Rússia envia mensagem ao Ocidente com ataque a base perto de Lviv
Um dia depois de o Kremlin ter declarado que as colunas de armamento oriundas do Ocidente são "alvos legítimos", o exército russo bombardeou o Centro Internacional de Manutenção de Paz e Segurança, uma base de formação militar em Yavori, na região de Lviv e apenas a 25 quilómetros da fronteira com a Polónia. Os Estados Unidos reafirmaram que irão responder militarmente se a guerra salpicar para território da NATO. Em sentido inverso, russos e ucranianos voltam a dar indicações de que as negociações entre ambas as partes podem trazer resultados "numa questão de dias".
Segundo dados do governador da região de Lviv, o ataque a Yavoriv causou 35 mortos e 134 feridos. Já o ministro da Defesa informou que a base acolhia "instrutores estrangeiros". Segundo um militar ucraniano citado pelo New York Times havia até mil combatentes estrangeiros a receber instrução na base. Antes da guerra, Yavoriv - uma das maiores bases ucranianas - acolhia em rotatividade centenas de militares da NATO, entre os quais 150 da Guarda Nacional da Florida, em consequência da anexação da Crimeia por parte da Rússia, embora já tivesse sido palco, anos antes, de exercícios militares conjuntos com países ocidentais. Também servia de centro de instrução para as operações de paz em que as tropas ucranianas estiveram envolvidas ao serviço das Nações Unidas, como é o caso da missão na República Democrática do Congo.
Agora Yavoriv estava a desempenhar o papel de treino de voluntários estrangeiros e de centro logístico, uma vez que a Ucrânia tem vindo a receber equipamento militar nas últimas semanas. "O significado deste ataque a Yavoriv é que demonstra que os russos têm a capacidade de chegar tão longe", e "provavelmente pretendeu fazer um aviso para futuros esforços logísticos" dos parceiros da Ucrânia, disse o tenente-general norte-americano Ben Hodges ao The Washington Post. Na véspera, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, havia dito que o bloco iria enviar para o país invadido "todas as armas necessárias".
Do ponto de vista de Moscovo, o ataque resultou em "até 180 mercenários estrangeiros e um grande número de armas estrangeiras foram eliminados". Kiev disse que as vítimas mortais são ucranianas. Nas palavras do porta-voz do Ministério da Defesa russo Igor Konashenkov, a ofensiva foi realizada com "armas de alta precisão e largo alcance". No terreno contaram-se 30 mísseis. "A eliminação de mercenários estrangeiros que cheguem à Ucrânia irá continuar", disse ainda. Segundo a Agência Ucraniana de Notícias, são os russos quem estão a recorrer aos serviços de mercenários, no caso sírios e sérvios, e a recrutar nas regiões separatistas da Geórgia (Abecásia e Ossétia do Sul). Além disso, há informações de que parte das tropas russas no enclave arménio do Nagorno-Karabakh, bem como na base russa na Arménia, estão a regressar à Rússia para seguirem depois para a Ucrânia.
O bombardeamento da base junto à fronteira de um país da Aliança Atlântica levou os Estados Unidos, mais uma vez, a lembrar que que os funcionários americanos "deixaram muito claro à Rússia que o território da NATO será defendido não só pelos Estados Unidos, mas também pelos aliados", disse o porta-voz do Pentágono John Kirby. "Continuamos a avançar e a deslocar-nos e a reposicionar forças e capacidades ao longo do flanco oriental da NATO para garantir que podemos defender cada centímetro do território da NATO, se necessário", disse em entrevista à ABC News. "Neste momento, não há razão para precisarmos de o fazer", afirmou. Lembrou ainda que há uma linha de comunicação direta entre o Pentágono e o Ministério da Defesa russo para prevenir erros catastróficos. "Essa linha está a funcionar e não hesitaremos de forma alguma em utilizá-la se for necessário."
Noutra frente do diálogo, a vice-secretária de Estado norte-americana Wendy Sherman disse que os diplomatas russos começaram a mostrar vontade de manter "negociações reais e sérias" para acabar com a guerra, mas advertiu que o líder Vladimir Putin está empenhado em continuar o esforço bélico. As negociações entre as partes beligerantes continuam hoje por videoconferência.
O negociador russo Leonid Slutsky destacou o facto de que as negociações progrediram de forma positiva. "Se compararmos a posição das duas delegações entre o início das negociações e agora, vemos um progresso significativo", disse o membro da delegação russa que se encontrou com ucranianos por três vezes na Bielorrússia. "A minha expectativa pessoal é que esse progresso leve muito em breve a uma posição comum entre as duas delegações e à assinatura de documentos", disse citado por agências de notícias russas.
Também Mykhailo Podoliak, negociador e assessor do presidente ucraniano, realçou a mudança de tom de Moscovo, como Volodymyr Zelensky havia feito na véspera. "Durante as negociações, a Federação Russa não está a fazer ultimatos, mas escuta atentamente as nossas propostas. A Ucrânia não desistirá de nenhuma das posições. As nossas exigências são o fim da guerra e a retirada das tropas da Federação Russa. Vejo compreensão e há um diálogo", escreveu no Twitter.
Enquanto isso, a situação em Mariupol continua a agravar-se. Uma coluna de ajuda humanitária deu meia volta depois dos "russos não pararem de disparar", disse à AFP um funcionário da cidade onde morreram 2187 pessoas. Zelensky acusou Moscovo de bloquear e de atacar caravanas humanitárias. Disse também que mais de 125 mil pessoas foram retiradas em corredores humanitários por todo o país.
Encontro EUA-China em Roma
O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Jake Sullivan e o diplomata chefe do Partido Comunista Chinês Yang Jiechi vão encontrar-se hoje em Roma. No topo da agenda está a guerra na Ucrânia. Na ONU, a China absteve-se na condenação à invasão russa e concordou com as críticas de Moscovo sobre a expansão a leste da NATO. Washington quer garantir que Pequim não ajude o regime de Putin a contornar o impacto das sanções económicas. O papel da China como intermediário também poderá ser discutido, numa altura em que se especula que só Xi Jinping poderá ter influência junto de Vladimir Putin.
Boris em visita controversa
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, vai encontrar-se nesta semana com o príncipe saudita Mohammed bin Salman (MBS) depois de o regime do Golfo ter realizado um recorde de execuções num dia, 81 . O objetivo da visita - alvo de críticas em Londres - é convencer os sauditas a aumentar a produção petrolífera para ajudar a baixar os preços. No entanto, dadas as relações frias de MBS com Washington em virtude do assassínio de Jamal Khashoggi, Riade não se dispôs, como é costume, a aumentar a produção.
Cimeira turco-grega
A guerra na Ucrânia e os diferendos no leste do Mediterrâneo foram os temas de uma reunião entre o presidente turco Recep Erdogan e o PM grego Kyriakos Mitsotakis, à luz da "evolução da arquitetura de segurança europeia". Há dois anos Ancara jogou migrantes para os braços de Atenas e foi acusada de violações territoriais devido a perfurações no mar Mediterrâneo. As tensões baixaram em 2021 com o regresso de conversações bilaterais.
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