Robert Mitchum, o ator que não queria ser artista
Pose, ou talvez não: "Os filmes aborrecem-me. Especialmente os meus". Defesa de uma imagem distante mas conformista? Continuemos a ouvi-lo: "Desisti de tentar manter uma atitude séria quanto aos filmes no momento em que, contracenando com Greer Garson, testemunhei que ela precisou de 125 repetições de uma cena em que só tinha que dizer não". Lapidar, no nihilismo: "Tenho dois estilos de representação: com cavalo e sem cavalo. Tenho três expressões distintas: olhar para a esquerda, para a direita e em frente. Atitude? Mantive sempre a mesma - só mudei de roupa interior." Depois, sobre o "aprofundamento" do trabalho do ator, o sarcasmo não se altera: "Método? O Método Rin Tin Tin chega-me perfeitamente. Tenho a certeza de que o cão nunca se preocupou com a motivação, com o conceito e com toda essa tralha."
Não será frequente descobrir um homem com este discurso - que até pode esconder uma dose de estratégia mas vale pelo insólito e pela violência -,sobretudo depois de uma permanência ativa nos filmes de mais de meio século (1943-1997), alcançando um total de 119 longas-metragens, o que lhe permitiu trabalhar com (mais de) meio mundo de Josef von Sternberg a Jim Jarmusch e de Mervyn Le Roy a Martin Scorsese. Mas não impediu que se mantivesse intacta a sua desconfiança face ao real valor do que Hollywood ia produzindo. Robert Charles Durnan Mitchum, nascido a 6 de Agosto de 1917, em Bridgeport, Connecticut, nunca foi meigo com alguns dos seus parceiros de profissão: do alto do seu metro e 85, apoucava Robert De Niro, Jack Nicholson e Al Pacino por serem "pequeninos", senão na Arte, pelo menos na estatura. Trabalhou duas vezes com o primeiro - em O Grande Magnate (1976), de Elia Kazan, e em O Cabo do Medo (1991), de Martin Scorsese, em que De Niro o "substituiu" no papel de Max Cady, a malévola criatura que o próprio Mitchum inventara trinta anos antes, em Barreira do Medo (1962), de J. Lee Thompson - e nunca deixou de ironizar com os caminhos trilhados pelo ator de Taxi Driver na busca da perfeição. O sentimento negativo crescia exponencialmente, se os alvos passassem a ser os "heróis de ação" de um certo Cinema, casos de Charles Bronson e Steve McQueen. Relativamente a este, Mitchum esmerou-se na desanca: "Para mim, ele é o símbolo máximo da monotonia. Não traz aos seus filmes qualquer atividade, e muito menos inteligência".
As palavras mais simpáticas deste mulherengo que só casou uma vez, em 1940, e cujo matrimónio durou até à morte (1997), foram para duas atrizes com quem se cruzou: a magnífica Jane Russell, com quem rodou Redenção (1951) e Macau (do ano seguinte), e a extraordinária Deborah Kerr, com quem se cruzou em O Espírito e a Carne (1957), Três Vidas Errantes e Ele, Ela e o Marido (1960). A primeira, a protegida do magnate Howard Hughes, fez companhia a Dorothy Mitchum, a viúva de Robert, enquanto esta espalhava no mar as cinzas do ator. Da segunda, disse um rendido Robert: "A melhor, a minha favorita... A vida seria muito gentil se eu pudesse vivê-la sempre com Miss Kerr por perto." Curiosamente, a estrela de Até à Eternidade, O Rei e Eu, O Espírito e a Carne (em contraponto a Mitchum) e Vidas Separadas, que lhe valeram quatro das - infrutíferas - nomeações para o Óscar, terá sido uma das conquistas que o corpulento Robert não conseguiu concretizar. Quanto a Óscares, também estamos conversados: uma só nomeação, e para o troféu de Ator Secundário, aconteceu logo em 1946, pelo papel de Também Somos Seres Humanos, de William A. Wellman. Daí em diante, mais nada. Visivelmente, Hollywood não gostava daqueles que não a levavam muito a sério...
A farda e o fardo
A carreira de Mitchum está cheia de particularidades, repartindo-se pelos filmes em que usa um cinturão, um coldre, uma pistola e um cavalo, por aqueles em que veste uma farda de militar ou de polícia e pelo "resto", à razão aproximada de um terço para cada setor. A sua cara é hoje sobretudo reconhecida pelos épicos da II Guerra Mundial, O Dia Mais Longo (1962) e Batalha de Midway (1976), bem como por uma série de TV também focada no conflito, Ventos de Guerra. Mas seria profundamente injusto restringir um percurso de mais de 50 anos a estas escalas bélicas. Afinal, Mitchum trabalhou - e, nalguns casos, mais do que uma vez - com quase todo o dicionário das mais-valias do cinema norte-americano de diversas épocas e estilos: além dos já citados, participou em realizações de Edward Dmytryk, Vincente Minnelli, Raoul Walsh, Jacques Tourneur, Robert Wise, Nicholas Ray, Richard Fleischer, Henry Hathaway, Otto Preminger, John Huston, Robert Aldrich, Fred Zinnemann, Stanly Donen, Howard Hawks, Joseph Losey, David Lean, Peter Hyams, Sydney Pollack, Michael Winner e Richard Donner.
Em 1943, ano da sua estreia nas fitas, participou em nada menos de 19 filmes. Pouco dado à análise, confessaria que o seu papel favorito ocorreu quando vestiu a pele de Harry Powell, o perverso protagonista de A Noite do Caçador (1955), a espantosa realização do ator Charles Laughton. Muito associado ao film noir, que fazia valer o seu olhar de desprezo e a sua voz impressionante, não deixou de passar pelas comédias - vamos descobri-lo, por exemplo, em Bucha e Estica Mestres de Dança e, como protagonista, lado a lado com Shirley MacLaine, no excelente Um Baloiço Para Dois (1962), de Robert Wise. Ignorou quase em absoluto a ideia de uma gestão de carreira, mais interessado no que os filmes lhe iam proporcionando: conquistas amorosas, dinheiro para os vícios (do álcool às substâncias proibidas, que lhe valeram inclusivamente uns meses de cadeia) e um ritmo de trabalho que não o maçasse. Ainda assim, não lhe era indiferente uma certa consciência profissional: recusou o papel principal em Patton (1970), por julgar que não seria capaz de fazer justiça ao guião, e recomendou a contratação, concretizada, de George C. Scott. No ano seguinte, declinou encabeçar o elenco de Os Incorruptíveis Contra A Droga, por uma "questão de coerência": quem tinha um passado de ligação às drogas, não deveria, em seu entender, dar a cara como o paladino da luta contra o tráfico e o consumo. Foi rendido por Gene Hackman. Ironicamente, Scott e Hackman acabaram por ganhar, ambos, os Óscares de representação.
Esteve para desistir da carreira várias vezes. Numa dessas ocasiões, reconciliou-se com a profissão por causa de um filme sublime: A Filha de Ryan, de David Lean. Mas foi aceitando produções muito fracas, até à despedida: quando aceitou participar em James Dean: Live Fast and Die Young (1997, ano da sua morte), fê-lo só para ajudar a carreira da filha, Carrie, chamada ao papel de Pier Angeli, a namorada de Dean. Republicano pouco convicto, foi criador de cavalos, poeta caseiro e chegou a gravar discos, como aquele que dedicou a um género entretanto caído em desuso, o calypso. Quando começou, ganhava 100 dólares por semana. Pelas séries Ventos de Guerra e respetiva sequela, War and Remembrance, recebeu cerca de um milhão por cada. Manteve-se sarcástico até ao fim: "Dizem que eu não sei as minhas falas. É mentira. Eu sei, mas estou demasiado bêbado para as dizer." Por baixo desta capa, ficava um belo profissional: num dos seus últimos grandes papéis, ao lado de Nastassja Kinski, em Os Amantes de Maria (1984), de Andrei Kontchalovsky, Bob cumpriu todos os dias de rodagem, apesar de afetado por uma pneumonia. Já não se fazem atores assim.