fosse a minha novela, porque toda a gente vive isto, a vida a dois, os filhos, as frustrações, os arrependimentos e as esperanças. Até as saudades dos pais, quem as não tem, afinal?.dnot@dn.pt