"Rússia voltou a pensar como uma grande potência"

Professor no King's College de Londres, Stephen Lovell dá amanhã às 18.30 em Lisboa uma palestra no CCB sobre a Revolução Russa de 1917.
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Nas próximas semanas, o CCB organiza leituras, debates, cinema e concertos alusivos aos acontecimentos na Rússia há um século. O historiador Stephen Lovell falou ao DN por Skype.

Como é possível uma superpotência como a União Soviética implodir seis anos após o início da Perestroika? Desapareceu mesmo em 1991 ou reorganizou-se e sobrevive na Rússia de hoje, liderada por Putin?

Bem, esse é o meu argumento, de que a Rússia moderna estava a emergir sob a União Soviética. Claro que certas coisas mudaram muito. A ideologia comunista fornecia uma cola para a economia e para as políticas. Mas pessoas que são elites num velho sistema frequentemente encontram maneiras de se tornarem elites no novo. Logo, existem continuidades notáveis. E o facto básico é que a Rússia voltou a pensar como uma grande potência e acredita que certas zonas do mundo fazem parte da sua legítima esfera de influência. Isto foi perdido com o fim da União Soviética, parecia ter desaparecido nos anos 1990, mas voltou. Claro que em termos económicos existe uma diferença enorme no que se refere à liberalização, mas tem-se, como existia antes, uma dependência dos recursos naturais, especialmente petróleo e gás, que estão numa relação muito estreita com o Estado.

É possível dizer-se que existe uma continuidade entre o império czarista, a União Soviética e a Rússia de hoje, que é o poder do Estado?

A continuidade básica é que a Rússia estabeleceu-se a si mesma como uma grande potência euroasiática, acima de tudo no século XVIII. E isto mantêm-se um facto básico acerca da Rússia, ser uma grande potência euroasiática. Depois, no século XIX, no período czarista tardio, o Estado assumiu mais funções. E este processo de construção do Estado acelerou sob os soviéticos no século XX, em parte por causa do que se estava a passar em todo o lado no mundo e em parte por causa da competição e da necessidade de igualar ou perecer. Quando se olha para um país como este, o maior do mundo, é óbvio que não é possível governá-lo da mesma maneira que se governa a Suíça.

A revolução bolchevique foi a resposta lógica ao czar autocrático ou era possível uma solução diferente?

Antes de mais, houve grandes elementos de acaso na vitória bolchevique. E, claro, se não tivesse ocorrido a Primeira Guerra Mundial, que colocou um enorme peso sobre o Estado russo, nunca teria havido as condições para emergir qualquer tipo de partido de extrema-esquerda para os bolcheviques fazerem parte. Portanto, os bolcheviques não eram o único resultado possível, mas igualmente não é verdade dizer que era apenas uma pequena conspiração. Os bolcheviques tinham Lenine e ofereciam as soluções mais radicais. Eles não ganharam com o apoio da maioria da população, mas concentraram esforços nas áreas cruciais do Exército e das cidades, Petrogrado e Moscovo. Mas qualquer resultado que tivesse havido em 1917 não seria bonito. Pode-se imaginar um cenário alternativo onde tivesse havido alguma espécie de governo socialista para além dos bolcheviques. Por uns tempos, esse governo, tal como os bolcheviques, teria de lidar com problemas enormes. Em primeiro lugar, a guerra e a possibilidade de que o novo Estado fosse invadido. Em segundo, a questão do que fazer acerca das terras. Problemas de nacionalidade também. Logo, todos estes problemas estavam lá, e os bolcheviques encontraram a sua solução, foi quase um milagre como conseguiram aguentar-se durante o período soviético. É provável que qualquer alternativa aos bolcheviques tivesse sido instável e colapsado, dando origem a algo diferente.

Estaline era o oposto de Lenine ou a continuidade óbvia?

Existe continuidade, se bem que sejam muito diferentes. Uma boa maneira de se pensar sobre Estaline é que ele era uma combinação de Lenine e de uma figura que é falada um pouco menos mas ainda assim muito importante para compreender esta revolução excessiva e que é Sverdlov, que foi o arquiteto do aparelho do partido. Era famoso por ter todos os nomes na cabeça, e isto era uma habilidade crucial nos estágios iniciais da construção do aparelho do partido. Sverdlov morreu de doença durante a guerra civil. Mas Estaline assumiu o seu papel e tornou-se o arquiteto, mesmo, do Comité Central, que é o centro nervoso do regime bolchevique, enquanto se desenvolvia no início dos anos 1920. Então ele tornou-se excelente em manobras burocráticas. Mas também um ideólogo e um líder que era, à sua maneira, carismático. E eu penso que isso, às vezes, é subestimado. Há uma frase famosa num livro de memórias da revolução soviética que diz que "Estaline era apenas uma grande mancha em 1917", estava na retaguarda. Na realidade, estão a ser completamente injustos. E outra coisa que dizem frequentemente é que Estaline não tinha brilho comparado com Trotski. Também é verdade que Trotski era carismático e um grande orador, e não havia mais ninguém que pudesse ter criado o Exército Vermelho do nada e tê-lo liderado. Estaline talvez não tivesse esse tipo de carisma militar, mas ele era obviamente capaz de, pelo menos, num período crucial persuadir as pessoas de quem precisava. Não era uma espécie exuberante de carisma, mas era a de Estaline.

E acerca do papel de Gorbachev. É um perdedor ou foi o homem errado no momento errado?

Existe uma grande divergência de opinião no Ocidente e na Rússia sobre o papel de Gorbachev. Para o Ocidente, ele é um herói, um grande homem. Na Rússia ele é um falhanço e claro que as pessoas vão dizer que ele é um traidor porque ele acabou com este grande império e não extraiu nenhumas concessões significativas do Ocidente. Era um mau regateador, não conseguiu um bom acordo, com os americanos por exemplo. Mas sabe, voltando ao papel de Lenine em 1917, Gorbachev foi também uma figura extraordinária, ninguém a não ser ele podia tê-lo alcançado, e este foi um momento em que um indivíduo fez a diferença. Tendo dito isso, as circunstâncias foram muito importantes também e ele nunca teria embarcado nas ações que levaram ao colapso soviético se soubesse que levariam a esse fim em 1991.

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