"Toda a gente quer que tenha uma vida normal. Como é ter uma vida normal?" A pergunta é da atriz Ana Moreira no filme Sombra onde interpreta Filomena Teixeira, a mãe de Rui Pedro, o jovem de Lousada que desapareceu a 4 de março de 1998..E a verdade é que ilustra bem o que tem sido a vida da família da criança - principalmente da mãe, que tem lutado para que o desaparecimento do filho não deixe o espaço mediático. Luta que serviu também ao longo dos anos para chamar a atenção para que estes casos não sejam esquecidos - em 2019 foram dadas como desaparecidas 1400 crianças, sendo que em muitos casos são jovens que fogem de casa, mas mais tarde regressam..O caso de Rui Pedro foi bastante mediatizado na altura, tendo sido envolvidas as autoridades internacionais pois rapidamente surgiu a hipótese de o jovem ter sido raptado por redes ligadas a tráfico e pornografia infantil..Aliás, seis meses depois do desaparecimento, em setembro de 1998, na sequência de uma operação internacional denominada The Wonderland Club, que terminou com o confisco de 750 mil imagens e vídeos de crianças, terão sido identificadas fotos que poderiam ser de Rui Pedro. Mas essa hipótese nunca passou disso..Alegados avistamentos de Rui Pedro foram continuando a ser noticiados - por exemplo, também teria sido visto na Suíça ou na Disneyland Paris -, mas sempre sem pistas concretas que pudessem levar ao seu paradeiro..Sem as autoridades conseguirem chegar a uma conclusão sobre o que se passou, atualmente Rui Pedro ainda está na lista de pessoas desaparecidas que se pode consultar no site da Polícia Judiciária, que já não investiga o caso..O desaparecimento de Rui Pedro teve um culpado: Afonso Dias, um amigo do jovem que o terá levado a uma prostituta no dia em que os pais viram o filho pela última vez..Mais velho, na altura tinha 22 anos, o homem que terá sido o último a ver o filho de Filomena Teixeira e Manuel Mendonça foi detido pelos inspetores da Judiciária sob a suspeita do rapto do jovem e mais tarde foi acusado, julgado e condenado - neste caso pelo Supremo Tribunal de Justiça, para onde a família recorreu após ter sido absolvido por falta de provas no julgamento de primeira instância, num julgamento que se realizou em 2011, ou seja 13 anos após o desaparecimento..Afonso Dias, que nunca falou sobre o que se terá passado naquele dia, foi sentenciado a três anos de prisão, tendo cumprido dois -- saiu em liberdade a 29 de março de 2014. Das parcas declarações conhecidas, sempre disse estar inocente. Há uma frase que foi muito repetida na altura e que o realizador do filme Sombra, Bruno Gascon, não deixou passar em claro: "Se querem encontrar o Pedro fechem as fronteiras.".YouTubeyoutubehttps://www.youtube.com/watch?v=o-6uaFPq1io.Uma "proposta" não aceite pela PJ e que está entre os vários pontos a que a família recorreu sempre que criticou a investigação. Ao longo dos anos foram muitas as declarações sobre o que consideravam ser a ineficácia das autoridades..Um dos exemplo é o da pouca importância dada ao testemunho de uma prostituta, Alcina Dias, a pessoa a que Afonso Dias terá "levado" Rui Pedro. Esta identificou o arguido na sessão em tribunal. Ao mesmo tempo, um inspetor admitiu em julgamento ter mentido sobre alguns dados do processo, o que levantou ainda mais dúvidas sobre a forma como a investigação se desenvolveu..Depois do impacto da absolvição no Tribunal de Lousada, os pais acabaram por ver feito "um ato de justiça", como disse o seu advogado Ricardo Sá Fernandes, com a decisão do Supremo..Além das vicissitudes do processo judicial e da luta da mãe que ainda acredita na hipótese de o filho estar vivo - a estar terá 34 anos -, o caso inspirou o realizador Marco Martins para o filme Alice (2015) que retrata o desaparecimento de uma menina de 2 anos e é dedicado a Filomena Teixeira. É também referido no documentário da Netflix The Disappearance of Madeleine McCann. E agora é mote de Sombra, onde o desespero de uma mãe é o tópico de início ao fim: "Como posso viver sem saber dele?".cferro@dn.pt