Rui Pedro. Há 23 anos desaparecido, resta a luta da mãe e uma foto na lista da PJ
"Toda a gente quer que tenha uma vida normal. Como é ter uma vida normal?" A pergunta é da atriz Ana Moreira no filme Sombra onde interpreta Filomena Teixeira, a mãe de Rui Pedro, o jovem de Lousada que desapareceu a 4 de março de 1998.
E a verdade é que ilustra bem o que tem sido a vida da família da criança - principalmente da mãe, que tem lutado para que o desaparecimento do filho não deixe o espaço mediático. Luta que serviu também ao longo dos anos para chamar a atenção para que estes casos não sejam esquecidos - em 2019 foram dadas como desaparecidas 1400 crianças, sendo que em muitos casos são jovens que fogem de casa, mas mais tarde regressam.
O caso de Rui Pedro foi bastante mediatizado na altura, tendo sido envolvidas as autoridades internacionais pois rapidamente surgiu a hipótese de o jovem ter sido raptado por redes ligadas a tráfico e pornografia infantil.
Aliás, seis meses depois do desaparecimento, em setembro de 1998, na sequência de uma operação internacional denominada The Wonderland Club, que terminou com o confisco de 750 mil imagens e vídeos de crianças, terão sido identificadas fotos que poderiam ser de Rui Pedro. Mas essa hipótese nunca passou disso.
Alegados avistamentos de Rui Pedro foram continuando a ser noticiados - por exemplo, também teria sido visto na Suíça ou na Disneyland Paris -, mas sempre sem pistas concretas que pudessem levar ao seu paradeiro.
Sem as autoridades conseguirem chegar a uma conclusão sobre o que se passou, atualmente Rui Pedro ainda está na lista de pessoas desaparecidas que se pode consultar no site da Polícia Judiciária, que já não investiga o caso.
O desaparecimento de Rui Pedro teve um culpado: Afonso Dias, um amigo do jovem que o terá levado a uma prostituta no dia em que os pais viram o filho pela última vez.
Mais velho, na altura tinha 22 anos, o homem que terá sido o último a ver o filho de Filomena Teixeira e Manuel Mendonça foi detido pelos inspetores da Judiciária sob a suspeita do rapto do jovem e mais tarde foi acusado, julgado e condenado - neste caso pelo Supremo Tribunal de Justiça, para onde a família recorreu após ter sido absolvido por falta de provas no julgamento de primeira instância, num julgamento que se realizou em 2011, ou seja 13 anos após o desaparecimento.
Afonso Dias, que nunca falou sobre o que se terá passado naquele dia, foi sentenciado a três anos de prisão, tendo cumprido dois -- saiu em liberdade a 29 de março de 2014. Das parcas declarações conhecidas, sempre disse estar inocente. Há uma frase que foi muito repetida na altura e que o realizador do filme Sombra, Bruno Gascon, não deixou passar em claro: "Se querem encontrar o Pedro fechem as fronteiras."
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Uma "proposta" não aceite pela PJ e que está entre os vários pontos a que a família recorreu sempre que criticou a investigação. Ao longo dos anos foram muitas as declarações sobre o que consideravam ser a ineficácia das autoridades.
Um dos exemplo é o da pouca importância dada ao testemunho de uma prostituta, Alcina Dias, a pessoa a que Afonso Dias terá "levado" Rui Pedro. Esta identificou o arguido na sessão em tribunal. Ao mesmo tempo, um inspetor admitiu em julgamento ter mentido sobre alguns dados do processo, o que levantou ainda mais dúvidas sobre a forma como a investigação se desenvolveu.
Depois do impacto da absolvição no Tribunal de Lousada, os pais acabaram por ver feito "um ato de justiça", como disse o seu advogado Ricardo Sá Fernandes, com a decisão do Supremo.
Além das vicissitudes do processo judicial e da luta da mãe que ainda acredita na hipótese de o filho estar vivo - a estar terá 34 anos -, o caso inspirou o realizador Marco Martins para o filme Alice (2015) que retrata o desaparecimento de uma menina de 2 anos e é dedicado a Filomena Teixeira. É também referido no documentário da Netflix The Disappearance of Madeleine McCann. E agora é mote de Sombra, onde o desespero de uma mãe é o tópico de início ao fim: "Como posso viver sem saber dele?"
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