Rússia: "Ninguém gostaria de viver numa sociedade tão limitada"

Para José Milhazes, historiador e comentador político na SIC, Antena 1 e Observador, que viveu décadas em Moscovo, os dirigentes russos caem no erro de replicar a receita soviética de instilar medo aos europeus.
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Além dos discursos do presidente da Rússia Vladimir Putin, crê existir uma nostalgia da União Soviética?

Há uma parte da opinião pública que tem saudades da União Soviética. Mas digamos que é uma minoria e cada vez mais minoria à medida que o tempo avança. Entre a juventude ninguém gostaria de viver numa sociedade tão fechada e tão limitada como era a União Soviética.

Na sua ótica, o que une e o que separa estas repúblicas que se tornaram independentes?

O que as une foi o facto de terem todos pertencido a um estado. O que as divide é muito mais. Têm uma história que geralmente não é pacífica e entre as 15 repúblicas da União Soviética e entre a Rússia e os seus vizinhos, essas relações, que se formaram ao longo de séculos, não foram de todo pacíficas. Há guerras, ocupações, etc., daí que neste momento volta a pairar o fantasma da União Soviética e do império russo sobre os países vizinhos, ou seja como uma forma de a Rússia tentar dominar espaços que antes faziam parte desse império e da URSS.

Pensa ser uma ameaça credível?

É uma grande incógnita. Eu acho que a Rússia não estará muito interessada em começar uma guerra porque isso pode criar grandes complicações dentro do país. Mas há outros fatores e o principal é que não sabemos exatamente o que é que Putin terá na cabeça. Se Putin tem na cabeça restaurar a zona de influência soviética então aí iremos ter certamente problemas.

Passados 30 anos sobre a dissolução da União Soviética de que aspetos podem os habitantes orgulhar-se?

Claro que têm orgulho de algumas páginas da história soviética, como teriam se essas páginas fizessem parte do império russo ou da Rússia atual. Nomeadamente, a grande guerra pátria, ou seja, a guerra contra Hitler e a vitória nessa guerra. E, claro, a conquista do espaço em que a União Soviética deu cartas em determinada altura nesse setor. Há também outros aspetos que algumas camadas defendem, como o facto de o mundo ter medo da União Soviética. É o que eu sempre refiro, mais vale ter respeito do que ter medo. Eu acho que é um erro em que pecam os dirigentes russos. Eles fazem que os dirigentes europeus tenham medo e não tenham respeito pela Rússia, que são duas coisas muito diferentes.

Pensa que o orgulho que mencionou sobre a vitória na Segunda Guerra Mundial ou na exploração espacial são partilhados pelos habitantes dos outros 14 países?

Quanto à questão da vitória na Segunda Guerra Mundial, claro que é partilhada por muita população de outras regiões que sofreram fortemente. Também há aqueles que veem essa vitória de uma forma menos heroica e menos otimista. Por exemplo, os países do Báltico viram-se libertados dos nazis mas logo a seguir sentiram os efeitos da ocupação soviética e isso é um estado de espírito generalizado a toda a Europa de leste que fazia parte da zona de influência da União Soviética. O mesmo se pode dizer em relação à Ucrânia. Há lá muita gente que tem o mesmo pensamento mas, em geral, há algum respeito pelas pessoas, principalmente pelos soldados que combateram nessa guerra.

cesar.avo@dn.pt

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