Ricardo Salgado acusado de ser o centro da corrupção
Quando a defesa de Ricardo Salgado afirma que o ex-presidente do BES "foi uma espécie de "boia de salvação" para um processo que se estava a afogar nas suas múltiplas teses contraditórias e ainda para outras pessoas", fica à vista que o arguido é uma peça central da acusação da Operação Marquês, só ofuscado por José Sócrates, acusado de corrupção no exercício das funções de primeiro-ministro. Dos mais de 34 milhões de euros que José Sócrates terá recebido, 22,2 milhões são provenientes do Grupo Espírito Santo, acusa o Ministério Público (MP). O restante é imputado aos grupos Lena e Vale do Lobo.
Para os procuradores do MP, Salgado esteve na origem da maioria do dinheiro que alegam ter ido parar a contas bancárias de Joaquim Barroca ou Carlos Santos Silva, o testa-de-ferro de José Sócrates, além de ter pago mais de 45 milhões de euros a Henrique Granadeiro e a Zeinal Bava para decidirem na Portugal Telecom, onde eram administradores, "em conformidade com as indicações e com os interesses definidos por Ricardo Salgado", lê-se na acusação. O BES tinha grandes interesses financeiros na PT.
Não há factos nem provas, diz a defesa. "Ricardo Salgado não praticou qualquer crime e esta acusação é totalmente infundada quanto a si", lê-se no comunicado ontem transmitido pelo seu advogado, Francisco Proença de Carvalho. Acusado de dois crimes de corrupção ativa, nove crimes de branqueamento de capitais, três crimes de abuso de confiança, três crimes de falsificação de documento e três crimes de fraude fiscal qualificada, Ricardo Salgado alega que o MP atuou com o "claro objetivo de condenar na praça pública", num processo que "ficará na história da justiça portuguesa como um dos piores exemplos de violações de direitos e garantias que qualquer cidadão, pobre ou rico, deve ter".
Tal como a defesa de Sócrates, também os advogados de Salgado criticam o juiz Carlos Alexandre: "Limita-se a aderir e a aceitar tudo o que é requerido ou até a ir mais longe do que o próprio Ministério Público." Prometem levar "até às últimas consequências a sua defesa".
Na acusação formulada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Ricardo Salgado é descrito com alguém que "dispunha de todos os poderes necessários para decidir e fazer implementar a sua vontade no GES (Grupo Espírito Santo)". Segundo o MP, "efetuou pagamentos aos arguidos Zeinal Bava e Henrique Granadeiro para que os mesmos desempenhassem os seus cargos na PT em benefício desses interesses".
Para garantir o apoio político - o Estado detinha a golden share na PT -, Salgado "efetuou, igualmente, pagamentos ao arguido José Sócrates de forma que o mesmo, na condução do governo de Portugal, decidisse e tivesse intervenções de acordo com as estratégias definidas". O apoio do então primeiro--ministro na oposição à OPA da Sonae, em 2006, era necessário e, para tal, diz o MP, Sócrates terá recebido sete milhões de euros. Por outro lado, em 2010, o negócio era a compra da brasileira Oi pela PT.
Utilizando diversas offshores, no Panamá ou nas Ilhas Virgens Britânicas, as empresas do BES em Angola, e diversas contas na Suíça, em que Hélder Bataglia, José Pinto de Sousa, Joaquim Barroca e Carlos Santos Silva eram intermediários, Ricardo Salgado é acusado de ter montado o esquema de corrupção.
O homem que dirigiu o BES até 2014 também é acusado de ter determinado operações em seu proveito, com o auxílio de Hélder Bataglia e Henrique Granadeiro. "Procurou obter contrapartidas para ele próprio", diz o MP, em valor superior a dez milhões de euros, com diversos pagamentos de empresas do Grupo BES com o destino final a ser o próprio presidente do banco. Conclui o MP que houve um prejuízo para o Estado de 4,7 milhões de euros em IRS por pagar.
A procuradora-geral da República comentou ontem a acusação do processo Marquês e elogiou o trabalho dos procuradores. "Confio na solidez desta acusação como confio na solidez das acusações do MP em outros processos", disse Joana Marques Vidal, que falava na Figueira da Foz, onde esteve no XI Congresso dos Juízes Portugueses. "Os magistrados do MP atuam de acordo com aquilo que é a lei e a análise objetiva dos factos", frisou a responsável máxima do MP.