Os acionistas da Cimpor aprovaram ontem a retirada da cimenteira de bolsa. Reunidos em assembleia geral, os 22 acionistas donos de 95,4% do capital da Cimpor, detida maioritariamente pela brasileira Camargo Corrêa através da InterCement, aprovaram com 99% dos votos a perda da qualidade de sociedade aberta. Mais um rude golpe para a bolsa portuguesa, que perde agora aquela que foi em tempos considerada a única multinacional portuguesa..Depois de em abril a InterCement ter anunciado um aumento de capital na cimenteira na ordem dos 2 mil milhões de euros, em menos de dois meses tudo mudou: a 21 de maio, a InterCement recuou e chamou os acionistas para decidirem sobre a retirada da Cimpor do mercado..Com apenas 4,9% do capital disperso, os donos da cimenteira decidiram propor a saída da bolsa, oferecendo pelas ações que não detêm o "valor equivalente ao preço médio" dos últimos 6 meses, a rondar os 31 cêntimos. Além do reduzido free float, a Camargo Côrrea justificou a decisão com o "aparente afastamento" dos acionistas minoritários e a própria evolução negativa das operações e dos indicadores financeiros..A InterCement assegurou que a saída da bolsa não irá "afetar as atividades da companhia em Portugal ou nas restantes geografias onde opera", negando notícias que davam conta da intenção da Camargo em vender a InterCement - e logo a Cimpor..Um percurso perturbado.Privatizada nos anos 1990 e alvo de três ofertas públicas de aquisição (OPA) desde então, a Cimpor avançou pela internacionalização na fase final do último século, financiando-se com dispersões de capital..A Teixeira Duarte e a BCP, que controlavam a cimenteira, enfrentaram a primeira OPA em 2000, quando Pedro Queiroz Pereira e a Holcim a tentaram comprar. A oferta é recusada e a Cimpor prosseguiu a estratégia de expansão, chegando ao top 10 mundial. Mas a guerra pelo poder no BCP que eclodiu em 2007 acabou por atingir a cimenteira, usada como "acumuladora de espingardas" - leia-se ações - do BCP. Estas desvalorizaram e os prejuízos acumularam..Seguiu-se a crise e a desvalorização do tecido empresarial do país. Manuel Fino, já no capital da Cimpor, é obrigado a abdicar de metade desta, dada como garantia à CGD e o banco público ganha uma posição-chave..Aproveitando o facto de os acionistas da empresa se encontrarem de costas voltadas, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) avançou com uma OPA em 2009. A ideia era tomar a Cimpor para ganhar os ativos no Brasil. A oferta é rejeitada mas a ideia da CSN faz escola e Camargo Côrrea e Votorantim, também brasileiras, vão a jogo..No meio disto, os maiores acionistas da Cimpor, Teixeira Duarte e Manuel Fino, encontram-se cada vez mais fragilizados à conta da crise e, para não se perder mão a uma empresa portuguesa, a CGD acaba por servir de resistência, bloqueando avanços hostis. Até que a Teixeira Duarte precisou de dinheiro e a troika entrou no país..Por decisão dos credores do país, a CGD fica obrigada a vender toda e qualquer participação não bancária, entre elas a participação na Cimpor que ia servindo de barragem ao apetite estrangeiro. Pelo caminho, já a Teixeira Duarte tinha cedido à pressão da Camargo Côrrea vendendo os seus pouco mais de 20% para salvar as suas contas..É então, em 2012, que a Camargo Côrrea volta à carga pela Cimpor, prometendo a partilha do espólio com a Votorantim e já sem encontrar resistência. O Estado, acionista da CGD, aceitou a oferta, tanto mais que os bancos que tinham participações no capital estavam sedentos de liquidez. O país, sem acesso a crédito, estava descapitalizado e a Camargo tomou a Cimpor em julho de 2012..Em todo este percurso, a Camargo investiu quase três mil milhões de euros, tendo, no final de 2012, trocado ativos da Cimpor com a Votorantim, tal como acordado. Mas a crise persistiu, a dívida também e as quebras do negócio tardou em ser travada. Ontem, a empresa valia na bolsa 235 milhões de euros.