Ruanda. Miterrand "fechou os olhos" a genocídio

Relatório divulgado aponta o papel crucial do antigo Presidente francês François Miterrand, que deu "apoio quase incondicional" ao regime ruandês. Genocídio dos tutsis provocou pelo menos 800 mil mortos, em 1994
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A França "fechou os olhos para a preparação" do genocídio dos tutsis no Ruanda, em 1994, e tem uma "responsabilidade avassaladora" nos massacres, segundo um relatório divulgado esta sexta-feira.

O documento, resultado de dois anos de estudo dos arquivos franceses e entregue ao presidente Emmanuel Macron, faz um relato intransigente do envolvimento militar e político de Paris no genocídio, que entre abril e julho de 1994 deixou pelo menos 800 000 mortos, de acordo com a ONU.

No entanto, a comissão encarregada do relatório, presidida pelo historiador Vincent Duclert, diz que "nada mostra" que a França tenha sido "cúmplice" do genocídio ocorrido em 7 de abril de 1994, um dia após o ataque ao avião do então presidente Juvénal Habyarimana.

Este documento pode marcar uma viragem na relação entre os dois países, marcada há mais de 25 anos pelas violentas controvérsias sobre o papel francês neste extermínio. "A França continuará os seus esforços na luta contra a impunidade para os responsáveis" pelo genocídio, disse Macron, após a publicação do relatório. De resto, o Eliseu disse que espera que este documento ajude a desenvolver e melhorar as relações com Kigali.

No Ruanda, o ministério das Relações Exteriores congratulou-se pela publicação do relatório, que constitui "um passo importante rumo a uma compreensão comum do papel da França" no conflito.

O documento, com mais de mil páginas e baseado em telegramas diplomáticos e notas confidenciais, aponta a responsabilidade crucial do então presidente socialista francês, François Mitterrand. Este deu apoio quase "incondicional" ao regime "racista, corrupto e violento" do presidente Juvénal Habyarimana face à rebelião tutsi com a Frente Patriótica de Ruanda, liderada por Paul Kagame, atual presidente de Ruanda, lê-se.

O socialista tinha "uma relação forte, pessoal e direta" com Habyarimana, apontam os 14 historiadores da comissão, entre os quais estão especialistas no Holocausto, no massacre de arménios e em direito penal internacional. Essa relação, a que se somava a obsessão de fazer do Ruanda um território de defesa da francofonia, justificou "a entrega de consideráveis quantidades de armas e munições ao regime de Habyarimana, assim como a ampla participação dos militares franceses no treino das forças armadas ruandesas".

O relatório ainda aponta para a responsabilidade do Estado-Maior Presidencial de Mitterrand, liderado pelo general Christian Quesnot e pelo seu vice, coronel (hoje general) Jean-Pierre Huchon. Mitterrand morreu em 1996, mas os dois militares estão vivos.

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